Nos artigos anteriores, comentei sobre a relação entre descentralização da identidade, profissões, NFTs, Descentralização e DAOs na Web 3. Quem acompanhou as manchetes recentemente, com certeza se deparou com a notícia de que a subsidiária do cofundador do Twitter, Jack Dorsey, anunciou a plataforma “Web 5”.
Web 1, 2, 3 e agora Web 5? Mas cadê a Web 4? Os que não ligam para sequências numéricas, acabaram de baixar a Web 7…
Brincadeiras à parte, neste artigo vou comentar sobre a Web 5 e por que ela não é a recém-anunciada iniciativa de criar uma nova camada de descentralização no topo da Web.
Mas antes, para que ninguém fique para trás na compreensão deste artigo, vamos falar rapidamente sobre os estágios de evolução da Web. Se você já conhece o tema, pode pular para o tópico seguinte.
Da Web Estática à Web Colaborativa
No início, havia o que chamamos agora de Web 1.0, naquela época simplesmente conhecida como web. Neste estágio, foram desenvolvidos os primeiros websites, portais e serviços on-line e os usuários só podiam ler as informações, sem a chance de uma interação direta. Como não era possível nenhuma interação entre os usuários, que apenas consumiam o conteúdo disponibilizado numa teia de comunicação unidirecional, a Web 1 também era chamada de “Web Estática”.
Com a evolução das tecnologias de suporte da Web, paulatinamente chegou a Web 2.0, com o surgimento e proliferação das redes sociais e de todas as aplicações como blogs, fóruns e podcasts, que tornaram possíveis novas formas de comunicação participativa.
De fato, devido ao desenvolvimento destes novos instrumentos, os usuários começaram a se comunicar entre si e a compartilhar seus próprios conteúdos.
Nesse passo, o usuário que antes era apenas um ator passivo, tornou-se o titular da criação e gestão de conteúdos online, construindo novos processos e interações, razão pela qual a Web 2 foi apelidada de “Web Colaborativa”.
O que é Web 3?
A idéia de Web 3 surgiu em 2006, mas o termo só foi cunhado em 2014, por Gavin Woods. Supostamente, ela é para ser o próximo passo da Internet. E digo supostamente, porque ela ainda está em seu início e, portanto, ainda não existe uma certeza do que realmente será o próximo estágio da Web.
Note que não há um único criador da Web 3. Ela está sendo desenvolvida como uma colaboração de diferentes indivíduos e organizações construindo uns sobre os outros. Mas no geral, aqueles envolvidos em plataformas de smart contracts em blockchains, como Ethereum, EOS e TRON, são os que reconhecidamente estão liderando a construção da Web 3.
Importante destacar, aqui, que uma das bibliotecas de programação mais populares usadas para escrever o código Ethereum é chamada web3.js. E existe também uma fundação, a Web3 Foundation, que é dirigida pelos fundadores da rede Polkadot.
Mas antes de avançarmos neste assunto, é necessário compreender qual seu objetivo e principais focos de inovação da Web 3.
Em termos gerais, o principal objetivo da Web 3 é tenta resolver o maior problema da Web 2: a coleta de dados pessoais por redes privadas que possibilitam o capitalismo de vigilância, um verdadeiro marketplace de comportamentos futuros.
E para isto, a Web 3 tem como principal foco de inovação ser uma teia de redes descentralizadas, não controladas por nenhuma entidade, formada por plataformas que usam mecanismos de consenso, em que todos podem confiar. Nela, aplicações descentralizadas (dApps) seriam construídas no topo de redes abertas, e nenhuma entidade seria capaz de coletar dados sem o consentimento do usuário, nem limitar ou censurar o acesso de qualquer pessoa.
O segundo principal foco de inovação prometido pelos desenvolvedores da Web 3 é que estas redes descentralizadas possibilitariam que o valor ou o “dinheiro” da Internet fosse transferido diretamente entre as contas dos usuários, sem intermediários. E estas duas características — a descentralização e o dinheiro da Internet —, ainda em fase inicial, são as chaves para entender a Web 3.
No entanto, muitos críticos têm manifestado preocupações com a atual Web 3 como, por exemplo, o fato dela depender do financiamento de Venture Capital, o que comprometeria seu principal foco de inovação – fornecer ao usuário uma Web realmente descentralizada.
Pois bem, agora que todos estão na mesma página, vamos esclarecer o que certamente se tornou a interrogação de muitos depois que Jack Dorsey disse que a Web 3 é uma piada, e por isto a TDB está construindo a Web 5 em seu lugar.
Web 5? Como assim, a Web 3 já era?!!
A TBD, uma subsidiária dentro da Block (anteriormente conhecida como Square), foi fundada em julho de 2021 com o objetivo de criar “uma plataforma aberta para desenvolvedores” focada em finanças descentralizadas e Bitcoin. Agora a TBD tem sua primeira meta: construir a “Web 5: uma plataforma Web Extra Descentralizada”, onde os usuários terão o controle total de seus próprios dados.
“Esta será provavelmente nossa contribuição mais importante para a Internet. Orgulhoso da equipe. (“Descanse em Paz, Investidores da Web3)”, disse Dorsey num tweet na manhã do último 10 de junho.
Segundo a apresentação da TBD sobre a Web 5, o principal problema da Internet é a falta de uma camada de “identidade”.
