Quando os algoritmos nos conhecem melhor do que nós mesmos
Humanos e tecnologia

Quando os algoritmos nos conhecem melhor do que nós mesmos

Da descoberta da bissexualidade pelo TikTok até a da gravidez pela Huggies.

Yuval Harari, autor dos livros Sapiens e Homo Deus, em artigo publicado no Financial Times, cita o poder dos algoritmos utilizados pelo governo da China para controlar a pandemia. Naquele país, câmeras de segurança fazem o reconhecimento facial das pessoas nas ruas e cruzam esses dados com informações de comportamento das mesmas, capturados pelos telefones celulares (exemplo: onde passaram, o que fizeram e compraram), e, por fim, com os dados de saúde (exemplo: temperatura corporal e ficha aberta em hospital). A partir desses cruzamentos, o governo consegue construir algoritmos para predizer se uma pessoa está doente antes mesmo de ela manifestar sintomas, obrigando-as a ficar em quarentena. Não é preciso fechar cidades inteiras, mas apenas isolar pessoas, uma a uma.

É assim que o algoritmo sabe mais sobre o corpo das pessoas do que elas mesmas

A construção do algoritmo se dá a partir de informações que classificamos como Entradas e Saídas. De um lado, os milhões de dados de comportamento, como localização, sites por onde navegou, pessoas com quem se encontrou, vezes que usou o telefone, temperatura do corpo, cidade, entre outros. Essas são as Entradas. Do outro lado, estão as confirmações de casos de Covid-19. Essas são as Saídas. O algoritmo é o conjunto de regras e cálculos matemáticos que expressam essa equação em que milhares de microcomportamentos podem estar ligados ao diagnóstico positivo da doença.

Diagrama de Inteligência Artificial aplicado à política de saúde pública

A partir da construção do algoritmo, quando uma nova pessoa entra na mesma “trilha” de traços de comportamento que podem indicar a enfermidade, o algoritmo faz as contas e acende a luz vermelha. Uma série de aplicativos hoje seguem a mesma lógica e procuram alertar usuários de celular quando estão próximos a um quadro de depressão, entre outros.

A descoberta da bissexualidade pelo TikTok

Uma história recente foi relatada pela colunista do Mashable, Jess Joho, em um artigo que começa apresentando “a lista de pessoas que perceberam que eu — uma mulher cis que se identificou como heterossexual por décadas de vida — era, na verdade, bi muito antes de eu mesma perceber recentemente: minha irmã, todos os meus amigos, meu namorado e o algoritmo do TikTok”.

Ela relata que inicialmente era bombardeada de vídeos tolos com cachorros, gatos e danças de jovens em frente às câmeras dos celulares. O tempo foi passando, e o aplicativo foi capaz de, segundo ela, “ler a sua alma” trazendo pequenos gostos inconscientes para sua mente consciente. Ela até diz que, em um momento, isso pareceu um ataque pessoal, mas era a verdade.

Assim como na história da pandemia, o algoritmo estava concluindo que, entre seus milhares de microcomportamentos (Entradas), havia traços cuja combinação apontavam para uma alta propensão a gostar de conteúdos que outras bissexuais gostam (Saídas).

Tratei do poder do algoritmo do TikTok em artigo recente publicado nesta MIT Technology Review Brasil, no qual comento a notícia de que o valor de venda da operação americana do TikTok valeria muito pouco se não fosse o algoritmo. Segundo analistas ouvidos pelo The Wall Street Journal, “o TikTok sem algoritmos é igual a um lindo carro por fora, mas com motor porcaria por dentro”.

Como as empresas podem também usar os algoritmos? A história da Huggies

Em seu livro “Inteligência Artificial na Prática”, Bernard Mar cita o uso dos algoritmos pela Kimberly Clark, uma das maiores empresas de bens de consumo do planeta. Dona da marca Huggies, sob a qual vende fraldas, lenços umedecidos, shampoo para bebês, entre outros, a empresa aprendeu que, quanto mais cedo puder introduzir seus produtos na vida dos futuros pais, maior a probabilidade de eles comprarem e continuarem comprando da marca.

A empresa cria seus algoritmos de acordo com o que chama de “eventos da vida”. Para a marca de fraldas, por exemplo, um importante evento da vida é a gravidez. A empresa então procura predizer quando as consumidoras ficarão grávidas para se comunicarem com elas o mais cedo possível. Logo no início dessa jornada, oferecem às mães um programa de fidelidade que, além de conteúdo para auxiliar na gravidez, dá descontos e cupons de acordo com a fidelidade e recompra de produtos da marca.

Todos os dias, 15 mil produtos da fabricante são vendidos por segundo no mundo. Todas essas vendas geram traços (Entradas), que vão desde o preço, passando pelo local da venda, perfil dos consumidores, dados das redes sociais até informações externas de institutos de pesquisa. Todo esse esforço vale a pena para encontrar o consumidor certo na hora certa.

A empresa divulga um aumento de 17% no total de inscrições de consumidores no seu programa por causa do uso dessa forma preditiva de trabalhar, além de um aumento de 24% nas conversões graças à recomendação de produtos baseada em propensão.

Respeitando-se a privacidade, é possível usar dados para oferecer serviços e produtos mais relevantes aos consumidores. Isso sim é experiência. O investimento na melhor entrega se paga quando, adiantando-se à concorrência, uma marca pode encantar seus consumidores e assim tê-los por mais tempo ao seu lado.

E no seu negócio? Quais são as infinitas Entradas possíveis de dados que, combinadas com as Saídas (clientes, compradores ou eventos da vida), podem criar oportunidades de comunicação únicas na vida dos consumidores?

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