Empreendedorismo orgânico
Negócios e economia

Empreendedorismo orgânico

O espírito adormecido e a Enciclopédia de Inovação de 3,5 bilhões de anos

Os ecossistemas criativos atuais, apesar de sofisticados, ainda seguem métodos de produção em série, herdados da revolução industrial. Em contraste com a natureza selvagem, que possui predadores naturais, a maioria das empresas atua como lavouras, usando métodos ultrapassados e “pesticidas” para lidar com problemas críticos e desafios criativos. Por que a inovação enfrenta barreiras nas empresas? Por que não somos incentivados a desafiar normas estabelecidas? A necessidade de sair da empresa para empreender levanta questões sobre a liberdade criativa nas corporações. E se a cultura de inovação fosse comparada a um ecossistema vivo e vibrante?  

O Vale da Morte está vivo 

O lugar mais quente e seco dos Estados Unidos é o Vale da Morte. Porém, no inverno de 2004, algo aconteceu. Alguns milímetros de chuva caíram em um período muito curto. E, na primavera de 2005, houve um fenômeno: o local ficou coberto de flores por um tempo.  

Isso prova que o Vale da Morte não está morto, mas adormecido. 

De forma orgânica, nas condições certas, a vida é inevitável. Abaixo da superfície estão sementes especiais à espera de uma oportunidade. 

Ao modificar as condições de uma empresa, proporcionando às pessoas uma nova percepção, um conjunto diversificado de expectativas e uma variedade mais extensa de oportunidades, você pode estimular a criatividade e a inovação. 

Ao valorizar as relações entre líderes e equipes e fornecer o ambiente certo para a criatividade e a inovação, uma organização que antes estava estagnada, pode ganhar vida. 

O trecho acima foi adaptado da palestra “How to escape education’s death valley”, feita por Sir Ken Robinson para o TED, em 2013. Ele já partiu, em 2020, mas, felizmente, seus poderosos insights continuam vivos. 

Suas ideias, como pólen, chegaram até aqui para ilustrar algo que consideramos grandioso, capaz de fertilizar mentes e desafiar limites. 

Se é que eles existem. Será? 

A jornada da criatividade orgânica 

George Land, psicólogo especialista em criatividade, conduziu estudos para a NASA sobre o desenvolvimento da criatividade em crianças. Land descobriu que a maioria (98%) das que foram testadas como altamente criativas perderam essa habilidade ao longo do tempo, até a fase adulta.  

Land comentou em sua palestra para o TED, em 2011, que o sistema educacional e social tende a suprimir a criatividade à medida que as crianças crescem. Ele destacou a importância de promover ambientes que incentivem a criatividade desde a infância, com abordagens educacionais que nutram, em vez de reprimir, o potencial criativo. 

Com o tempo perdemos a coragem de fazer perguntas. Adormecemos a maioria das sementes com as quais nascemos. Elas estão lá, à espera do estímulo certo: a água e as reações químicas que ressuscitarão o espírito criativo que todos temos, sem exceção. 

Imite com naturalidade 

A natureza vem nos ensinando a romper limites há tempos. 

Hoje, a biomimética já é uma realidade, mas a sua história remonta a civilizações antigas. O conceito tem raízes em observações de padrões na natureza que inspiraram inovações.  

Desde a Grécia antiga, pensadores como Aristóteles estudaram a natureza para entender a vida e suas complexidades.  

No século XV, Leonardo da Vinci usou a observação da anatomia de animais para aprimorar a estética de suas criações. Outra ideia foi o velcro, no início do século XX, que foi inspirado nos ganchos de sementes de bardana que grudam em tecidos. Ambos contribuíram indiretamente com o fortalecimento do conceito. 

No entanto, o termo “biomimética” só ganhou notoriedade nos anos 90, com o lançamento do livro “Biomimicry: Innovation Inspired by Nature”, da bióloga Janine Benyus que, desde então, tem sido uma espécie de “embaixadora” do tema. 

