Estas empresas querem combater o desperdício de alimentos utilizando micróbios
Natureza e espaço

Estas empresas querem combater o desperdício de alimentos utilizando micróbios

Sempre há algo valioso ou útil nas lixeiras dos supermercados.

Algumas pessoas podem olhar na lixeira de um supermercado e ver lixo. Mas outras estão começando a ver cifrões. 

Novas instalações de digestão anaeróbica, um processo que utiliza micróbios para decompor materiais orgânicos, estão surgindo nos EUA para combater o desperdício de alimentos. A Divert, uma empresa voltada para este objetivo, anunciou no início do mês que recebeu um contrato de financiamento de US$ 1 bilhão para ajudar no desenvolvimento e implementação dessa tecnologia. 

O novo contrato, assinado com a empresa de infraestrutura de energia Enbridge, ajudará a Divert a construir e implementar novas instalações de digestão anaeróbica nos Estados Unidos. Se tudo correr conforme o planejado, a organização poderá gerenciar um total de 5% do desperdício de alimentos nos EUA até o final da década, diz Ryan Begin, CEO e cofundador da empresa. 

Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, cerca de 60 milhões de toneladas de desperdício de alimentos são geradas apenas nos EUA a cada ano, totalizando cerca de 30% do suprimento total de alimentos. O total global está próximo de 1 bilhão de toneladas. Hoje, esses alimentos desperdiçados normalmente vão parar em aterros sanitários, onde se decompõem e produzem metano, um poderoso gás de efeito estufa. Muitos aterros possuem sistemas de captação desses gases, mas só conseguem absorver cerca de 60% do metano emitido. 

“Precisamos processar esses resíduos de alguma forma”, diz Meltem Urgun Demirtas, diretor do grupo de bioprocessos e separações reativas do Laboratório Nacional de Argonne (EUA). Além de ajudar a evitar as emissões de metano, processar o desperdício de alimentos da maneira certa pode até gerar energia e produtos, como fertilizantes. 

Uma opção para isso é a chamada digestão anaeróbica, um conjunto de processos amplamente utilizados em estações de tratamento de águas residuais em todo o mundo. Atualmente, mais lugares estão usando-a para tratar outros resíduos, como esterco em fazendas e comida descartada. A Alemanha, por exemplo, é líder mundial em digestores anaeróbicos: o país opera cerca de 10.000 desses reatores anaeróbicos hoje. Nos EUA, existem pouco mais de 2.000, e apenas algumas centenas são voltadas para o uso do desperdício de alimentos. 

Confira como a digestão anaeróbica funciona. Quando as empresas recebem resíduos de alimentos de supermercados ou distribuidores de alimentos, eles são basicamente liquefeitos, ou seja, são transformados em uma “mistura de lixo”, diz Begin. Os elásticos, adesivos e embalagens plásticas são removidos e a mistura é então conduzida através do restante do processo. O grande destaque é a comunidade de micróbios semeada no reator, parecido um pouco como um fermento natural. Eles devoram os resíduos de comida e transformam a mistura aquosa nos produtos finais: biogás e um material sólido chamado digestato, que pode ser adicionado ao solo. 

“Somos produtores de micróbios”, diz Shawn Kreloff, CEO da Bioenergy DevCo, uma empresa que constrói e opera digestores anaeróbicos. Manter os micróbios felizes significa garantir que as condições sejam adequadas, dentro de limites rigorosos de temperatura e acidez. Eles também não gostam que a comida seja muito salgada, diz Christine McKiernan, diretora de engenharia e construção da Bioenergy DevCo. 

A compostagem pode ser um processo mais familiar para resolver o desperdício de alimentos, afinal, ela também utiliza micróbios e produz um material sólido repleto de nutrientes. A grande diferença é que a compostagem acontece na presença de oxigênio, então os micróbios decompõem os resíduos em terra enquanto emitem principalmente dióxido de carbono. 

Se uma pilha de compostagem não for misturada o suficiente, seus micróbios serão privados de oxigênio. Eles naturalmente começarão a passar por atividades anaeróbicas, formando metano: más notícias para as unidades de compostagem que ficam geralmente abertas para a atmosfera. Em curtos períodos, o metano é cerca de 80 vezes mais poderoso como gás de efeito estufa do que o dióxido de carbono. 

“Precisamos processar esse desperdício de alguma forma.” Meltem Urgun Demirtas 

No entanto, para empresas interessadas em digestão anaeróbica, a meta é justamente produzir metano. Como essas unidades são seladas, a mistura de metano e dióxido de carbono produzida por micróbios, chamada biogás, pode ser capturada e purificada em biometano, que pode ser usado como substituto do gás natural. 

Alguns produtores queimam esse biometano (também chamado de gás natural renovável) ou o biogás não purificado gerado em suas próprias unidades, para alimentá-las. Outros o vendem para empresas de serviços públicos, onde ele é injetado em gasodutos existentes e usado para gerar eletricidade em usinas elétricas ou utilizado em residências para aquecimento, ou cozimento. 

No geral, a digestão anaeróbica pode trazer benefícios climáticos, mas exatamente quanto o processo reduz as emissões dependerá muito dos detalhes, diz Troy Hawkins, pesquisador do Laboratório Nacional de Argonne que estuda os efeitos ambientais dos sistemas de energia. 

A Divert trabalha com mais de 5.000 lojas de varejo nos EUA para coletar resíduos de alimentos e processá-los usando digestão anaeróbica. A empresa atualmente opera 10 locais de digestores nos EUA e usa sistemas de rastreamento para entender por que certos alimentos acabam sendo desperdiçados em primeiro lugar, acrescenta Begin. 

Implantar digestores anaeróbicos não é barato: uma instalação de tamanho normal pode custar dezenas ou centenas de milhões de dólares. Projetar novas também pode levar tempo, porque a maioria é personalizada para tarefas de processamento específicas. Uma instalação local para uma fábrica de sorvete, por exemplo, pode diferir de uma que aceite de tudo, desde resíduos de mercearia, como pizzas congeladas vencidas e maçãs velhas, até óleos de cozinha usados de restaurantes, diz McKiernan. 

De acordo com um relatório de 2014 das agências federais dos EUA, mais de 11.000 locais adicionais no país estão prontos para a implementação de digestores anaeróbicos, desde instalações de tratamento de águas residuais até locais de desperdício de alimentos. Se todas essas instalações fossem construídas, poderiam gerar energia suficiente para abastecer 3 milhões de residências. O American Biogas Council, um grupo comercial do setor, estima o número de 15.000 locais aptos para a implementação desses digestores. Para construir todos esses locais, seria necessário um investimento total de cerca de US$ 45 bilhões. 

Não será barato e não será rápido, mas os digestores anaeróbicos podem ser uma solução viável para o desperdício de alimentos no futuro, ajudando a transformar os restos de comida de uma pessoa em energia para outra. 

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