Proteção de dados e humanização: os desafios da jornada de Customer Experience no setor de seguros
Negócios e economia

Proteção de dados e humanização: os desafios da jornada de Customer Experience no setor de seguros

Eliminar as barreiras de contato com os clientes, ouvir suas demandas e criar soluções mais ágeis e humanizadas de atendimento com base na fusão de tecnologias são algumas prioridades das seguradoras no campo de CX.

Mais da metade (56%) das empresas do mercado de seguros digitalizaram 75% dos processos entre 2020 e 2022, segundo a Confederação Nacional das Seguradoras. O catalizador para essa ampla transformação no período foi a ruptura provocada pela pandemia de Covid-19, que alcançou todos os setores da economia.  

Embora a evolução tecnológica do setor de seguros seja muito anterior à pandemia, tornar a operação ainda mais avançada era o caminho para manter a eficiência, expandir a produtividade e permitir a continuidade do negócio em um período de incertezas e de descentralização das atividades, com o fechamento dos escritórios. Essa digitalização, no entanto, esteve sempre muito focada nos processos internos, na segurança da operação e na gestão de produtos e serviços.  

Nos últimos anos, a discussão sobre a evolução do setor de seguros ganhou novos horizontes. O foco agora é a experiência do cliente, que busca cada vez mais atendimento personalizado, eficiente e sem fricção em múltiplos canais e a continuidade na jornada do físico para o digital — sem rupturas.  

Para alcançar a excelência em Customer Experience (CX), o mercado de seguros considera três frentes principais de interação com o cliente: a venda direta, a venda por meio de parceiros (os bancos e varejistas, por exemplo) e a comercialização com a intermediação dos corretores.  

Cada uma dessas pontas oferece perspectivas e possibilidades diferentes de relacionamento com o cliente, permitindo maior ou menor acesso às informações que vão nortear a otimização da experiência do consumidor e o desenvolvimento de novos produtos e soluções. Estar atento aos inputs trazidos pelos parceiros é crucial, assim como a capacidade de reagir a questões que se apresentam como críticas para a retenção do cliente. Um processo que exige maturidade e desenvolvimento de uma cultura corporativa focada nesse objetivo: colocar o cliente no centro de tudo.  

Andrea Crisanaz, CEO da Generali Brasil, reconhece a grandeza do desafio que a implementação de CX impõe para as seguradoras e avalia que ainda há casos em que a jornada do cliente não é integralmente digital. Se comparado com o setor financeiro, por exemplo, o mercado de seguros tem menos interfaces digitais com o cliente ao longo da jornada. Algo que, aos poucos, vem sendo transformado.

O desafio de estar mais perto dos clientes 

A Generali Brasil integra um dos principais grupos globais de seguros, presente em cerca de cinquenta países. Com quase um século de história no Brasil, a companhia, que alcançou alto nível de maturidade digital, foi inclusive uma das empresas reconhecidas, por dois anos consecutivos, com o selo Innovative Workplaces concedido pela MIT Technology Review Brasil. Tal maturidade permite que, de forma estratégica, a empresa consiga estudar como as novas tecnologias e os novos hábitos dos consumidores impactam o desenvolvimento de produtos e, principalmente, a experiência do cliente.  

Inteligência Artificial, por exemplo, é um tópico que domina os grupos de trabalho multidisciplinares dentro da companhia. Desde o ano passado, a IA Generativa reúne líderes de diferentes áreas da Generali com foco na busca por novas aplicações e soluções para produtos, serviços e, claro, Customer Experience.  

Andrea Crisanaz afirma que as empresas precisam acompanhar atentamente o compasso da evolução das tecnologias emergentes. Segundo ele, o impacto sobre o setor de seguros é inevitável, a questão é conseguir identificar a dimensão e a velocidade da revolução provocada. O executivo relembra o surgimento do sistema multicálculo, há mais de uma década, como um fenômeno que transformou o processo de venda, promovendo a otimização do tempo do corretor, que em poucos minutos poderia produzir orçamentos de várias seguradoras simultaneamente, tarefa que antes demandava horas de trabalho.  

A digitalização trouxe inúmeros benefícios para os processos internos das seguradoras e para o suporte aos corretores ou parceiros e agora começa a servir à área de CX.  

