A trilha do BNDES pela economia da floresta em pé
Natureza e espaço

A trilha do BNDES pela economia da floresta em pé

Há 30 anos, o BNDES dava seus primeiros passos na trilha entre o mundo verde e o mundo financeiro. A Rio92 teve como um de seus descendentes a criação de uma unidade de negócios do meio ambiente dentro do Banco, iniciativa vanguardista que, por muito tempo, permaneceu admirada por alguns e incompreendida por outros. Mas após três décadas de nutrientes, sol e chuvas, essa fronteira do conhecimento construiu raízes profundas na instituição. Plantamos as bases de uma árvore que seguirá dando muitos frutos na nova economia da sustentabilidade.

Concessões do “1º andar da floresta”

Hoje um dos galhos mais frondosos está em nossa Fábrica de Projetos. Chegamos em 2022 como gestores da maior carteira de concessões ambientais do planeta. São 46 parques e 32 florestas espalhados por 15 estados, representando todos os biomas do país em uma área de 17,8 milhões de hectares (quase duas vezes o tamanho de Portugal).

São parques federais, estaduais e municipais com perfis distintos: urbanos, rurais, habitados, inexplorados, grandes ou pequenos. Aproveitar o potencial que existe em ecoturismo, manejo sustentável e, futuramente, pagamento por serviços ambientais está no foco do Programa de Concessão de Unidades de Conservação que desenvolvemos junto ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB), ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e ao Instituto Semeia, em mais um exemplo de inovação aberta focada no impacto.

Abrimos esse mercado realizando a maior concessão de um ativo ambiental da nossa história. O leilão do Parque Nacional do Iguaçu, em março de 2022, deve gerar R$ 4 bilhões em investimentos ao longo dos próximos 30 anos entre infraestrutura de acesso, governança, preservação, reflorestamento e desenvolvimento das comunidades locais. É a floresta em pé gerando um comprometimento de obras, desenvolvimento regional e empregos.

Estimativa feita pelo Boston Consulting Group indica a possibilidade de multiplicar em quatro vezes o tamanho do mercado de parques no Brasil e gerar cerca de um milhão de empregos diretos e indiretos. São oportunidades de criação de novos mercados a partir de operadores de entretenimento, ambientais e filantrópicos, aliando as iniciativas pública e privada.

Além dos claros benefícios econômicos, essa agenda traz um efeito indireto que precisa ser destacado: a conscientização e valorização do nosso inigualável patrimônio natural. O brasileiro urbano, de forma geral, frequenta pouco ambientes naturais por falta de oportunidade e estrutura adequada. Essa verdadeira sala de aula a céu aberto precisa ser visitada por brasileiros e estrangeiros como forma de conhecer a floresta e reconhecer o valor cultural, histórico e econômico desse ativo para o Brasil. Afinal, somos um dos países que melhor preservou suas florestas. As histórias por trás delas geram um senso de identidade e pertencimento, fundamentais para o fortalecimento do sentimento de responsabilidade coletiva.

Com relação às concessões florestais, o Brasil tem o potencial de aumentar em 20 vezes o número de hectares concedidos para manejo florestal sustentável. Estamos falando de aproximadamente 20 milhões de hectares de florestas a serem estruturados e colocados a mercado. Área maior que Uruguai e Bangladesh, seria o 85º maior país por extensão no mundo. O BNDES já hoje em sua carteira possui 12,4 milhões de hectares, o que equivale a um montante de investimentos em torno de R$ 1,4 bilhão. Desenvolvimento local com geração de emprego e renda aliado à conservação do meio ambiente e à manutenção da biodiversidade. A trilha do BNDES pela economia da floresta em pé por Gustavo Montezano | Presidente do BNDES

Crédito para floresta

Um enorme benefício em percorrer trilhas não exploradas é a certeza de que algo novo surgirá no caminho. Algumas serão novidades óbvias. Ao construir a maior carteira de concessões ambientais do planeta, nos deparamos com a inusitada constatação de que fazemos crédito para concessão de rodovias, portos, energia, mas não tínhamos sequer um só financiamento para concessão de floresta.

