Personalização e troca de know-how ampliam a oncologia do futuro
HealthHealth Innovation por Einstein

Personalização e troca de know-how ampliam a oncologia do futuro

Do papiro datado de 2.625 a.C. até a medicina de precisão, o câncer deixou de ser descrito como um mistério para ser encarado como uma doença previsível e, sobretudo, tratável.

O primeiro registro do câncer na história foi encontrado entre os 48 casos relatados pelo médico egípcio Imhotep, em um papiro datado de 2.625 antes de Cristo. O intelectual do Antigo Império descreveu tumores como “massas salientes” que se espalharam “frias, duras e densas como uma fruta”, segundo escreveu o oncologista Siddhartha Mukherjee no livro “O imperador de todos os males: uma biografia do câncer”, obra vencedora do prêmio Pulitzer 2011 na categoria “Não ficção”.  

Dada a limitação da época, o achado restringiu-se à descrição da doença. Diagnosticá-la e tratá-la — o que só se tornou possível devido a inovações reservadas a um futuro bem longínquo — era algo impensável. E foi essa conclusão que, conforme a hipótese levantada por Mukherjee, pode ter causado um hiato de dois milênios até o surgimento de novos relatos sobre o câncer na medicina antiga. No papiro de Imhotep, o “caso 45” foi registrado como uma doença sem indicação de terapia.  

Em um salto cronológico, o mundo do século XXI passou por uma verdadeira revolução no tratamento de pessoas com câncer, desde a prevenção e o diagnóstico até o tratamento e a reabilitação. Nas últimas décadas, a investigação sobre as patologias abriu espaço para um novo momento na história da medicina, em que os pacientes são colocados no centro do cuidado. O arcabouço tecnológico da atualidade permite que a saúde de cada indivíduo seja tratada com base em predição, rastreamento e tratamento personalizado. Essa é a oncologia do futuro.  

O Tratuzumabe, aprovado em 1998, nos Estados Unidos, foi o primeiro medicamento oncológico focado no defeito genético responsável pelo desenvolvimento do câncer. A partir de então, houve um avanço considerável no desenvolvimento de terapias inovadoras.  

No Brasil, em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou dois tratamentos ultrapersonalizados com células CAR-T, que utilizam células do próprio paciente geneticamente modificadas contra o câncer.  Mesmo procedimentos mais agressivos, como a tão conhecida quimioterapia, passam a ter os efeitos colaterais reduzidos; intervenções cirúrgicas, por sua vez, tornaram-se menos invasivas.  

Essas inovações estão ancoradas nos avanços proporcionados pela genômica. Na oncologia, essa área da ciência tem sido fundamental para o entendimento sobre a origem de tumores malignos e contribui para que os tratamentos sejam moldados de maneira mais assertiva. 

O presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Sidney Klajner, destaca que a investigação genética somada à Inteligência Artificial (IA) permite entender padrões dentro do tratamento oncológico de uma população, ajudando, assim, os médicos a tomarem melhores decisões para os pacientes. 

O cérebro humano é incapaz de ver coisas que existem em comum entre 20.000 casos de câncer, por exemplo, mas a Inteligência Artificial consegue. A medicina de precisão, pautada por sequenciamento genético e Inteligência Artificial, permite entender muito melhor a evolução da doença e saber qual é a melhor hora de entrar com uma medicação. Não temos mais um tratamento único para um determinado tipo de câncer, e sim um tratamento para cada paciente”, explica. 

Cirurgia de precisão 

Avanços no campo da cirurgia são também determinantes no sucesso do combate ao câncer. O City of Hope, um dos principais centros independentes do mundo para estudo e tratamento do câncer, investe em tecnologias cirúrgicas inovadoras para pacientes que precisam retirar o tumor antes de iniciarem o tratamento quimioterápico.  

O centro pesquisa atualmente, por exemplo, os avanços na quimioterapia intraperitoneal hipertérmica destinada a pacientes com câncer de colo e de ovário.  Após a retirada do tumor, o tratamento consiste na aplicação de quimioterapia aquecida diretamente no abdome para destruição de células residuais. O objetivo é reduzir as chances de metástase e aumentar a sobrevida da paciente. 

“A cirurgia é local e realizada por meio de pequenas incisões para ser o mais assertiva possível. A vantagem é que o tratamento reduz os efeitos colaterais da paciente e melhora sua qualidade de vida”, detalha o diretor médico do City of Hope, Vijay Trisal, em entrevista à MIT Technology Review Brasil. 

Diagnóstico baseado em IA  

A Varian Medical Systems, fabricante de equipamento de radiação, comprada pela Siemens Healthineers em 2020, conhece de perto a realidade brasileira e colabora com o aperfeiçoamento de profissionais no país. A empresa possui uma equipe de 12 pesquisadores alocados no Einstein para realizar uma espécie de intercâmbio de conhecimento com os médicos locais. 

Estudos sobre a radioterapia adaptativa estão na lista das pesquisas em desenvolvimento pela companhia tanto na Califórnia (EUA), onde está sediada, quanto no Brasil. Pouco investigado por aqui, esse tratamento utiliza o diagnóstico preditivo, baseado em inteligência artificial para acompanhar o impacto da radioterapia no tamanho e na localização do tumor. 

“É uma avaliação em tempo real que permite mudanças de planos no tratamento com base na resposta do corpo. Por esse motivo, é uma terapia bem precisa”, explica a vice-presidente da Variant, Amy Hay, que visita o Brasil e o Einstein pelo menos uma vez ao mês.  

