Age tech para cuidar da saúde dos idosos
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Age tech para cuidar da saúde dos idosos

A tecnologia é uma aposta para a coordenação do cuidado, especialmente após a digitalização acelerada do sistema. Mas engajar o público 60+ ainda é um desafio, e até mesmo a adesão da população ao virtual é um tema em aberto.

Antes mesmo da virada do século, idosos que se entretinham jogando baralho em grupo passaram a ter acesso às cartas virtuais do Microsoft Windows, e a tecnologia trouxe novas possibilidades de distração. Mas a existência de um quórum virtual para a interação com os naipes ainda não era sinônimo de praticidade naquela época, quando ainda era necessário acionar vários botões para usar os monitores de tubo. 

No decorrer da segunda década dos anos 2000, a popularização dos smartphones proporcionou uma experiência de comunicação a distância sem precedentes aos usuários 60+: aplicativos permitiram ler, ouvir e ver outras pessoas instantaneamente, de maneira intuitiva, bastando a conexão com a internet e o deslizar dos dedos em telas que cabem na palma da mão. 

Agora, a tecnologia vai além e pode ser considerada uma nova “cuidadora” dos idosos dentro de uma lógica baseada na Internet das Coisas (IoT). Essa é uma das grandes apostas para a coordenação do cuidado em saúde e, com alta adesão à telemedicina nos últimos dois anos, houve a confirmação de que a possibilidade pode ser explorada para alcançar um grupo em que há alta prevalência de doenças crônicas como hipertensão e diabetes, consideradas gargalos do sistema de saúde.  

Um dos principais desafios do momento, porém, é o de criar interfaces capazes de engajar e conquistar a confiança desse público, instado a se adaptar às novidades da escalada tecnológica desde os anos 1960. Essa é designação da chamada “age tech”.  

Do isolamento à ampliação do cuidado    

Durante a fase mais crítica da pandemia da Covid-19, mais do que nunca, a tecnologia demonstrou seu potencial de conexão. Por meio de consultas virtuais ou por telefone, a assistência médica conseguiu chegar com menos dificuldade a áreas remotas, grupos economicamente vulneráveis e pacientes mais frágeis, como idosos e pessoas com deficiência. 

Na saúde suplementar, os números de utilização da ferramenta no período foram animadores para gestores de operadoras de planos de saúde e de hospitais. Além de haver convergência com o conceito de saúde preventiva, uma das principais pautas do setor em termos de sustentabilidade, a prática facilita a gestão de dados e recursos, e pareceu agradar ao público-alvo. Arrefecida a crise, ainda é um tema em aberto.  

Segundo a União Nacional da Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), entidade representativa de operadoras sem fins lucrativos, cerca de 30% dos beneficiários dos planos de saúde oferecidos pelas filiadas já passaram dos 60 anos. Para atender a esse público de forma de forma mais ampla, a telemedicina foi adotada e teve uma boa adesão.  

No modelo, os atestados e os laudos de exames são liberados em formato digital, podendo ser consultados por médicos de diversas especialidades e de diferentes países ao mesmo tempo. O compartilhamento de informação, nesse caso, beneficia tanto os pacientes quanto as pesquisas na área da saúde. 

A receita também é enviada digitalmente, por meio de um certificado digital que garante a assinatura do médico. O paciente pode comprar o medicamento em qualquer farmácia que adote o sistema, comprovando a autenticidade do receituário por QR Code. 

Na Cassi, operadora de gestão de saúde dos funcionários do Banco do Brasil, a telemedicina tem cumprido o objetivo de ampliar o acesso à assistência médica. Devido à capilaridade da empresa de economia mista – em que as ações são compartilhadas entre o Estado e o mercado –, parte dos funcionários está localizada em regiões onde há dificuldade de atendimento em saúde.  

De acordo com Everton Nunes da Silva, gerente-executivo de Negociação da Cassi, o resultado tem sido efetivo: o recurso atende a 100% dos casos simples e complementa o atendimento presencial de pacientes mais graves. A carteira da operadora é composta por 178 mil vidas acima de 60 anos. 

“Por meio da tecnologia, é possível avaliar riscos e coordenar todo o atendimento médico quando o idoso volta para casa do hospital”, explicou ele, que também é vice-coordenador do modelo de atenção à saúde da Unidas.  

Na oncologia, por exemplo, a telemedicina é peça-chave para o acompanhamento de idosos com câncer após a quimioterapia, uma vez que é comum eles sentirem náuseas, fraqueza e terem queda na imunidade. “Os pacientes costumam ir ao pronto-socorro quando passam mal após o tratamento. Com a telemedicina, eles continuam tendo o atendimento especializado em casa, com mais segurança”, afirma.  

Historicamente, um dos grandes desafios do sistema de saúde é garantir a adesão aos tratamentos prescritos à população, sobretudo para aqueles que geram efeitos colaterais, independentemente da idade dos pacientes. Para um idoso, um simples lembrete de medicação pode fazer a diferença na continuidade, e o cuidado apoiado em soluções tecnológicas tende a ser cada vez mais sofisticado quando se entra no campo da IoT.   