A partir dessa realidade dura para a qual os investidores e operadores nos abriram os olhos, colocamos de pé algo inovador. No início de 2022, anunciamos o lançamento da nossa primeira linha de financiamento para concessões ambientais, com orçamento de R$ 500 milhões. O programa prevê um conjunto de garantias e condições financeiras mais flexíveis, contribuindo para o desenvolvimento do mercado de concessões de parques e florestas, para a preservação ambiental e para o desenvolvimento econômico e turístico dessas regiões. E vamos aprimorá-lo com o tempo.

Floresta viva: doação que gera lucro

Caminhar por uma trilha ainda desconhecida também pode nos mostrar “espécies não catalogadas”.

É o contexto do Floresta Viva: uma iniciativa de filantropia que vai gerar lucro ambiental, climático e econômico para seus doadores. Parece estranho, mas essa é uma reação normal de quando vemos uma “espécie nova”. A novidade se dá por dois aspectos: demanda das empresas de entender mais e estar mais próximas do setor de reflorestamento; e amadurecimento do mercado voluntário de crédito de carbono.

Para atender a demanda de nossos clientes corporativos e apoiar a política pública do Ministério do Meio Ambiente, o BNDES lançou em novembro de 2021, durante a COP-26, na Escócia, o Floresta Viva, um programa em que para cada real doado pelas empresas, o BNDES dobra o valor. Estimado inicialmente em R$ 500 milhões, deverá atingir a marca de R$ 1 bilhão, tornando-se o maior matchfunding de reflorestamento de florestas nativas e recuperação de bacias hidrográficas do país. Em contrapartida, eventuais créditos de carbono oriundos do reflorestamento serão revertidos aos apoiadores do programa.

Além de unir recursos financeiros de diferentes parceiros trazendo o benefício da escala, o Floresta Viva visa a constituição de um clube de desenvolvimento de ideias, princípios, taxonomias e regras de funcionamento em um mercado de carbono voluntário de soluções baseadas na natureza. Reunimos o bolso, a mente e o coração desses executivos em busca de inovações e criação de novos mercados.

Como o instrumento ainda é muito novo, apesar de “lucrativo”, e não há consenso sobre a forma de se contabilizar, tributar ou negociar esses ativos de serviços ecossistêmicos, optamos por utilizar o formato de doação para comunicar a oportunidade a investidores. Dessa forma, conseguimos navegar de modo mais simples e célere nas aprovações dos parceiros em comitês executivos e conselhos de administração. Nesse caso, os créditos de carbono oriundos das áreas reflorestadas serão revertidos para os doadores do programa. Essa será, portanto, uma doação que trará retorno financeiro aos investidores. Esperamos, em breve, migrar essa classe de ativos da linha de doação para a linha de investimento ambiental-climático.

A bolsa de valores da floresta

Desenvolver novos instrumentos financeiros para a economia da floresta passa por concessões, crédito, doações e também pela “bolsa de valores da floresta”. O Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) se tornou um conceito em que uma nova classe de ativos pode ser securitizada como se fossem ações, debêntures, criptoativos, soja ou petróleo. E para desenvolver essa nova categoria adotamos o princípio de aprender fazendo.

O pontapé inicial foi a abertura de uma nova linha de negócios, alocando parte dos riscos que até pouco tempo estava na carteira de ações maduras do BNDES. Estamos desinvestindo da bolsa de valores de São Paulo para investir na bolsa de valores da floresta. Assim como o BNDES foi um dos indutores do mercado de capitais brasileiro no fim do século passado, o Banco será agora um motor de propulsão dessa nova classe de ativos, alocando seu capital em uma atividade que tem, sim, um risco especulativo, mas que gera imensurável impacto no desenvolvimento social, ambiental e climático do país.

