Por que a primeira multa por lixo espacial é tão importante
Natureza e espaço

Por que a primeira multa por lixo espacial é tão importante

A multa aplicada pela FCC à empresa de TV norte-americana Dish pode ajudar a dar o pontapé inicial no mercado de soluções para o lixo espacial.

Acabamos de dar um passo importante para a limpeza do lixo espacial. No dia 2 de outubro, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos EUA emitiu sua primeira multa por detritos espaciais, ordenando que o provedor de TV americano Dish pagasse US$ 150 mil por não ter colocado um de seus satélites em uma órbita segura. 

“Sem dúvida, é um momento simbólico muito importante para a mitigação de detritos”, diz Michelle Hanlon, advogada espacial da Universidade do Mississippi. “É um grande passo na direção certa”. 

Mas isso pode ser mais do que apenas um gesto simbólico da FCC. Além de abrir um precedente para combater os malfeitores que deixam lixo perigoso em órbita da Terra, a multa pode provocar ondas de choque em todo o setor, à medida que outras operadoras de satélites ficarem receosas de ter sua reputação manchada. Embora a multa de US$ 150 mil da FCC tenha sido modesta, o preço das ações da Dish caiu quase 4% imediatamente após o anúncio, fazendo com que a avaliação de US$ 3 bilhões da empresa caísse cerca de US$ 100 milhões. 

A ação da FCC também pode ajudar a dar novo fôlego ao ainda pequeno mercado de remoção comercial de detritos espaciais, basicamente estabelecendo um preço — US$ 150 mil — para que empresas como a Astroscale, do Japão, e a ClearSpace, da Suíça, tenham como meta o fornecimento de serviços que usam naves espaciais menores para se aproximar de satélites ou foguetes mortos e puxá-los de volta para a atmosfera. 

“É uma pergunta realmente interessante sobre o efeito que uma multa dessa magnitude tem em um mercado potencial para serviços de remoção de detritos ativos”, diz Christopher Newman, advogado espacial da Universidade Northumbria, no Reino Unido. O reabastecimento de satélites também é uma opção; em 2021, a empresa aeroespacial norte-americana Northrop Grumman reabasteceu um satélite em órbita geoestacionária para estender sua vida útil pela primeira vez. 

No início desse mês, a Astroscale foi contratada pelo governo japonês para remover um satélite morto da órbita. Newman diz que essas empresas de remoção de detritos têm tido dificuldades para encontrar clientes pagantes, mas a ação da FCC contra a Dish pode mudar isso. “As empresas agora foram avisadas de que serão responsabilizadas pelo não cumprimento das licenças”, diz ele. “Portanto, isso deve estimular uma discussão entre esses dois setores.” 

Outra esperança é que a multa da FCC incentive outros países a seguirem o exemplo com suas próprias ações de fiscalização do lixo espacial. “Isso envia uma mensagem de que os Estados Unidos estão assumindo a liderança nessa área”, diz Newman. “Isso está fazendo a bola começar a rolar”. 

Atualmente, há mais de 8 mil satélites ativos, quase 2 mil satélites mortos e centenas de foguetes vazios em órbita da Terra. Gerenciar esses objetos e evitar colisões é uma tarefa enorme que está se tornando cada vez mais difícil à medida que o número de satélites cresce rapidamente. O agravamento da situação se deve, em grande parte, às megaconstelações de centenas ou milhares de satélites de empresas como a SpaceX e a Amazon, projetadas para levar a Internet a qualquer canto do mundo. 

“A densidade de satélites que estão viajando a vários quilômetros por segundo é muito alta”, diz Samantha Lawler, astrônoma da Universidade de Regina, no Canadá. “Se houver uma colisão em órbita, poderemos perder a capacidade de usar a órbita baixa da Terra.” 

Embora não existam leis formais para a remoção de lixo espacial nos EUA ou em qualquer outro lugar, a FCC e outros órgãos reguladores nacionais que aprovam satélites para lançamento estão começando a adotar diretrizes para evitar que as organizações desorganizem o espaço. A FCC agora tem uma regra de cinco anos para remover satélites em órbita baixa da Terra — menos de 2 mil quilômetros acima da superfície do planeta — após o término de sua missão. 

