O mundo vem mudando numa velocidade cada vez mais acelerada. Eventos disruptivos acontecem de forma rotineira. A pandemia da Covid-19 é um exemplo, pois revolucionou conceitos, como o de trabalho, e mudou a nossa relação com a tecnologia. E, por sua vez, a revolução tecnológica tem alterado de forma vertiginosa e decisiva as estruturas empresariais. Com a velocidade das mudanças, o caminho que leva ao futuro é feito de criatividade, agilidade e capacidade de inovar. De encontrar novas fórmulas para resolver problemas antigos com mais efetividade. Empresas, instituições e até mesmo governos que não se esforçarem para acompanhar as mudanças correm sério risco de serem “disruptados”.
Vivemos um daqueles momentos em que a história empresarial faz curva. Gosto de fazer uma analogia da trajetória atual com o que ocorreu nos anos 1970-80 nos EUA por meio da indústria de Private Equity e seus instrumentos de alavancagem e gestão financeira. Naquele momento, uma série de ferramentas e princípios inovadores passaram a estar disponíveis aos investidores e administradores. Inovações que solidificaram a relação do “mundo corporativo” com o “mundo financeiro”. É como se os mundos financeiro e corporativo se conectassem por cartas até que um belo dia surgiu o telefone com fio para que eles pudessem “falar ao vivo”. Pode-se dizer que isso dividiu as empresas em dois grandes grupos: (i) aquelas que aderiram às inovações em sua estratégia e no seu dia-a-dia; e (ii) aquelas que sumiram do mapa (foram compradas ou fechadas).
Nesse contexto, empresas e empreendedores brasileiros têm se reposicionado e se reinventado de forma notória. O Brasil melhorou, por exemplo, o seu posicionamento como hub global de tecnologia. Conseguimos ver que, gradualmente, inovação e sustentabilidade vêm ganhando espaço nas estratégias corporativas. Isso é algo fundamental, uma vez que não é mais possível desassociar conceitos como desenvolvimento e competitividade da ideia de inovação em seu sentido mais amplo. Uma abordagem que contempla não só produtos e serviços, mas também relacionamento com o meio ambiente, com o funcionamento da organização e com a escolha das tecnologias adotadas. Para qualquer instituição, inovar deixou de ser uma opção e se tornou uma questão de sobrevivência, uma ferramenta necessária para enfrentar os desafios atuais e que precisa estar no centro da estratégia.
As filosofias “de propósito”, “de impacto” ou “de sustentabilidade” batizam com diferentes nomes essa nova onda de inovações para administração ou para investimentos que passam a estar disponíveis às empresas, aos governos ou ao terceiro setor. Ferramentas que solidificam a relação dos mundos corporativos e financeiros com os mundos sociais, ambientais e tecnológicos.
Esse novo ferramental amplia o atual mundo unidimensional financeiro das empresas para um mundo multidimensional. É como se deixássemos para trás um tempo em que as empresas conversavam com o mundo através de um sinal de voz transmitido por fio, para uma era em que a relação das empresas com o “mundo real” se dará por uma transmissão de vídeo com realidade virtual e sonorização 4D – a história a ser contada pode até ser a mesma de uma ligação telefônica nos anos 80, mas a percepção, a velocidade e a capacidade de impactar o ouvinte ampliaram-se vertiginosamente.
As empresas e governos que adotarem mais rapidamente essas ferramentas sairão na frente. E, nesse mundo digital, exponencial, volátil e incerto, qualquer segundo de vantagem pode fazer muita diferença. Especialmente quando a vantagem se dá em múltiplas dimensões, como, por exemplo: (i) acesso a capital; (ii) capacidade de inovação; (iii) agilidade na adaptação da (des)organização interna; (iv) comunicação; (v) governança; (vi) e gestão de risco. A adoção da cultura de propósito (ou sustentabilidade) faz com que empresas que “colaboram em prol de uma causa” ganhem a corrida daquelas que “competem pelo lucro”. Na corrida unidimensional é mais simples e eficiente focar tudo no lucro. No mundo multidimensional, os horizontes (e ameaças) se abrem de tal maneira que focar em apenas uma dimensão (seja ela qual for) levará à certeza da descontinuidade.
Vida difícil para os administradores? Nem pensar! Vida muito mais divertida, longeva e sustentável. O executivo deixou de ser uma “máquina de gerar lucros” para ser um “agente de transformação social e ambiental”. Difícil é ficar contando os salários e bônus esperando o sonhado dia de “parar de trabalhar” ou “largar tudo para viver uma vida mais realizada”. As empresas, executivos e investidores que entenderem que a organização está aí para servir a todos (sem exceção), possivelmente terão uma vantagem competitiva sobre aqueles que não entenderem.
Num mundo onde navegar com a humildade do desconhecimento será um atributo de grande valia, empresas, governos e instituições que estiverem ancoradas na maior quantidade possível de dimensões (financeiras, sociais, ambientais, tecnológicas, reputacionais, etc.) certamente ficarão de pé por mais tempo. Com apenas uma base unidimensional de sustentação, qualquer vento pode te derrubar. Busquemos sustentar nossas empresas no maior número de bases possíveis. Não sabemos quando, nem qual delas vamos precisar, mas certamente iremos. Afinal, os ventos vão bater para todos os lados. E com força.
Este artigo foi produzido por Gustavo Montezano, Presidente do BNDES e colunista da MIT Technology Review Brasil.
Gustavo Montezano
