Brasil engatinha para investir em biotechs, mas tem caminho promissor
HealthHealth Innovation por Einstein

Brasil engatinha para investir em biotechs, mas tem caminho promissor

Experiência dos EUA mostra que desenvolver um ecossistema para fomentar projetos na área reduz custos e atrai investidores. Se antes executar uma ideia custava US$ 10 milhões, hoje é possível alavancar soluções com US$ 100 mil.

Há três décadas, pesquisadores estudam soluções mais simples para ativar as defesas imunológicas do corpo humano. Nessa busca, uma das hipóteses testadas em laboratório foi a de orientar a própria célula a produzir anticorpos sem que fosse preciso receber um pedaço do organismo ou vírus vivo, como funcionava o mecanismo usado tradicionalmente nas vacinas até então. Em vez disso, o RNA mensageiro (mRNA) serviu para levar uma parte do código genético do vírus, dando “instruções” para combatê-lo em caso de infecção. Deu certo. 

Embora a fase de desenvolvimento dessa tecnologia tenha representado um momento desafiador para a ciência, com necessidade de um investimento financeiro alto, os resultados gerados foram satisfatórios e amplamente conhecidos pela população mundial. A farmacêutica norte-americana Moderna, por exemplo, recebeu US$ 2,5 bilhões aportados por diferentes agências dos Estados Unidos para executar a ideia. Quando ela saiu da bancada, chegou à população em um momento crucial: a pandemia da Covid-19.  

O processo da criação das vacinas de mRNA ilustra a magnitude e o impacto do investimento em inovação na saúde. Em 2020, na fase mais crítica da crise sanitária mundial, empresas que atuam na área de biotecnologia dispararam nas bolsas de valores, e as que estavam à frente da produção de vacinas para o coronavírus acumulavam, juntas, um valor de mercado de mais de US$ 800 bilhões.  

Atração de investimentos   

Um cenário como esse atraiu olhares de investidores mundo afora para as biotechs ou deep techs early stages, empresas que apostam em pesquisa aliada à tecnologia para ofertar soluções que atendam a demandas globais de saúde, as quais podem ser concretizadas por meio de joint ventures e financiamentos.  

As próprias vacinas de mRNA para Covid-19 recebem investimentos para estudos com o intuito de serem usadas contra outros agentes infecciosos, como ebola, Zika, influenza e HIV. Países, empresas de diferentes segmentos e fundos de investimentos não especializados se movimentam para entrar no setor na expectativa de trazer novas respostas para questões de saúde. Mas há particularidades: trata-se de um aporte alto, de risco, com retorno a longo prazo.  

No Brasil, segundo o diretor de Inovação do Hospital Israelita Albert Einstein, Rodrigo Demarch, esse tipo de investimento ainda é incipiente se comparado ao mercado global, mas tem potencial de crescimento.  

“Ainda não há consolidado, no país, um mercado de capital de risco reconhecido por investir em biotecnologia, mas no futuro pode ser diferente, como foi com a saúde digital, que em cinco anos mudou muito e hoje já tem fundos próprios, trazendo um maior entendimento de saúde para o mercado de investimentos como um todo”, afirma. 

Apostando nisso, o Einstein lançou, em julho de 2022, o Programa de Inovação em Biotecnologia para apoiar startups. Nesse movimento, houve a criação de uma nova vertical institucional, a Eretz.bio Biotech, focada em pesquisa translacional, empreendedorismo, incubação e aceleração. A iniciativa conta com uma rede de parcerias internacionais para intercâmbio tecnológico formada por instituições públicas e privadas de mais de 15 países.  

Particularidades do investimento em biotecnologia  

Amadurecimento, maturação, validação e retorno são palavras recorrentes nas conversas entre pesquisadores e investidores que lidam com as ciências da vida. Hoje, sabe-se que os riscos científicos iniciais podem ser mitigados.   

Com base em uma experiência de mais de seis anos na área de deep techs, o fundador e CEO da GRIDS Capital, Guy Perelmuter, explica que o investimento em biotecnologia requer um olhar técnico-científico para a validação de ideias antes da fase de financiamento. Além disso, também é necessário que haja um ecossistema preparado para que os investidores consigam visualizar retorno no longo prazo.   

