Lei das Offshores e suas implicações às startups e fundos
Negócios e economia

Lei das Offshores e suas implicações às startups e fundos

Lei 14.754 traz algumas mudanças para startups, principalmente aos sócios fundadores residentes no Brasil, que deverão analisar minuciosamente os impactos de cada estrutura a ser proposta pelos investidores.

O ano de 2023 foi marcado por mudanças na política econômica no país, com a apresentação de um novo arcabouço fiscal que, na realidade, sinalizou desde o início a pretensão do governo pelo aumento da arrecadação. Com esse espírito, tivemos pautas relevantes na esfera tributária, como a aprovação da Reforma Tributária que já vinha sendo objeto de discussão há cerca de 40 anos; e, ao final do ano, após sucessivas tentativas, a aprovação da Lei 14.754/23, popularmente conhecida como “Lei das Offshores”, que alterou as regras de tributação dos investimentos no exterior e de fundos no Brasil.

É verdade que a norma foi editada com um objetivo nobre de equalizar uma distorção que havia nos investimentos mantidos no exterior por meio de estruturas offshore, mais conhecidas como Private Investment Companies (PIC), uma vez que tais estruturas representavam vantagens tributárias em detrimento aos investimentos realizados por pessoas físicas no país.

A estrutura sempre foi bastante utilizada como instrumento patrimonial e sucessório. No entanto, a edição da Lei 14.754/23 atinge também o setor de startups, que normalmente se utiliza de estruturas internacionais.

Lei nº 14.754 impacta estruturação internacional das empresas

Anteriormente à edição da norma, os contribuintes brasileiros sempre se utilizavam da PIC, bem como outras estruturas, para efetuar remessa de valores ao exterior com objetivos diversos — desde a pulverização da carteira com produtos financeiros até a proteção patrimonial e o planejamento sucessório.

Independentemente do objetivo pretendido, a internacionalização dos investimentos sempre se mostrou atrativa aos contribuintes brasileiros. Na indústria das startups, por exemplo, é comum vivenciarmos a internacionalização por meio dos chamados “flips”, que são estruturas societárias com objetivo de expandir a operação ao mercado internacional.

Os flips são mais comuns às startups que já receberam o investimento inicial, muitas vezes por meio de mútuos conversíveis de investidores-anjo, e que já estão preparadas para receber um investimento superior. A operação não é uma exclusividade das startups, pois também pode ocorrer com as empresas já consolidadas no mercado nacional que desejam obter acesso ao mercado internacional, ou que possuem intenção de realizar uma oferta pública inicial — (Initial Public Offering, ou IPO) —, por exemplo.

É importante ressaltar que, comumente, a adoção do flip é uma imposição do investidor, não havendo alternativa aos sócios fundadores caso possuam o interesse na captação daquele investimento.

A maioria dos fundos de Venture Capital (VC), responsável por esses investimentos relevantes, traz como exigência a estruturação internacional da startup como condição dos aportes, seja pela familiaridade com a governança, seja pela maior segurança jurídica que traz ao investidor.

Podemos afirmar também que a adoção do flip leva em consideração não somente a captação de investidores, mas também a ampliação da mão de obra, o acesso ao mercado internacional e a expansão do poder de alienação no exterior.

É bem verdade que a estrutura jurídica a ser adotada pelo investidor pode variar de acordo com o caso concreto, mas é comum a utilização de Dellaware, que é uma jurisdição favorável ao desenvolvimento de negócios para os empresários, e/ou de estruturas com offshores localizadas em paraísos fiscais, tais como Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, entre outros.

No caso das startups, a maioria dos flips não têm como objetivo a distribuição de dividendos aos acionistas, mas sim o exit, ou seja, o ganho com a venda da participação societária. Em geral, não é estratégia de gestão das startups a distribuição dos lucros no estágio inicial, mas sim o reinvestimento na própria operação.

Ainda assim, é possível que os sócios sejam remunerados posteriormente por meio de distribuição de dividendos, que no Brasil, até o momento, não é submetido à tributação do imposto sobre a renda. Contudo, na estrutura internacional os dividendos são tributados, mas com uma vantagem fiscal antes da edição da Lei 14.754/23, que é a tributação somente quando os dividendos fossem efetivamente distribuídos, o que permitia que os rendimentos fossem mantidos indefinidamente no exterior.

A manutenção dos investimentos no exterior representava, em outras palavras, um diferimento da tributação no Brasil até o momento da transferência desses recursos para o contribuinte pessoa física residente no país, adotando-se o regime de caixa.

