Das pequenas amostras populacionais ao Open Health
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Das pequenas amostras populacionais ao Open Health

A escalabilidade e a interoperabilidade de dados podem trazer retratos e predições como nunca se viu antes. Diante do atual cenário, o questionamento necessário é: o que se ganha e o que se perde com o compartilhamento de informações de saúde?

Em janeiro de 2022, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mencionou a intenção de criar o “Open Health” por meio de uma medida provisória. O compartilhamento de dados de beneficiários com as operadoras de planos de saúde teria o potencial de ampliar a concorrência no sistema de saúde suplementar, oferecendo serviços de acordo com a necessidade de cada paciente.  

Diversos setores da sociedade manifestaram preocupação em relação a essa medida e trouxeram à tona um questionamento que não é inédito, mas que se torna cada vez mais frequente: qual é o balanço dos riscos e benefícios do compartilhamento de dados de saúde? 

 

Escalabilidade dos dados 

Quem vivencia o dia a dia da saúde já tem o pensamento programado para avaliar riscos e benefícios, pois precisa entender qual é o perfil de segurança de uma determinada tecnologia frente aos dados de eficácia apresentados. 

Tal condicionamento foi focado por muito tempo em tratamentos e métodos diagnósticos. Dos mais iniciais relatos de caso, em que se descreve uma apresentação atípica de uma patologia ou uma nova técnica de intervenção, aos ensaios clínicos com grandes amostras populacionais, a evolução da pesquisa clínica, da epidemiologia e da bioestatística permitiu grandes avanços na saúde para a população.  

Mais recentemente, as evidências de mundo real também ganharam força e têm sido cada vez mais frequentes na literatura médica. Elas se referem a desfechos coletados fora do ambiente controlado dos ensaios clínicos experimentais, tendo como fontes registros eletrônicos de pacientes, bases de dados e estudos de coorte, entre outros. As informações de mundo real permitem uma melhor avaliação de como as tecnologias se comportam em populações mais amplas e heterogêneas, gerando dados de efetividade, de monitoramento pós-comercialização e de observações de longo prazo quanto à sua segurança. 

Historicamente, as inovações no campo da saúde mostraram uma relação muito estreita com dados e, mais recentemente, com processos de digitalização. Terapia celular, genômica, saúde digital e saúde populacional são áreas que demandam grandes volumes de dados, incluindo coleta, análise e realização de predições.  

Nos estudos clínicos, os experimentos ou observações são realizados em amostras populacionais representativas da condição de interesse e, posteriormente, seus resultados são extrapolados para a população total. Hoje, a evolução digital pode levar a saúde a um novo patamar: o acesso aos dados de todos os indivíduos de um sistema de saúde. A escalabilidade atingida associada à interoperabilidade entre os diferentes sistemas de informações pode trazer grandes retratos e predições como nunca se viu antes. 

 

Os movimentos ‘Open’ 

O Open Health é um sistema de compartilhamento de dados e registros eletrônicos coletados em diferentes prestadores de serviço, com a integração de todos os sistemas de saúde de interesse, considerando que o indivíduo é o proprietário da informação. O compartilhamento permite maior agilidade dos atendimentos, com o acesso imediato ao histórico do paciente, seus exames prévios e precauções relacionadas à segurança, possibilitando uma tomada de decisão mais ágil por parte das equipes de atendimento. Ao disponibilizar todas essas informações, o Open Health também leva a uma redução do desperdício por evitar que sejam repetidos, por exemplo, exames sem necessidade. 

Para que o Open Health seja implementado, a primeira etapa é a instituição de uma política pública de saúde que seja mandatória e obrigue os atores a utilizarem os registros eletrônicos. Mesmo que alguns locais já realizem essa coleta, a falta de compartilhamento faz com que os dados fiquem isolados dentro da organização. Para contornar essa questão, entra a obrigatoriedade do compartilhamento por toda a cadeia de saúde, levando à interoperabilidade das redes envolvidas.  

Outra etapa fundamental é a necessidade da padronização dos dados para permitir análises integradas avançadas, como o uso de inteligência artificial. 

O movimento teve origem nas instituições financeiras, sendo inspirado na plataforma Open Banking. “O primeiro passo em relação ao Open Banking e ao Open Finance veio do conceito de que os dados não são das instituições financeiras, mas sim da pessoa. Você tem a possibilidade de realmente tomar conta da sua informação e não ser mais dependente unicamente da instituição”, explicou o sócio e head de transformação digital da XP, Igor Freitas, durante o evento Einstein’s Breakthrough 2022 realizado em parceria com a MIT Technology Review Brasil no primeiro semestre deste ano. 

O Brasil possui um processo sistemático de coleta de dados na área de saúde pública, mas, na área privada, esses processos são menos estruturados e mais fragmentados, o que prejudica o compartilhamento unificado.  

O diretor-geral da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Henrique Neves, explicou durante o evento que algumas organizações focam apenas os dados financeiros ou, quando muito, dados operacionais que permitem entender as informações financeiras, sem relação com questões clínicas. Mas as instituições de saúde também têm o potencial de acumular grandes volumes de dados relevantes sob o ponto de vista clínico, que permitam a realização de predições e que tornem todo o sistema mais eficiente, mais produtivo e com melhor qualidade dos cuidados.  