“O investimento em biotecnologia é orientado para olhar para fora, logo, é possível você estar no Brasil e investir em uma pesquisa nos Estados Unidos ou em outros países. Contudo, é um financiamento ainda restrito a pessoas da área, com alto nível de conhecimento de ciências biológicas e correlatas, que têm uma proximidade com a comunidade científica para respaldar e validar as teses que estão sendo apresentadas pelas estatísticas”.  

Perelmuter afirma que o interesse de investidores e de fundos de investimento brasileiros em biotecnologia ainda é tímido. O que mudaria esse cenário, na visão do especialista, seria a construção de um relacionamento mais estreito entre todos os agentes que buscam alavancar a ciência e a tecnologia no país, a começar pelas universidades e pelos investidores.   

“Nós temos universidades, centros de referências reconhecidos e um espaço na publicação científica mundial, mas ainda não há uma estrutura de políticas de Estado que apoiem a ciência e a tecnologia no Brasil para que essas ideias se tornem produtos com retorno à sociedade. Como a maturação de biotecnologia é lenta, precisamos construir uma legislação forte e menos burocrática, que dê apoio aos pesquisadores a longo prazo para que eles possam, de fato, trazer soluções”, avalia.  

Perelmuter reforça que a pesquisa direcionada a questões atuais, especialmente àquelas ligadas ao envelhecimento da população, como problemas cardíacos, metabólicos e até mesmo o câncer, constrói um ambiente em que a deep tech e biotecnologia serão protagonistas de soluções capazes de mudar a evolução da humanidade.   

“Nós estamos vendo o início dos testes experimentais da vacina anticâncer. Imagina poder imunizar a população contra uma neoplasia de forma preventiva? É claro que isso traz um entusiasmo de todos os lados, inclusive de investidores, mas é necessário um equilíbrio. A gente superestima o que vai acontecer nos próximos seis meses e subestima o que vai acontecer nos próximos 10 anos”, finaliza o investidor.   

Infraestrutura e redução de custos  

Os Estados Unidos já são reconhecidos por terem um ecossistema sólido para fomentar a inovação e continuam avançando no investimento em ciências da vida. Investidores norte-americanos com uma longa experiência de capital de risco em tecnologia migraram, na última década, para a área de biotecnologia. A construção de um setor sustentável se apoia em uma aliança com universidades, fazendo investimentos antecipados em ideias inovadoras e assumindo participação acionária controladora.   

Desde 2005, a aceleradora norte-americana Y Combinator (YC) investiu em mais de 3.500 startups para auxiliá-las a entrar no mercado do país. Ela aposta em biotechs, concedendo infraestrutura apropriada para que pesquisadores testem suas ideias em laboratórios de ponta. Nesse ambiente, é possível validar uma ideia em um curto espaço de tempo para eliminar os obstáculos científicos e entender se a proposta faz sentido para o mercado. Uma empresa terapêutica pode fazer testes em animais, por exemplo, enquanto uma empresa de diagnóstico demonstra sua tese a partir de amostras humanas. Também é oferecido suporte administrativo para a abertura dos negócios.  

A dinâmica aplicada nos EUA mostra que será possível deixar no passado a visão de que criar uma solução biotecnológica sempre custará caro. Segundo a YC, sem o auxílio da infraestrutura desenvolvida, os projetos eram iniciados pelo menos US$ 10 milhões. Atualmente, de acordo com a empresa, os fundadores podem fazer um progresso real provando um conceito por US$ 100 mil, o que diminui o risco para investidores e abre um leque de oportunidades na área.  

Um exemplo de produto que recebeu o suporte da aceleradora é o dispositivo que faz exames de sangue domiciliares em pacientes oncológicos baseados em visão computacional, um recurso da Inteligência Artificial (IA) desenvolvido a partir de deep learning que permite às máquinas tomarem decisões de acordo com imagens. Os fundadores da tecnologia utilizaram um investimento de US$ 40 mil para aplicar o protótipo em 350 pacientes. Atualmente, a Astellas é detentora da tecnologia, que foi aprovada pela reguladora norte-americana, a Food and Drug Administration (FDA), e tem potencial para atender a milhares de pacientes no mundo. 

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