Um dos pontos ainda majoritariamente analógicos na jornada é a conexão entre o segurado e o distribuidor de seguros. “O parceiro tem uma função importante para os dois lados. Para o cliente, é uma relação de confiança especialmente em situações como a de um sinistro. E para a seguradora é importante porque nos ajuda a entender melhor o cliente”, salienta Andrea Crisanaz. 

Por outro lado, a autogestão de seguros por meio de aplicativos já representa um salto significativo na experiência do cliente. O processo simplificado permite que o segurado contrate e utilize o serviço diretamente, sem necessidade de intermediários. Essa autonomia, facilitada pela tecnologia, traz benefícios como agilidade, praticidade e controle total sobre a apólice. A autogestão não apenas acompanha as tendências digitais como redefine a forma como os seguros são adquiridos e utilizados, oferecendo uma experiência personalizada e eficiente. Para Andrea, seja de uma forma ou de outra, é preciso ter um atendimento personalizado e focado diretamente na jornada do consumidor.  

O senso de urgência do executivo, que vive o mercado de seguros há quase três décadas, é corroborado por estudos que monitoram a performance do setor em CX. O relatório State of Digital Customer Experience, por exemplo, mostra que a experiência ruim é uma barreira para a aquisição de seguros. Outro ponto de alerta no mesmo estudo é que 40% dos consumidores trocariam de seguradora em nome da melhor experiência de consumo digital. Ou seja, ainda que muito importante, o parceiro distribuidor precisa se digitalizar para acompanhar a evolução das seguradoras em métricas de análise de satisfação do cliente, o chamado Net Promoter Score (NPS), e oferecer respostas às demandas dos segurados.  

Escutar para inovar 

A venda por meio de parceiros é também estratégica, sob a ótica da CX, porque exige duas interações importantes: primeiro com o vendedor parceiro e depois com o cliente. Mas essa modalidade, Business-to-Business-to-Consumer (B2B2C), é mais madura sob o ponto de vista da troca de informações e da geração de insights que serão convertidos pela seguradora em soluções e em novos produtos.  

Para o COO da Generali, Alexandre Muniz, grande parte do processo de inovação, seja ela no mercado de seguros ou não, surge da escuta ativa. “É preciso estar próximo para entender, de fato, todo o processo de vendas. Em B2B2C, os stakeholders aumentam, e ao descobrir as necessidades do parceiro, conseguimos entender o ecossistema e pensar em soluções inovadoras para todos os lados”, explica. 

Muniz cita, como exemplo, as mudanças nos canais de atendimento ao cliente que ocorreram com base na análise da dor do parceiro. “Não chegavam muitos atendimentos via WhatsApp para nós, mas escutando nosso parceiro [um banco] percebemos que precisávamos fazer diferente e abrir canais digitais para alguns segmentos que imaginávamos que talvez não tivessem aderência. E a grande surpresa é que a gente teve uma imensa aderência”, lembra.  

Humanização como indutor da melhor experiência ao cliente 

Com a criação de novos canais digitais de atendimento, vieram os chatbots, que ampliaram as possibilidades para uma interação mais ágil e facilitada com os clientes. Cerca de 68% dos líderes de CX ouvidos pela Zendesk para o relatório anual de Tendências da Experiência do Cliente 2024 afirmam que os chatbots devem ter o mesmo nível de especialização e qualidade dos agentes humanos altamente qualificados.  

Um desafio e tanto, especialmente para o mercado de seguros, que tem, em geral, dois contatos com o cliente por ano — no setor bancário as interações acontecem 20 vezes mais, segundo a consultoria McKinsey. O número reduzido de pontos de contato exige a perfeição no atendimento, sob o risco de perder o cliente.  

Não por acaso, a Generali utiliza o NPS como um dos fatores que norteiam o processo de inovação e, na maior parte dos casos, inovar não significa adotar mais uma ferramenta ou implementar uma nova tecnologia. Alexandre Muniz destaca, no caso do atendimento ao cliente, o papel dos profissionais bem treinados e, principalmente, empáticos e humanos no tratamento com o cliente. “Criamos células para contextos de atendimento mais humano e conseguimos mudar radicalmente a percepção dos clientes a respeito do nosso atendimento. Em alguns casos, caiu para zero as reclamações e estamos falando de uma base de milhões de clientes. Hoje temos um nível baixíssimo de reclamações”, conta. 