“Na Web atual, a identidade e os dados pessoais são transformados em propriedade de terceiros” e, por isto, a Web 5 terá como foco a descentralização da identidade, do armazenamento de dados, bem como de suas aplicações, segundo a apresentação da TBD.
A TDB também afirma que criará uma plataforma Web extra descentralizada para resolver este problema.
E a Web 4, sumiu?!
Após a Web 3 (termo que engloba todas as tecnologias blockchain e descentralizadas que estão sendo construídas em todo o mundo), o próximo estágio da Web não é realmente uma nova versão, mas é uma versão alternativa do que já temos (Web 2) ou já está sendo construído (Web 3).
Web 4.0, também conhecida como “Mobile Web” (Web Móvel, em português), é aquela que possui a infraestrutura necessária para se adaptar ao ambiente móvel. Imagine uma Web que conecta todos os dispositivos móveis do mundo real e virtual em tempo real.
Pois bem, a Web 4 possibilita a mobilidade e interação de voz entre o usuário e os robôs. Se o foco nas Web anteriores o foco era a interação do usuário com a Internet, sendo necessário estar à frente do desktop e em frente ao computador, o foco da Web 4 é possibilitar que o usuário use e distribua informações independentemente da localização via dispositivos móveis.
Portanto, a Web 4.0 muda a relação entre humanos e robôs, que terão uma interação simbiótica. Neste quarto estágio da Web, o homem terá acesso constante a robôs, e a vida cotidiana se tornará cada vez mais dependente de máquinas.
Já tinha ouvido o termo “Web 5”?
Apesar de muitos só terem ouvido falar em Web 5 pela primeira vez quando manchetes ao longo do mundo noticiaram a declaração de Jack Dorsey sobre a Web 5, fato é que o termo não é novo.
Para se ter uma idéia, Tim Berners-Lee, o inventor da Web, deu uma palestra no TED Talks em 2009 em que já falava sobre a Web 5: “Web aberta, interligada e inteligente”, que ele chamou de Web Emocional.
Web 5, segundo o inventor da Web: “Web Emocional ou Simbiótica”
Segundo o próprio idealizador da Web, a Web 5 seria a “Web Emocional”, e já estava em desenvolvimento antes da afirmação de Dorsey.
Na verdade, a verdadeira forma da Web 5 ainda está se formando, e de acordo com os sinais que temos até agora, essa Web também conhecida como “Simbiótica” será uma rede interligada que se comunica conosco como nós nos comunicamos uns com os outros (como um assistente pessoal).
Esta Web será muito poderosa e totalmente executada sobre a interação (emocional) entre humanos e computadores. A interação se tornará um hábito diário para muitas pessoas com base na neurotecnologia.
Aqui, vale mencionar que apesar do capitalismo de vigilância, atualmente a Web 2 “em si” é “emocionalmente” neutra, o que significa que ela não percebe os sentimentos e as emoções dos usuários.
Ora, com a Web 5.0 que se propõe a ser uma teia emocional, isto pode mudar no futuro. Um exemplo é o Wefeelfine, organização que mapeia as emoções das pessoas através de fones de ouvido.
Nessa linha, na Web 5 de Tim Berners-Lee, os usuários irão interagir com conteúdos que interagem com suas emoções ou mudanças no reconhecimento facial.
Neste contexto, a iniciativa da Web 5 que Jack Dorsey anunciou no CoinDesk’s Consensus 2022 não tem nada a ver com a Web Emocional ou Simbiótica idealizada por Tim Berners-Lee em 2009.
Possibilidades: o futuro é um processo, não um destino
Muito do que é citado com desdém como “falsa promessa” pelos críticos da Web 3 parece ser muito mais desafiador de alcançar apenas com Bitcoin – ao menos por enquanto.
A descentralização do Bitcoin e prioridade à cibersegurança vêm em detrimento do espaço de armazenamento, e, acima de tudo, da velocidade de transação – conquanto os avanços trazidos pela Lightning Network serem promissores.
Se você estiver jogando um game no Metaverso ou Web Extra Descentralizada da TBD, você não vai querer esperar dez minutos ou mais por uma confirmação de que seu novo artefato chegou.
Além disso, algumas características da Web 3 já parecem possíveis através de camadas construídas em cima da Bitcoin.
Hiro está construindo contratos inteligentes usando Bitcoin. A integração do protocolo Injective ao Stacks 2.0 viabilizou as finanças descentralizadas (DeFi) em Bitcoin. E desde 2012, já existe no Blockchain Bitcoin o equivalente aos NFTs e aos tokens ERC-20 na forma dos Colored Coins.
Também, já que aplicações de identidade descentralizada sendo desenvolvidas na Web 3, inclusive desenvolvida no blockchain Bitcoin, como já comentei em outro artigo.
Some-se a isto o fato de que não está claro se existem rotas alternativas para o financiamento e construção da nova versão de Dorsey para a Web 3.
Essa nova tentativa da TBD de criar uma camada descentralizada no topo da Web via Blockchain Bitcoin resolverá as preocupações atuais com a Web 3? Difícil prever agora.
Claro que quanto mais iniciativas com foco em alcançar uma Web Descentralizada, melhor para os usuários. Mas o essencial é que tais iniciativas não sejam meras jogadas de marketing, nem ofuscadas pelos egos de seus idealizadores.
O futuro é um processo, não um destino.
Este post foi produzido por Tatiana Revoredo, Membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation, representante no European Law Observatory on New Technologies e colunista do MIT Technology Review do Brasil.