A Lei das Offshores altera esse cenário com uma proposta de antidiferimento em linha com o restante dos países.

Rendimentos auferidos pelas entidades estrangeiras passam a ser tributados

O Brasil não possuía Regras CFC (Controlled Foreign Companies) — cujo objetivo é evitar a criação de estruturas utilizadas para transferir lucros a outros países no intuito de economizar tributos — para investimentos feitos por pessoas físicas. Era um dos poucos países que permitia o diferimento, o que reforça que a norma representa uma evolução diante do cenário internacional.

Com a edição da Lei nº 14.754, os rendimentos auferidos pelas entidades estrangeiras, desde que cumpridos alguns requisitos estabelecidos na legislação, passam a ser tributados, ainda que não sejam distribuídos aos sócios, adotando-se o regime de competência.

Antes da edição da norma, os rendimentos, quando distribuídos, eram tributados na tabela progressiva no Carnê-Leão. Atualmente, os rendimentos são tributados sob uma alíquota fixa de 15%, de forma anual, por meio da Declaração do Imposto de Renda a ser transmitido pelo acionista pessoa física no Brasil, independentemente da efetiva distribuição.

A nova regra não será aplicável a toda e qualquer startup que tenha realizado o flip, pois a tributação automática dos lucros da offshore ocorrerá somente nos casos em que a entidade seja caracterizada como uma controlada estrangeira.

A norma define que a offshore será uma controlada estrangeira quando o sócio detém 50% ou mais da participação societária da entidade, considerando também pessoas vinculadas, ou detém poderes para (direta ou indiretamente) eleger ou destituir os administradores.

No cenário hipotético em que a composição societária é distribuída de forma igualitária a cinco sócios distintos com 20% cada, sem nenhuma relação consanguínea, a princípio não haveria o que se falar em controlada estrangeira afastando, portanto, a regra imposta pela norma.

Além disso, o legislador impõe que a controlada estrangeira esteja localizada em país ou dependência com tributação favorecida ou beneficiária de regime fiscal privilegiado ou que apurem renda ativa inferior à 60% da renda total. Esses requisitos normalmente estão presentes na indústria das startups, uma vez que, em geral, a estruturação internacional envolve jurisdições com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado, e normalmente as entidades criadas são holdings puras, ou seja, não operacionais.

Ainda que sejam verificados os requisitos acima, o legislador traz uma alternativa para que os lucros permaneçam sendo tributados somente quando efetivamente distribuídos, que é a opção concedida aos sócios residentes no Brasil pelo regime de transparência. Ou seja, os sócios pessoas físicas poderão optar, desde que de forma conjunta, por declarar os bens, direitos e obrigações detidos pela entidade controlada como se fossem diretamente detidos pelos mesmos, sendo esta uma opção irrevogável e irretratável para aquela entidade durante o período em que o acionista pessoa física detiver a controlada no exterior.

De uma maneira ou de outra, ainda que o legislador tenha trazido impactos tributários aos sócios fundadores das startups que buscam a internacionalização da operação, a adoção da estrutura utilizando Cayman ou outras jurisdições conhecidas como paraísos fiscais (“Cayman Sandwich”, como conhecido na indústria) deverá ainda ser presente, pois continua a ser atrativo para os investidores VC, que não serão afetados pela Lei das Offshores e continuam a ser beneficiados, especialmente quando as transações são concluídas fora do Brasil.

É evidente que o planejamento tributário deverá ser observado caso a caso, mas parece também que a adoção do regime da transparência tende a ser um caminho a ser adotado pelos sócios pessoas físicas residentes no Brasil para manter o diferimento parcial.

Por fim, no que diz respeito ao ganho de capital auferido na venda da participação societária, a norma manteve a tributação para o acionista pessoa física residente no Brasil (15% a 22,5%) nos casos de controlada no exterior, incluindo a variação cambial na composição do cálculo do ganho de capital.

A norma editada ainda será regulamentada pela Receita Federal do Brasil para trazer maiores detalhamentos aos contribuintes. Ainda que as novas regras tenham trazido a tributação dos rendimentos auferidos no exterior por pessoas físicas residentes no Brasil, o objetivo foi de minimizar as distorções com os investimentos realizados por pessoas físicas no país. Para as startups, o novo cenário traz algumas modificações, principalmente aos sócios fundadores residentes no Brasil, que deverão analisar casuisticamente os impactos de cada estrutura a ser proposta pelos investidores.

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