Para satélites em órbitas mais altas, essa remoção nem sempre é possível. O satélite da Dish, chamado EchoStar-7 e lançado em 2002, estava em órbita geoestacionária, cerca de 35.000 quilômetros acima da superfície da Terra. Em 2012, a Dish concordou com um plano com a FCC para mover seu satélite 300 quilômetros mais alto para a chamada “órbita de cemitério”, onde satélites extintos são deixados em órbita da Terra, longe de outros satélites. No entanto, em 2022, a Dish revelou que o satélite só tinha combustível suficiente para atingir uma órbita de cerca de 122 quilômetros, o que resultou no acordo negociado com a FCC. 

“O acordo inclui uma admissão de responsabilidade por parte da empresa e um acordo para aderir a um plano de conformidade e pagar uma multa de US$ 150 mil”, disse a FCC em um comunicado. Um porta-voz da Dish disse à MIT Technology Review que a empresa “tem um longo histórico de segurança na operação de uma grande frota de satélites e leva a sério suas responsabilidades como licenciada da FCC”. Acrescentou que a FCC “não fez nenhuma constatação específica de que o EchoStar-7 apresenta qualquer preocupação com a segurança dos detritos orbitais”. 

Hanlon não acredita que a multa tenha sido suficiente. No entanto, ela diz que o mais importante é o fato de a Dish ter admitido a responsabilidade. Se o EchoStar-7 atingir outro satélite, a empresa poderá enfrentar outras ações legais. 

Além disso, um porta-voz da FCC disse à MIT Technology Review que a agência poderia multar os infratores das regras de detritos espaciais em mais de US$ 150 mil no futuro. “Essa é uma penalidade definida como parte de um acordo negociado”, disse o porta-voz. “Não é necessariamente indicativo de um valor de confisco”. 

Já foram tomadas medidas legais no espaço anteriormente. Em 1978, o Canadá processou a Rússia por causa de detritos que caíram em seu território de um satélite movido a energia nuclear, chegando a um acordo de mais de US$ 2 milhões. Em 1979, a cidade australiana de Esperance multou a NASA em US$ 400, de brincadeira, depois que pedaços da estação espacial Skylab caíram na região; uma estação de rádio dos EUA finalmente pagou em 2009. Em 2018, a startup americana Swarm Technologies foi multada em US$ 900 mil pela FCC por lançar satélites sem permissão. 

Mas muitos incidentes continuam sem solução. Em 2009, um satélite americano ativo da empresa de tecnologia Iridium colidiu com um satélite russo morto, explodindo em milhares de fragmentos de metal. Nunca se chegou a um acordo. E o grande número de satélites inativos e foguetes vazios em órbita atualmente significa que o risco de novas colisões continua alto. “Isso é um problema”, diz Hugh Lewis, especialista em detritos espaciais da Universidade de Southampton. A nova disposição da FCC em tomar medidas pode significar que as operadoras de satélites “precisam implementar planos para garantir que as naves espaciais saiam de órbita com sucesso”, diz ele. 

Hanlon diz que há outras medidas que poderiam ser tomadas para desencorajar as empresas a não descartarem os satélites adequadamente. “Sinceramente, eu adoraria que, se você não cumprir os requisitos da licença, seja proibido de lançar satélites por vários anos”, diz ela. “Se estiver dirigindo sob influência, sua licença pode ser revogada. Esses são os tipos de medidas que precisamos ver.” 

Chris Johnson, consultor de leis espaciais da Secure World Foundation, nos EUA, diz que a perda de reputação da Dish em relação à situação do satélite pode ser pior do que qualquer multa que ela possa ter recebido. “Eles prometeram remover o satélite e não o fizeram”, diz ele. “É como o primeiro operador de um carro que recebe uma multa por excesso de velocidade.” 

A queda no preço das ações da empresa parece ser um indicativo desse dano à reputação. A multa pode não ter sido tão severa quanto poderia ter sido, mas as ações da FCC podem ser vistas como um aviso para que outras empresas enfrentem o lixo espacial. “Isso ficará registrado em seus registros e em sua reputação”, diz Johnson. “Não é algo trivial.” 

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