A biomimética ganhou destaque em diversas áreas, desde design industrial até medicina, usando os sistemas naturais como modelo para resolver desafios tecnológicos e ambientais. 

Veja a história do engenheiro Eiji Nakatsu e o trem-bala japonês: 

Na saída dos túneis, o trem-bala emitia um som extremamente alto, criando caos por onde passava.  

Observando o design de aves como o martim-pescador, a coruja e o pinguim-de-adélia, Nakatsu redesenhou a estrutura do trem e resolveu o problema. 

As modificações resultaram em um veículo mais silencioso; 10% mais rápido (atingindo 320 km/h); e, mais eficiente, consumindo 15% menos eletricidade em comparação com modelos anteriores. 

Um pouco mais de biomimética: 

– O revestimento da pele de tubarões inspirou materiais antifouling para reduzir a aderência de organismos marinhos em cascos de navios; 

– A estrutura dos ninhos de pássaros influenciou designs arquitetônicos para ventilação natural e resfriamento em edifícios; 

– A aderência nas patas do Gecko (réptil da família Gekkonidae, encontrado no Sudeste da Ásia) inspirou o desenvolvimento de adesivos, utilizados em diversas aplicações industriais; 

– Estruturas biológicas como o sistema circulatório têm inspirado designs de dispositivos médicos, como Stents Vascular. 

A natureza é uma vasta enciclopédia natural que registra vitórias e “derrotas”, reciclando tudo em seu processo de inovação adaptativa: são 3,5 bilhões de anos de dados à nossa disposição, literalmente nos rodeando por todos os lados. 

Uma fábrica onde nada se cria 

Não existem “resíduos” na natureza; por isso ela funciona tão bem. Tudo colabora para a geração de energia, aprendizado e constante sobrevivência.  

Observar o equilíbrio e o ciclo que gera a vida, onde nada se cria, tudo se transforma, pode ser o horizonte perfeito de inovação orgânica para as corporações. 

Se olharmos para um ecossistema natural, absolutamente tudo é “alimento” para o seu sistema de reciclagem, onde todos dançam no mesmo ritmo, enquanto descobrem novas formas de existir. 

Imagine um banco de dados geral com todas as ideias (sementes/perguntas), em que o seu histórico pudesse ajudar a entender todos os processos, em detalhes, criando uma visão ampla de como erros e acertos colaboraram para as melhores soluções. 

Wood Wide Web, termo cunhado pela Dra. Suzanne Simard, se refere a uma rede complexa de interações subterrâneas entre as raízes das árvores, formada por fungos micorrízicos.  

Essa rede permite a troca de nutrientes, água e até informações entre as árvores.  

As árvores podem se comunicar e colaborar por meio dessa rede, compartilhando recursos e alertando umas às outras sobre ameaças, como pragas. 

Essa expressão destaca a notável interconexão e colaboração que ocorre no reino das plantas, demonstrando como a natureza pode criar sistemas incrivelmente complexos e interdependentes.  

É um conceito fascinante no contexto da ecologia e da interação entre organismos no ambiente natural. Ecossistemas criativos podem imitar essa estratégia, criando canais de comunicação orgânicos que privilegiam diversidade e, principalmente, a reciclagem absoluta de ideias. 

Inovação orgânica é interdependência 

O Projeto Aristóteles foi uma iniciativa do Google, lançada em 2012, visando entender e melhorar a dinâmica de suas equipes. A pesquisa foi conduzida por Julia Rozovsky. 

Os resultados, divulgados em 2016, revelaram que o sucesso de uma equipe não está apenas nas habilidades individuais, mas na qualidade das interações sociais e em criar um ambiente seguro para expressar ideias.  

Essa descoberta ressoa com os conceitos de ecossistemas criativos e cultura colaborativa, destacando a importância de relações interconectadas e uma atmosfera que fomente confiança e participação ativa para impulsionar a inovação.  

Empresas prosperam, assim como ecossistemas naturais, com diversidade, interdependência e respeito mútuo, promovendo uma cultura colaborativa fundamental para a inovação sustentável. 