Com uma chamada pública realizada em março de 2022, o Banco fez sua primeira aquisição de créditos de carbono. Uma pequena operação piloto de apenas R$ 10 milhões, mas que serviu de fio indutor para um mercado enorme. O segundo passo ocorreu em setembro de 2022, quando, após erros, acertos e aprendizados no primeiro, lançamos a nova chamada para a compra de R$ 100 milhões do ativo.

A expectativa é promover sucessivas compras futuras de forma recorrente e regular, sinalizando garantias aos desenvolvedores e vendedores e gerando demandas para o investimento nos créditos de carbono.

Nos consolidamos como um dos pioneiros no mercado voluntário nacional e um dos principais impulsionadores da comercialização do ativo por aqui, com a regularização de precificação, tributação, alocação de capital e negociações.

A NOVA BOLSA DE VALORES NO “2º ANDAR DA FLORESTA”

Em abril de 2022, o BNDES, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, anunciou um estudo de modelo inovador para concessão de unidades de conservação. A pasta passou a atuar, por meio do ICMBio, em um acordo de cooperação técnica para a viabilização de concessões de ativos florestais por meio de pagamentos por serviços ambientais – algo inédito no Brasil e que promete catalisar iniciativas de preservação de nosso patrimônio natural, além de fazer a roda dos créditos de carbono girar mais rápido.

Em 2023 e 2024, pretendemos ofertar ao mercado a primeira concessão brasileira em que os serviços ambientais são parte integrante do ativo concessionado. Se a atividade turística e a madeira sustentável são o primeiro andar da floresta concedida, os serviços ambientais do carbono serão o segundo.

A peculiaridade desse empreendimento, entretanto, é que o segundo andar tem um potencial de ser inúmeras vezes maior que o primeiro.

Um pilar fundamental de sustentação desse segundo andar é o alinhamento entre a preservação do meio ambiente com a sustentabilidade econômica das comunidades que vivem nas regiões ofertantes dos serviços ambientais. Afinal, são essas comunidades que fazem a manutenção, proteção e preservação dessas áreas.

Esse é um caminho em que os olhos e as ações de proteção da natureza se descentralizam, deixam de ser uma obrigação somente de governos e passam a ser um hábito e uma fonte de renda das populações: uma grande mudança cultural. Resposta importante dada nossa realidade continental: descentralização baseada em tecnologia e inovação.

O Estado brasileiro é, possivelmente, o maior detentor de florestas do planeta. Agora o BNDES está modelando um novo arcabouço regulatório e econômico que dará luz à primeira concessão de unidades de conservação via PSA, principalmente no que se refere ao crédito de carbono florestal. O que estamos criando, provavelmente, aqui no Brasil, será a principal bolsa de valores de florestas do planeta: um mercado descentralizado de serviços ecossistêmicos.

É impossível descrever 30 anos de história em algumas linhas, mas os produtos, serviços e financiamentos do BNDES estão aqui para funcionar como soluções de inovação aberta e criação de oportunidades que darão vantagem competitiva ao Brasil na árvore da sustentabilidade. E por meio de parcerias públicas e privadas, o Banco pode deixar um legado que ainda é difícil mensurar, pois muitas novidades estão por vir.

Entendemos que ações sustentáveis fazem parte de um senso de urgência e unimos tais necessidades a portas que se abrem para a geração de novos negócios. Construir oportunidades de valorização da biodiversidade brasileira é também fomentar a preservação e a restauração do nosso patrimônio natural. Gostaríamos de ver cada vez mais agentes e mais diversidade nessa trilha pela economia da floresta em pé. Instituições financeiras de qualquer natureza são bem-vindas: públicas, privadas, nacionais ou internacionais terão muito a acrescentar e colaborar. Assim como a ocupação ordenada é a melhor forma de preservar a floresta, trazer mais andarilhos para essa trilha de conhecimento fará nossa jornada pela economia da floresta em pé mais célere, mais segura e mais impactante por um Brasil mais verde.

A floresta em pé vale muito.


Este artigo foi produzido por Gustavo Montezano, Presidente do BNDES e colunista da MIT Technology Review Brasil.

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