 

Nuvem como viabilizador   

Apenas grandes empresas, bancos e governos tinham a oportunidade de fazer grandes projetos e grandes inovações dez ou 15 anos atrás, trabalhando com o volume de dados utilizados hoje. 

A nuvem permitiu um processo de democratização do acesso ao poder computacional, através de flexibilidade, inovação, agilidade e redução de custo, abrindo caminho para que startups e pequenos empreendedores inovadores consigam montar um projeto, provar sua tese e ganhar escala. 

Marcelo Braga, presidente da IBM Brasil, abordou o tema durante o evento. “A nuvem não é um destino, e sim um meio, um viabilizador para se atingir os objetivos das empresas. Ela tem esse protagonismo e agora a flexibilidade de diversas arquiteturas que vão trazer mais possibilidades aos clientes de montarem o que precisam com o suporte adequado para que estejam seguros e com custo adequado, mas acelerando as oportunidades de inovação”, pontuou. 

 

Riscos  

Retornando ao contexto dos estudos clínicos, dados ou pesquisas envolvendo seres humanos envolvem riscos, que podem ser imediatos ou tardios.  

Em 1964, a Declaração de Helsinque surgiu como um primeiro balizador para reger as pesquisas, tornando-se, após algumas atualizações, o padrão internacional da bioética. Pesquisas que envolvem seres humanos são admissíveis somente quando o risco se justifica pela importância do benefício esperado, quando oferecem possibilidade elevada de gerar conhecimento sobre um problema que afete o bem-estar e quando o benefício esperado for maior ou igual a alternativas já estabelecidas.  

Nos moldes citados pelo ministro da Saúde, o Open Health gerou diversos questionamentos, principalmente relacionados à segurança e à finalidade do compartilhamento dos dados. Um dos grandes receios seria a seleção de risco pelas operadoras que, tendo acesso a informações sobre as condições de saúde de um indivíduo, poderiam aceitá-lo ou não em sua carteira. Essa distinção fere a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que considera como dados sensíveis as informações pessoais de saúde e veda seu uso para fins de obtenção de vantagens econômicas.    

Para o diretor-geral do Einstein, a segurança e a privacidade dos dados são uma premissa dentro da instituição. Ele explicou que a segurança permeia toda a infraestrutura física, aplicações, rede, dados e monitoramento. A conscientização dos profissionais sobre a segurança e proteção de dados é fundamental para prover um ambiente seguro. E a segurança não envolve apenas a quantidade de investimento, mas como fazer os investimentos corretos, em etapas sequenciais e constantes para mitigar e eliminar os riscos à privacidade e à segurança dos dados. 

O presidente da IBM Brasil explicou que os movimentos Open trouxeram a interconectividade. Com o intenso fluxo de informações, novos canais são abertos e é preciso haver a educação contínua. Um bom framework de segurança da informação passa inicialmente por pessoas, e esse talvez seja o principal ponto de falha hoje. A cultura da conveniência dos “dois cliques” está mais presente do que a cultura de se utilizar métodos mais seguros.  

É preciso saber o que está sendo feito sob a ótica das pessoas, não só com a adesão a protocolos de segurança, mas também sob a perspectiva de tecnologias, com o uso de inteligência artificial para gerenciar grandes volumes de ataques. Segurança também envolve confiança nos parceiros de negócio. “Essa visão mais aberta e muito centrada, não mais em tecnologia, não mais em departamentos de TI, mas em uma estrutura de resiliência de negócios é onde a IBM está trabalhando. A segurança cibernética deixou de ser um tema apenas dos profissionais de tecnologia e virou um tema no board das empresas”, explica Marcelo. 

 

Geração de valor 

Retornando ao Open Banking, Igor Freitas acredita que, após uma primeira etapa de conformidade com medidas regulatórias e mandatórias, o segundo momento é de se pensar em como gerar valor a partir do movimento de uma maneira consistente.  

“A grande estratégia de negócio está em saber como aproveitar esse momento para não se tornar uma empresa que vai apenas operar o Open Banking, e sim que vai gerar valor através dele e se tornar ainda mais relevante no contexto do cliente. O paralelo com a saúde é: como eu gero valor a partir disso? O Open traz liberdade para o indivíduo somada ao potencial de geração de valor para o negócio”, complementa o executivo. 

Henrique Neves, do Einstein, demonstra preocupação quando se fala em informações de saúde “para transformar o negócio” ou para “monetizar o valor dos dados”. Para ele, o importante é que esses dados coletados sejam necessários e justificáveis, e que haja uma utilização relevante do ponto de vista dos pacientes.  

“O benefício de coletar, organizar e analisar os dados tem que estar ligado diretamente ao interesse do paciente, seja do ponto de vista de seu cuidado clínico ou do seu atendimento. E isso é o que justifica efetivamente hoje acesso a esses dados e que se possam utilizá-los de uma forma eticamente correta”, conclui Neves. 

O futuro da saúde está na sua personalização guiada por dados e na interoperabilidade das informações. Para isso, o objetivo final de geração de valor real para o paciente tem que estar no centro. 


Este artigo foi produzido por Roberta Arinelli, Medical Director na ORIGIN Health Co. e Editora-executiva da MIT Technology Review Brasil.

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