Multiplicação de know-how  

Os registros de câncer aumentam no país, reafirmando a necessidade de constante inovação no setor oncológico. De acordo com o estudo “Estimativa 2023: Incidência de Câncer no Brasil”, realizado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), de 2023 a 2025, são esperados 704 mil novos casos da doença. Ao todo, foram estimadas ocorrências para 21 tipos de câncer com maior incidência no país, dois a mais que no triênio anterior, entre eles o de pele não melanoma (31,3%), o de mama feminina (10,5%), o de próstata (10,2%) e o de cólon e reto (6,5%).

Na avaliação do diretor médico do City of Hope, ainda existem, mundialmente, carências na área de diagnóstico. A limitação da expertise dos médicos acaba prejudicando as possibilidades de tratamento dos pacientes.  

“Cerca de 15% dos diagnósticos de câncer nos Estados Unidos, e mesmo na América, são equivocados porque o patologista não é especialista. Quando você obtém o diagnóstico correto, você tem o tratamento correto”, afirma Vijay Trisal. 

Para compartilhar os estudos do City of Hope com pesquisadores interessados, a equipe do oncologista indiano firma parcerias com centros e hospitais de referência em câncer de todo o mundo, como o Hospital Israelita Albert Einstein. 

Os pesquisadores da instituição norte-americana trocam informações técnicas com os colegas do Einstein para que ambos possam avançar no tratamento do câncer e, assim, replicar o conhecimento adquirido na área, reforçando o compromisso de extrapolar esse know-how para sistema público de saúde.   

“As parcerias locais são importantes para que possamos ir até o paciente e falar com ele em seu idioma, falar com ele sobre sua cultura e falar com ele sobre suas esperanças e expectativas. Eu também chamaria isso de inovação”, analisa Vijay. 

O aperfeiçoamento profissional, segundo Sidney Klajner, é fundamental para se fazer a oncologia do futuro. Por isso, a troca de informações especializadas e o investimento em equipes multidisciplinares estão presentes nas instituições de referência.  

“É importante trabalharmos em times em que cada um possa se dedicar mais a algo específico dentro de um grande volume de conhecimento. Se continuarmos com a medicina do passado – na qual os médicos têm um pouco de conhecimento sobre tudo –, não vamos entregar o que precisamos, especialmente na oncologia, que carece de novas descobertas e tratamentos de vanguarda ainda menos invasivos”, afirma.  

Segundo a oncologista da Varian, o conhecimento na área médica dobra a cada sete dias, ao mesmo tempo em que a tecnologia avança de forma cada vez mais acelerada 

“Cerca de 80% dos pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas têm uma mutação EGFR [proteína que exerce função associada ao crescimento e à sobrevida das células]. Então precisamos educar os médicos, começando pela genômica e pela genética pura, e depois ensiná-los sobre imunoterapias e observar a disponibilidade e o acesso a testes clínicos”, diz. 

Multiplicar a tecnologia de ponta em centros de oncologia de diferentes regiões do mundo exige eficiência e organização, complementa Amy. O desafio, contudo, é superável. Entre as estratégias da companhia para democratizar o conhecimento, está a atuação em parceria com os fornecedores, a criação de fluxos de trabalho e o uso de IA para execução de serviços burocráticos. 

“O Brasil possui médicos de referência em oncologia. Então, trata-se apenas de liberar o acesso ao conhecimento e liderar a inovação por meio da educação, capacitando os pesquisadores tecnologicamente”, avalia. 

Novo centro de cuidados

A equipe da oncologista participa do projeto de estruturação do Centro de Cuidados e Terapias Avançadas em Oncologia e Hematologia, do Einstein, com lançamento previsto para 2025, na Zona Sul de São Paulo. Trata-se de um complexo médico que vai liderar a adoção da medicina de precisão por meio de planejamento de cuidados personalizados, inovação, ciência e tecnologia.  

O principal objetivo do centro é dar suporte desde a prevenção, o diagnóstico até a reabilitação de pacientes com câncer — incluindo tratamento psicossocial, físico, emocional e espiritual   e desenvolver um espaço para colaboração global em genética, genômica, big data, pesquisa translacional (que busca reduzir o distanciamento da produção do conhecimento) e tecnologia inovadora. O investimento previsto é de R$ 1,2 bilhão, dos quais R$ 400 milhões virão do Einstein, e a outra fatia, da incorporadora do projeto. 

De acordo com o Einstein, a estrutura deve ocupar uma área de 38 mil m². Ao todo, serão dez salas cirúrgicas, sendo uma sala híbrida e duas salas de cirurgia robótica; 160 leitos automatizados, 20 UTIs, 20 unidades semi-intensivas; 120 clínicas médicas cirúrgicas; 84 consultórios; 36 salas de quimioterapia e 15 postos de laboratório.  

Também haverá um sistema de intervenção guiada por imagem, ressonância magnética, tomografia computadorizada, PET-CT (um dos exames utilizados para a detecção do câncer), aceleradores lineares e banco de sangue. O espaço também abrigará um pronto-socorro oncológico com capacidade para 12 mil atendimentos ao ano.  

“O novo centro vai ser construído dentro daquilo que idealizamos para tratar casos de oncologia e hematologia, para fazer procedimentos de detecção precoce e expandir conhecimento, e para agregar ao ensino e à pesquisa, principalmente à pesquisa translacional”, afirma o presidente do Einstein. “Ele mudará drasticamente o paradigma do tratamento do câncer, de imunoterapias direcionadas até a diversificação de ensaios clínicos para o que há de mais moderno em tecnologia terapêutica”.  

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