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A tecnologia já é indissociável da saúde. De equipamentos e tratamentos de ponta presentes na média e alta complexidade ao funcionamento do dia a dia das unidades básicas, ela tem funcionado como catalisador para a ampliação do acesso em todos os níveis de atenção. E, para além da dimensão física, a telemedicina é um instrumento utilizado para levar assistência a áreas remotas, como comunidades ribeirinhas e territórios indígenas (1). Por sua vez, em grandes cidades, essa ferramenta também auxilia o acesso a especialistas, exames e consultas (2).
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi concebido com base na lógica da gestão tripartite, ou seja, na divisão de responsabilidades entre União, estados e municípios. Essa estrutura assegura a descentralização e amplia o alcance do cuidado em todo o território nacional, mas também gera um sistema fragmentado, em que a jornada do paciente pode se perder entre diferentes níveis de atenção e localidades (3,4). Nesse contexto, a digitalização surge como estratégia essencial para integrar serviços, garantindo que o cuidado se mantenha contínuo independentemente do local de atendimento.
Meu SUS Digital (5), um aplicativo para smartphone criado pelo Ministério da Saúde, é um símbolo de integração digital na trilha de descentralização do cuidado assistencial no Brasil.
Se, para a população em geral, a digitalização já traz ganhos palpáveis de conveniência e acesso, para pacientes com doenças raras o caminho se mostra mais desafiador. Nesses casos, a trajetória entre diagnóstico e tratamento continua marcada por barreiras logísticas significativas — como a distância até centros de referência e a necessidade de deslocamentos frequentes para terapias especializadas. Apesar dos avanços na criação de modelos digitais de governança para esse grupo específico, como o RARAS — que busca padronizar dados e ampliar a interoperabilidade entre centros de referência —, o país ainda está pavimentando o caminho para superar práticas heterogêneas de coleta de dados, baixa alfabetização digital e ausência de padrões unificados de metadados no contexto das doenças raras (6).
Sustentabilidade do SUS
O caráter federativo e descentralizado do SUS traz ganhos em capilaridade, mas também amplia o risco de sobreposição de ações e ineficiências no uso dos recursos (7,8). Por isso, a saúde digital tem papel central ao integrar dados e serviços de diferentes esferas, permitindo maior racionalidade na organização do cuidado.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), grupo composto por gestores estaduais, defende que as inovações fortalecem a sustentabilidade do SUS ao organizar a rede, reduzir desperdícios e facilitar o acesso a exames, diagnósticos e tratamentos.
“As inovações tornam o cuidado mais ágil e eficiente. Em um sistema de recursos limitados, tecnologias que simplificam a jornada do paciente são estratégicas porque fortalecem a Atenção Primária à Saúde (APS), onde a estratificação de risco garante que casos simples sejam resolvidos localmente, liberando os serviços de média e alta complexidade para situações de maior gravidade”, afirma o Conass, em nota enviada à reportagem.
Outro ponto destacado pelo conselho é o potencial da tecnologia para reduzir o tempo de espera no SUS. Ferramentas como monitoramento de filas, gestão de agendas, regulação com prioridade clínica, telessaúde e prontuário eletrônico permitem otimizar recursos e dar mais agilidade ao atendimento.
Entre os ganhos para o paciente, está a descentralização de serviços, que diminui deslocamentos e aproxima o cuidado das comunidades. Para que isso aconteça de forma consistente, o Conass defende o fortalecimento das Redes de Atenção à Saúde, a APS como ordenadora do cuidado e investimentos em infraestrutura tecnológica e capacitação, assegurando maior eficiência e equidade no acesso.
Nesse mesmo debate, os critérios de avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) (9) ainda enfrentam limitações: embora considerem eficácia, segurança e custo-efetividade das tecnologias em análise deixam de incluir cenários organizacionais e logísticos inovadores. Isso impacta especialmente doenças raras, como a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN). Um estudo recente mostrou que mais da metade dos pacientes precisa se deslocar quinzenalmente para outros municípios a fim de receber a medicação, percorrendo em média 101 km por viagem e enfrentando trajetos de até três horas nos dias de infusão. Esses deslocamentos geram barreiras logísticas significativas e custos indiretos não contabilizados, como transporte, absenteísmo e sobrecarga física e emocional, que afetam diretamente a adesão e a qualidade de vida dos pacientes (10).
Tecnologia e equidade
O diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), Arthur Aguillar, avalia que o SUS vive uma “fase interessante” na incorporação de tecnologia. Para ele, os avanços recentes têm mudado a forma de cuidar e trazem promessas capazes de transformar a vida das pessoas.
Arthur ressalta que as tecnologias de informação e comunicação já são parte fundamental do cotidiano do sistema: lembram pacientes de consultas e exames, convocam para campanhas de vacinação e facilitam o acompanhamento de doenças crônicas. “O efeito desse contato mais próximo e acessível é muito positivo para o paciente e para o sistema. É fato que a tecnologia melhora o vínculo, e isso é primordial para a saúde. Hoje já é possível pedir um exame remotamente. A oferta de serviços do SUS precisa se assemelhar a um aplicativo de banco: grandes serviços com facilidade”, afirma.