Os resultados do projeto Aristóteles destacam que o sucesso não está apenas na busca por soluções inovadoras, mas na construção de um ecossistema interno que nutre e potencializa o talento coletivo. 

O Projeto Aristóteles não apenas influenciou as práticas internas do Google, mas também se tornou uma referência para empresas em busca de aprimorar a colaboração e a eficácia das equipes.  

Perfis criativos e mapas orgânicos 

Não basta saber onde está a “fonte” da inovação. Da semente ao fruto e da ideia à inovação concreta há um longo caminho e muitos desafios. 

Combinar os elementos básicos da vida como Sementes (ideias), Solo (espaço de interatividade), Água (comunicação fluida), Nutrientes (lifelong learning), Microorganismos (tecnologias adaptativas), Atmosfera (resiliência) e Luz Solar (curiosidade e intuição) da forma certa pode garantir sustentabilidade em ecossistemas criativos, onde o equilíbrio é mais importante do que os “resultados”. 

Um framework enriquecido com as próprias inspirações, poderia desencadear uma significativa revolução na maneira como cultivamos a inovação em nossas empresas. 

Na natureza, a homeostase é uma estratégia usada para manter a estabilidade interna dos organismos quando há mudanças bruscas no ambiente externo. 

Nas empresas, essa ideia pode fortalecer um sistema de perfis criativos, monitorando continuamente a diversidade de talentos, identificando e combinando as habilidades mais importantes do espectro inovador individual e coletivo. 

Ao integrar informações sobre competências criativas individuais, laboratórios podem ser desenvolvidos a fim de harmonizar e potencializar talentos, promovendo ajustes estratégicos direcionados e uma “homeostase criativa” mais consistente.  

Esse sistema poderia maximizar o potencial inovador, aproveitando de forma otimizada as diversas habilidades criativas nas equipes de maneira orgânica, servindo como mapa para um design de inovação muito mais eficiente. 

AS SEMENTES DO FUTURO 

Talvez o “Vale da Morte da Criatividade” seja um fantasma para a maioria de nós. Talvez ele tenha sido, de fato, criado, historicamente, por processos sociais em prol de lucro fácil e controle social. Muitas são as possibilidades.  

No entanto, o que realmente importa agora é saber que existe a natureza para nos inspirar. Ela vence seus desafios e evolui, porque está sempre aprendendo. 

Adormecidos, no subsolo da nossa imaginação, estão um imenso reservatório de ideias e uma poderosa mente criativa, prontos para despertar e interagir com essa fascinante Inteligência Orgânica, capaz de apontar as respostas que precisamos. 

Enfrentamos desafios exponenciais, porém há esperança e infinitas possibilidades à nossa disposição. Isso torna atraente a declaração de que os conceitos de empreendedorismo orgânico que aprendemos aqui, aplicados em várias dimensões, serão as sementes do futuro. 

Assimilando a teoria da relatividade de Einstein, a inovação é relativa ao contexto, perspectivas e necessidades de cada empresa, destacando a importância de considerar o ambiente ao buscar soluções inovadoras. Imagine um lugar onde uma cultura orgânica estimula a geração de ideias e inovação. 

Na natureza, a água é responsável por grande parte dos processos químicos e pela comunicação dos nutrientes, levando vida e dados importantes aos lugares certos. Um “sangue” transparente que, se bem conduzido, pode revelar todo o potencial criativo de uma empresa, potencializando a diversidade de seus colaboradores. 

Não para simplesmente criar coisas; mas para plantar ideias, que geram frutos, que geram sementes, que se adaptam, que brotam e inspiram um futuro mais humano e sustentável. 

O planeta é uma empresa orgânica que deu certo, a despeito da sua fragilidade e das experiências de extinção em massa que sofreu. Foi genial organizar suas informações básicas em pequenas sementes, ideias naturais, protegidas do ambiente externo até encontrar as condições adequadas para brotar e crescer, se conectar com outras ideias e, por isso, prosperar.  

Sempre em rede. Eis o segredo. 

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