O executivo da Cassi destaca que os dispositivos vestíveis que se conectam em rede, como relógios digitais, medidores de glicose e até mesmo sensores que evitam a queda, trazem mais conforto aos pacientes idosos. Com os gadgets, as informações sobre a saúde do usuário são enviadas diretamente aos enfermeiros e aos médicos pela internet, sem que eles precisem estar ao lado do paciente colhendo os exames. 

“A tecnologia permite a coordenação e a ascensão dos profissionais de cuidado. Antes, era necessário ter alguém olhando o idoso o tempo todo. Hoje, conseguimos acompanhá-lo a distância com mais facilidade, oferecendo mais conforto e autonomia aos pacientes”, avalia. 

Complementar o atendimento médico presencial é a principal vantagem da telemedicina, mas não é a única. Para as operadoras de planos de saúde de autogestão, a modalidade também otimiza recursos financeiros, uma vez que reduz gastos desnecessários com medicamentos, exames e consultas presenciais no hospital em casos considerados de menor gravidade. 

Na Camed, seguradora dos funcionários e aposentados do Banco do Nordeste, as consultas virtuais não só reduziram o índice de pacientes que iam ao pronto-socorro por casos mais simples, como deram assistência às praças com rede de atendimento médico deficiente. 

“Desenvolvemos uma comunicação específica para atender os idosos com oportunidade de check-up exclusivo por meio da adesão ao atendimento preventivo on-line ou presencial”, explica a diretora executiva do Grupo Camed, Emanuella Faheina Chaves Ferreira. 

A empresa também transmite lives e envia dicas de saúde por e-mail e pelo celular aos beneficiários para incentivar que eles tenham uma vida mais saudável. O objetivo é investir na medicina preventiva com foco no público da terceira idade. 

O desafio das empresas, nesse caso, é lidar com as barreiras intergeracionais. De acordo com a executiva, uma parte dos beneficiários acima de 60 anos domina as plataformas tecnológicas de acesso às consultas virtuais, mas outra ainda tem resistências quanto à utilização. “Ainda existem clientes que buscam o livro físico para visualizar a rede credenciada. É sempre desafiador orientar os que não dominam os recursos oferecidos pela operadora”, avalia.  

Queda no uso da telemedicina  

Em contraste ao boom dos atendimentos por telemedicina na pandemia, uma enquete respondida virtualmente por 286 beneficiários da Unidas de todo país, entre 15 e 25 de setembro deste ano, corrobora a percepção de Emanuella: apenas 29% (83) dos entrevistados afirmam ter utilizado e ainda utilizar os serviços de telemedicina. Desses, 11,5%  (54) estão em uma faixa etária acima de 54 anos.  

Entre as justificativas dos beneficiários de idades variadas para o uso da plataforma estão: a agilidade para diagnóstico (37,3%); a otimização de tempo (16,8%); e a acessibilidade (19,2%) poder se consultar com um médico sem sair de casa. Nove beneficiários relataram ter reduzido as idas ao pronto-socorro.  

Dos 203 usuários que não utilizam a consulta virtual, a maioria (72,9%) afirmou não ter precisado recorrer à tecnologia. No entanto, 7,3% (15) disseram não ter confiança no atendimento e no diagnóstico on-line e 6,8% (14) alegaram não ter acesso ao serviço. 

Os dados da entidade são semelhantes aos da pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), integrado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).   

O levantamento, realizado por telefone com 5.552 brasileiros entre 4 e 30 de julho de 2021, após o pico da pandemia da Covid-19, apontou que 26% dos internautas com 16 anos ou mais se consultaram com um profissional de saúde pela internet. Entre os usuários com 60 anos ou mais, esse percentual subiu para 30%. 

A importância da tecnologia para a saúde, contudo, não foi descartada pelo Cetic.br. “O avanço da telemedicina em 2021 foi fundamental para aliviar a pressão sobre os estabelecimentos de saúde na fase mais aguda da pandemia, mostrando-se uma importante estratégia de cuidado tanto no Sistema Único de Saúde quanto na rede privada”, destaca a conclusão da pesquisa.  

Na avaliação do presidente da Unidas, Anderson Mendes, a telemedicina continua tendo forte adesão, mas ainda não foi capaz de reduzir de forma significativa o índice de pacientes que vão ao pronto-socorro para fazer um primeiro diagnóstico, ou seja, manteve-se o comportamento anterior à pandemia, considerado prejudicial ao sistema. 

 “O número de telemedicina ainda é alto, mas já foi bem maior. Isso é natural, porque algumas pessoas voltaram exatamente à rotina que tinham antes. Por um lado, demonstra que vencemos a pandemia, mas, por outro, há uma preocupação imensa porque nós continuamos com os mesmos hábitos”, pondera.  

 

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