Os testes e a junção de novas tecnologias são constantes. O uso de comandos de voz, por meio de assistentes virtuais como a Alexa, da Amazon, já está sendo adotado também como alternativa para facilitar a interação dos clientes com a Generali. Muniz explica que esse modelo permite mais agilidade e simplicidade, mas que chegar ao modelo ideal leva tempo e o objetivo é encantar o cliente. “Estamos o tempo todo discutindo inovação. O que queremos fazer é casar essas tecnologias, que são muitas, com a nossa escuta ativa sobre quais são as dores dos parceiros, que também são nossos clientes”, explica.  

Dados e privacidade: oportunidades e riscos  

Estar cada vez mais próximo dos parceiros e dos clientes, digitalizar todas as etapas da jornada do consumidor e ouvir atentamente os insights para oferecer respostas às dores dos clientes são tarefas importantes na rotina de CX das seguradoras. E todas elas têm um ponto em comum: dados que precisam ser coletados, analisados e tratados de forma eficiente e segura.  

Alexandre Muniz enfatiza que não há inovação sem uso adequados dos dados e não há dados, em quantidade e qualidade, se não houver a colaboração dos usuários que, com base numa relação de confiança, permitem o acesso às informações. “Qualquer negócio que você faça exige dados. As melhores soluções de inovação dependem do usuário. Mas há um problema muito maior do que o consentimento do usuário. Há um conjunto de questões relacionadas à privacidade, riscos envolvidos que exigem uma capacidade grande de manter a segurança dos dados, porque qualquer iniciativa que exponha as pessoas pode estragar todo o trabalho realizado”, avalia. 

A preocupação com segurança e privacidade está no topo da atenção dos líderes de CX. Não há como personalizar experiências e aprimorá-las com uso de IA sem acessar dados pessoais. Por isso, 77% dos líderes se colocam como responsáveis pela segurança dos dados dos clientes e 83% deles afirmam que proteção de dados e cibersegurança são prioridades nas estratégias de atendimento ao cliente, segundo relatório anual de Tendências da Experiência do Cliente 2024 da Zendesk.  

“Dado hoje vale ouro e quem sabe lidar melhor com isso tem mais sucesso, mas precisa se cercar de um entendimento correto sobre esse uso”, pondera Alexandre Muniz. Para o executivo, os limites da privacidade são elásticos, sob a ótica dos usuários, que se mostram pouco restritivos com o compartilhamento de dados nas redes sociais, mas desconhecem os limites e as regras para o uso dessas informações pelas empresas.  

“Aqui nós temos fóruns de inovação para discutir os assuntos de forma mais aberta. Tudo o que discutimos vai resultar em uma oferta direta para o cliente, o chamado B2C, mas toda vez que pensamos em inovação para fazer campanhas de vendas e melhores produtos, podemos esbarrar em algum limite de privacidade de dados”, relata Muniz, que destaca os investimentos feitos ao longo dos últimos anos pela Generali Brasil em segurança e privacidade. 

O desafio para o mercado de seguros está em garantir as melhores soluções para o atendimento ao cliente com a máxima segurança e a maior privacidade. “Hoje, o mercado segurador tem o chamado Open Insurance — uma derivação do Open Banking do setor financeiro — mas, novamente, a pessoa tem que consentir o uso dos dados. E, mesmo com o consentimento, não significa que se pode fazer o uso de forma generalizada. Entender essas fronteiras é muito difícil, mas o sucesso passa por aí.”  

Em suma, a transformação digital do setor de seguros foi impulsionada por diversos fatores – entre eles a maior demanda por serviços online, evolução de tecnologia e necessidade de oferecer uma experiência mais personalizada e eficiente ao consumidor. O futuro está ligado a essa mudança, seja com a adoção do uso da Inteligência Artificial, adesão massiva ao Open Insurance ou outras ferramentas que ainda estão por vir.

“O nosso segmento é muito tecnológico e inovador, sendo muitas vezes pioneiro e um espelho para as demais indústrias. Nesse mercado, vão se destacar empresas que investem em tecnologia e, em paralelo, traçam estratégias que proporcionem experiências personalizadas, eficientes e, de fato, seguras aos seus clientes”, enfatiza Muniz. 

Último vídeo

Nossos tópicos