Inovações apoiam a regulação da saúde suplementar na era digital
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Inovações apoiam a regulação da saúde suplementar na era digital

A tecnologia tem impulsionado uma série de transformações na saúde. Para acompanhar a digitalização do setor, a ANS busca novas ferramentas, como a Inteligência Artificial (IA) e o modelo de sandbox regulatório.

Cirurgias robóticas, mapeamentos genéticos e exames de última geração são soluções em saúde proporcionadas pelo avanço tecnológico aplicadas à área assistencial. Mas, do outro lado da bancada, onde são definidas as regras para a regulação do setor, as inovações também têm potencial de contribuir com ganhos significativos aos pacientes e ao sistema como um todo.  

Quando um beneficiário da saúde suplementar é atendido no sistema público, por exemplo, a operadora de plano de saúde é cobrada pelo valor total do serviço prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) acrescido de 50%, ou seja, 150% do gasto do SUS. Nesse processo, é necessária uma análise criteriosa de dados, uma etapa em que a Inteligência Artificial (IA) já é vista como uma futura aliada. 

O processo é coordenado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a partir de informações registradas pelo Departamento de Informática do SUS (DataSUS). Em 2021, o valor devido pelas operadoras ultrapassou os R$ 700 milhões, relativos a 166 mil internações e quase 300 mil atendimentos ambulatoriais de média e alta complexidade.   

Neste ano, a reguladora selecionou propostas de startups para a adoção de IA em quatro projetos internos, sendo um deles voltado à otimização do ressarcimento ao SUS, e deu início à discussão sobre um modelo de sandbox regulatório. 

Projetos voltados à análise de reclamação digital de clientes de operadoras de saúde, para assistente de dados cadastrais para entidade reguladas e para a análise de quantidade de contribuições da sociedade também foram recebidos. A seleção pública foi promovida pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). 

Incorporando as transformações 

Na avaliação do diretor-presidente da ANS, Paulo Rebello, a contribuição externa é fundamental para a digitalização da agência, já que não há previsão de desenvolvimento interno desse tipo de tecnologia. Para ele, embora reguladora esteja discutindo mudanças e investimentos em inovação com as operadoras, a digitalização faz parte de uma mudança cultural, que exige a aplicação de recursos por parte das empresas. 

“Em relação aos processos internos da agência, a adesão depende da forma que estão previstos os projetos e a finalidade a ser alcançada. Algumas vias disponíveis são as consultas públicas e formas de participação social, os processos licitatórios em que se utiliza a lei de inovação e algum tipo de hackathon ou modelos de sandbox regulatório”, explica. 

Há dois anos, a ANS lançou um “Plano de Transformação Digital” para agilizar e melhorar a experiência do usuário, capacitar a força de trabalho e garantir a segurança dos serviços digitais, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018. 

“A tecnologia tem melhorado a capacidade analítica da ANS e diminuído o tempo e a velocidade de análise. Tudo é feito com mais precisão”, afirma Rogério Scarabel, ex-diretor presidente da reguladora. 

O advogado foi criador da Resolução Normativa nº 464, em vigor desde março de 2020, que viabilizou novas funcionalidades no processo eletrônico da ANS, como peticionamento (solicitação a um juiz ou órgão competente), notificação e intimação.  

Ambiente de testes 

A proposta de sandbox regulatório foi tema de um webinar realizado pela agência no mês de outubro. Segundo César Cerra, diretor-adjunto da Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras (Diope), o objetivo do evento virtual foi apresentar ao mercado regulado a experiência de outros órgãos com o sandbox como a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e como a ANS pretende conduzir esse processo. 

Sandbox é um ambiente para startups controlado e desenhado pelo regulador, com poucas regras pré-definidas, em que a própria agência reguladora acompanha a experimentação dos projetos. O termo em inglês se refere à caixa de areia de um parquinho, onde as crianças brincam com segurança e liberdade, mas contam com supervisão de um adulto. 

Nesta metáfora intergeracional, se uma startup integrante do sandbox for bem-sucedida na apresentação do seu projeto, pode receber autorização permanente para seu negócio, cuja regulação (se houver) será estendida para todo setor de saúde.  

O modelo de testes ganhou evidência com o crescimento de startups no Brasil na última década, principalmente das que atuam no setor financeiro, chamadas de fintechs. Embora elas tenham certa liberdade para criação, devem prestar contas ao regulador por meio de relatórios e apresentações de resultados.  

Na avaliação de Scarabel, as startups são fundamentais no fomento à inovação porque desenvolvem tecnologias que facilitam e melhoram o dia a dia das agências reguladoras. O motivo é claro: elas nascem e sobrevivem dentro de uma cultura 100% tecnológica. 

“Elas resolvem coisas que o mercado regulado não consegue solucionar com tanta desenvoltura, como as dores do cliente”, avalia ele, com a experiência de quem também é empreendedor. O advogado comanda duas jovens empresas na área da saúde, uma voltada à democratização de cirurgias e outra, à saúde masculina. 

“O sandbox está totalmente voltado para o fomento à inovação. Ao criar um ambiente regulatório experimental, ele permite que novos modelos de negócio sejam testados. Caso sejam observados efeitos adversos, eles podem ser rapidamente estancados, sem afetar as regras vigentes ou comprometer os direitos dos beneficiários de planos de saúde”, explicou Tainá Leandro, assessora da Diope, no webinar realizado pela ANS. 

Maturidade digital 

Na avaliação de Marcelo Graglia, professor do programa de mestrado e doutorado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a IA passou a ser utilizada em diversos países como apoio para a maior eficiência e agilidade em processos antes considerados burocráticos. Entre as agências reguladoras, na visão do especialista, a ANS é uma das mais avançadas do mundo em termos de inovação. 

Apesar dos benefícios que a tecnologia traz aos usuários, Graglia alerta para o desafio ético de adotar a IA em um país tão diverso e desigual como o Brasil, uma vez que há vícios e preconceitos que podem ser passados por meio das informações. “É preciso cuidado na aplicação de critérios éticos para uso desses sistemas por órgãos de governo, visto que a abrangência e o impacto das aplicações de IA para os usuários finais são enormes”, afirma. 

A ANS criou um selo de maturidade digital para avaliar e acompanhar os serviços que estão sendo digitalizados. São cinco faixas (entre A1, A2, A3, B e C), que variam da mais digital, em que o serviço é feito sem intervenção humana, até a menos digital, em que o acesso é manual. Com o selo, a agência pretende melhorar a qualidade dos serviços prestados e a interação com o público, eliminando barreiras de comunicação e acesso, considerando a complexidade do setor e a sensibilidade das informações de saúde.  

Em 2020, havia 16 serviços chancelados pelo selo de maturidade digital na reguladora. Neste ano, o número chegou a 40. A modernização atingiu atividades que vão desde a atualização cadastral das operadoras de planos de saúde até o registro de denúncias de práticas irregulares e de reclamações.  

Diante da constante transformação tecnológica, os servidores também têm de se manter qualificados. Nos últimos dois anos, foram realizadas 291 horas de capacitação e outras 124 horas ainda estão em execução na autarquia. No total, foram disponibilizadas 814 vagas de treinamento para 660 servidores de todo o país. 

 

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