A visão é compartilhada pela pesquisadora Carla Pintas Marques, da Universidade de Brasília (UnB), que aponta o potencial da telemedicina para reduzir o abismo assistencial. “Em um país continental como o Brasil, o acesso não é igualitário. Enquanto alguns têm acesso a tratamentos de ponta, outros enfrentam condições precárias. A telemedicina e a teleconsulta podem uniformizar esse acesso e levar profissionais especializados a comunidades isoladas”, afirma.
Exemplos simples ilustram essa transformação: no Acre, um médico da atenção primária pode discutir o manejo de um paciente diabético com um endocrinologista por videoconferência. Em outras localidades, grupos de WhatsApp ajudam agentes comunitários a acompanhar as famílias sob sua responsabilidade. Esses recursos reduzem filas, aceleram diagnósticos e aproximam a população dos serviços de saúde.
Experiências internacionais reforçam esse potencial. No Reino Unido, programas de cuidado domiciliar associados à telessaúde reduziram internações por condições crônicas em até 30% (11). Em países nórdicos, a descentralização da dispensação de medicamentos em unidades básicas aumentou a adesão terapêutica e reduziu custos indiretos, como transporte e absenteísmo (12).
No Brasil, a digitalização também avança em aspectos estruturais. A adoção do Cartão Nacional de Saúde com CPF como identificador único fortalece a integração entre bases de dados e torna o atendimento mais seguro para o cidadão (13).
Para especialistas, a medida é um marco de eficiência e equidade. “Unificar os dados no CPF facilita o registro e o atendimento. Isso pode abrir caminho para um grande protocolo nacional, capaz de tornar o SUS mais dinâmico e eficaz”, avalia Carla Pintas.
A lógica é clara: quanto mais o cuidado é oferecido próximo da comunidade, mais eficiente se torna a gestão de recursos e mais justo o sistema se torna. Essa conexão entre descentralização, acesso local e sustentabilidade é estratégica não apenas para reduzir desperdícios, mas também para garantir equidade no alcance dos serviços públicos de saúde (14).
REFERÊNCIAS
1. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Ministra Nísia Trindade acompanha primeira teleinterconsulta em território Yanomami. Brasília: Ministério da Saúde, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/ministra-nisia-trindade-acompanha-primeira-teleinterconsulta-em-territorio-yanomami. Acesso em: 3 out. 2025.
2. OLIVEIRA, A. M. de; VALADÃO, M. A. P.; TABAK, B. M. Public Telemedicine Policy in Brazilian Unified Health System: An Impact Analysis. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 21, n. 6, p. 657, 2024. DOI: https://doi.org/10.3390/ijerph21060657.
3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988.
4. VIANA, A. L. D.; MACHADO, C. V. Descentralização e coordenação federativa: a experiência brasileira na saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 3, p. 807-817, 2009.
5. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Acessar a plataforma móvel de serviços digitais do Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, [s.d.]. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/servicos/acessar-a-plataforma-movel-de-servicos-digitais-do-ministerio-da-saude. Acesso em: 3 out. 2025.
6. BERNARDI, F. A. et al. Paving the way for Brazil’s first national rare diseases registry: the RARAS data governance model. BMC Digital Health, v. 3, n. 61, 2025. DOI: https://doi.org/10.1186/s44247-025-00200-5.
7. VIANA, A. L. D.; MACHADO, C. V. Descentralização e coordenação federativa: a experiência brasileira na saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 3, p. 807-817, 2009.
8. PIRES, R. M.; GERSCHMAN, S. Desafios da governança no SUS: cooperação e coordenação em um sistema federativo. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 4, p. 814-832, 2020.
9. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes da Conitec. Brasília: Ministério da Saúde, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br. Acesso em: 3 out. 2025.
10. HIRTH, W. et al. Challenges in Treating PNH Patients in Brazil’s Public Healthcare System. Value in Health, v. 27, n. 12, p. S500-S501, 2024.
11. NHS ENGLAND. Enhanced Health in Care Homes Framework. Londres: NHS, 2023. Disponível em: https://www.england.nhs.uk/ehch/. Acesso em: 3 out. 2025.
12. OECD. Primary Care and the Integration of Health Systems in Nordic Countries. OECD Health Working Papers, 2022.
13. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Novo Cartão Nacional de Saúde com CPF: como funciona na prática. Brasília: Ministério da Saúde, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/setembro/novo-cartao-nacional-de-saude-com-cpf-como-funciona-na-pratica. Acesso em: 3 out. 2025.
14. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Primary health care: closing the gap between public health and primary care. Genebra: OMS, 2022
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M-BR-00022714 – Outubro/2025.
 
			
 
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