As faculdades “devem parar de formar (médicos) radiologistas”, disse, em 2017, Geoffrey Hinton, pesquisador de Inteligência Artificial do Google e da Universidade de Toronto, em entrevista para a New Yorker. Desde aquela época, diversos estudos foram publicados, entre eles o da faculdade de Medicina de Stanford que utilizou mais de 40 mil imagens de 14 mil diferentes laudos, mostrando que era possível treinar máquinas para “ver” melhor que radiologistas.
O reconhecimento de imagens é uma forma de IA muito utilizada hoje em dia. Ele funciona a partir do aprendizado da máquina depois de “ver” milhares de imagens e compará-las com o que as pessoas interpretaram delas – neste caso os médicos. A máquina encontra padrões e os reproduz em forma de diagnóstico para todas as novas imagens que receber dali para frente.
A interpretação de imagem de um radiologista pode ser classificada como “associal e em ambiente estruturado”, um prato cheio para a substituição pela IA. Essa classificação, criada inicialmente por Kai Fu Lee em seu livro “Inteligência Artificial”, nos ajuda a refletir sobre o futuro das profissões (Figura 1).
(Figura 1: adaptação livre a partir da matriz “risco de substituição” de Kai Fu Lee)
Quanto mais para a direita na matriz, mais baseado em criatividade e estratégia é o trabalho. Quanto mais para a esquerda, mais baseada em otimização é a atividade.
Repare que a provável substituição não tem nada a ver com renda. Empregadas domésticas e cabeleireiros, por exemplo, trabalham em ambientes desestruturados e – segundo essa classificação – correm risco menor quando comparados com cozinheiros, radiologistas e atendentes de telemarketing.
Já os profissionais responsáveis pela criatividade no marketing são um caso único.
Diretores de arte, redatores, designers e outros profissionais da área de criação sofrem, porque deles são esperadas habilidades dos dois opostos do eixo horizontal: devem ser extremamente criativos (lado direito), ao mesmo tempo que são responsáveis por métricas, otimização e escala das campanhas e ações de marketing inventadas por eles (lado esquerdo).
Em resumo: não adianta ser criativo e ter lindas ideias se elas não são otimizadas. Ao mesmo tempo, ideias medianas podem conquistar resultados melhores por saberem otimizar e escalar. Não existe certo e errado. Existe a certeza de que esse profissional deve ser híbrido para não ficar para trás. Mais do que aprender, ele precisa saber usar IA como braços biônicos.
Da comunicação de massa para a mensagem personalizada
Quando estudei design no início dos anos 2000, aprendi que a melhor forma de diagramar um texto incluía letras vermelhas e pretas no fundo branco. Essa era a receita de bolo criada pensando em agradar à maioria dos leitores.
Mesmo sabendo que cada pessoa gostava mais de uma cor, um texto, uma foto, um horário etc., não existia tecnologia para entregar uma mensagem diferente para cada pessoa. Porém, hoje, nos ambientes digitais (lembre-se que a TV também está cada vez mais digital), é possível se comunicar com a pessoa certa na hora certa, no canal certo e a partir de modelos preditivos e IA.
Uma parte crítica desse processo “um a um” é o da composição da mensagem. Nela, o papel dos profissionais de criação é de extrema importância. Entretanto, sem entender como a máquina funciona e o que pode ser feito com ela, eles podem ficar para trás. Aqui seguem minhas quatro dicas:
1) Fragmentar
O primeiro passo para esses especialistas é o de pensar em grades e templates. Quando olhar para um anúncio, eles devem visualizar áreas dinâmicas: o apego ao título vermelho dá lugar à criação de opções de cores e textos que serão trocados dinamicamente naquele espaço de título. Todas as áreas do anúncio passam a ser componentes. Nós chamamos de fragmentos.
Esse desapego a uma forma única acompanha todo o processo: o cliente não vai aprovar “um layout” e muito menos receberá fotos de comprovação da veiculação dos anúncios já que são milhares de combinações possíveis. Deve-se confiar no processo mais do que na forma.
2) Prototipar
Na definição da escolha de startups do MIT, o objetivo de criar um protótipo deve ser o de destruí-lo. Quando surgirem as melhores ideias, elas devem ser testadas na frente dos consumidores e não em salas de pesquisa. A partir daí, inicia-se um ciclo de escolher as melhores composições (grades) e os conteúdos com base nas conversões – e não com base no subjetivo gosto do cliente ou do diretor de criação.
3) Democratizar
Achar que a área de criação é nobre e apenas cria, enquanto outras áreas, como mídia e planejamento, otimizam é um erro. O profissional de criação precisa ser curioso e deve acompanhar os resultados o tempo todo. Ele tem a obrigação de saber como a tecnologia funciona, ter prazer em fazer experimentos e se sentir dono do processo todo.
Isso só é possível em estruturas horizontais e com times multidisciplinares. Departamentos separados e hierarquia na tomada de decisão atrasam os processos e prejudicam a otimização.
4) Experimentar
Em vez de usar premissas, como a de que “letras grandes e contraste são bons para consumidores mais velhos” ou a de que “jovens são mais digitais”, deve-se usar a capacidade criativa para gerar hipóteses e testar como cientista. Os resultados costumam ser surpreendentes.
Quem será substituído pela máquina?
A IA é cada vez mais barata e acessível dentro de plataformas que dão escala e velocidade. É um caminho sem volta que está revolucionando o marketing e entregando resultados incríveis.
O profissional de criação dificilmente será substituído pela máquina, pois a criatividade é humana e praticamente impossível de ser copiada pela IA. Porém, ao longo do tempo, o que vai definir os mais competentes criativos será a capacidade de trabalhar com toda essa tecnologia a seu favor. O melhor dos dois mundos: a melhor mensagem, que também vende mais.