A cada ano, o mundo passa a funcionar mais com baterias. Os veículos elétricos (VEs) ultrapassaram 10% das vendas globais de veículos em 2022 e estão a caminho dos 30% até o final desta década.
As políticas em todo o mundo vão simplesmente acelerar esse crescimento: a recente legislação climática nos EUA está aplicando bilhões na fabricação de baterias e criando incentivos para a compra de veículos elétricos. Enquanto isso, a União Europeia e vários estados nos EUA aprovaram a proibição de veículos movidos a gás a partir de 2035.
No entanto, a transição exigirá muitas baterias – e baterias melhores e mais baratas.
Atualmente, a maioria dos VEs é alimentada por baterias de íon-lítio, uma tecnologia que existe há décadas e que também é usada em laptops e telefones celulares. Todos esses anos de desenvolvimento ajudaram a reduzir os preços delas e melhorar seu desempenho, e assim, os VEs de hoje estão se igualando aos carros movidos a gasolina em termos de preço, além de poderem percorrer centenas de quilômetros entre uma carga e outra. As baterias de íons de lítio também estão sendo usadas para fins diferentes, incluindo armazenamento de eletricidade em redes elétricas para ajudar a equilibrar fontes de energia renováveis inconstantes, como eólica e solar.
Mas ainda há muito espaço para melhorias. Laboratórios acadêmicos e empresas estão procurando maneiras de aprimorar a tecnologia aumentando a capacidade de armazenamento, acelerando o tempo de carregamento e cortando custos. O objetivo é criar baterias ainda mais acessíveis que fornecerão armazenamento barato para a rede de energia e permitirão que os VEs percorram distâncias muito maiores com uma carga.
Simultaneamente, as preocupações com o fornecimento de materiais essenciais para a fabricação de baterias, como cobalto e lítio, estão impulsionando a busca por alternativas à química padrão de íon-lítio.
Em meio à crescente demanda por VEs e energia renovável e um crescimento no desenvolvimento de baterias, uma coisa é certa: as baterias desempenharão um papel fundamental na transição para o uso da energia renovável.
Confira o que esperar para 2023.
Uma drástica mudança de pensamento
Algumas abordagens bastante diferentes para baterias de VEs podem progredir em 2023, embora provavelmente demorem mais para causar um impacto comercial.
Um avanço para ficar de olho neste ano são as chamadas baterias de estado sólido. As baterias de íon-lítio e produtos químicos compatíveis usam um eletrólito líquido que transporta a carga, enquanto as baterias de estado sólido, por sua vez, substituem esse líquido por cerâmica ou outros materiais sólidos.
Esse processo permite armazenar mais energia em um espaço menor, melhorando potencialmente o alcance dos veículos elétricos. As baterias de estado sólido também podem mover a carga mais rapidamente, o que significa tempos de carregamento mais curtos. E como alguns solventes usados em eletrólitos podem ser inflamáveis, os defensores das baterias de estado sólido dizem que elas melhoram a segurança ao reduzir o risco de incêndio.
As baterias de estado sólido podem usar uma ampla gama de produtos químicos, mas um dos principais candidatos à comercialização usa lítio metálico. A Quantumscape, por exemplo, está focada nessa tecnologia e levantou centenas de milhões em financiamento antes de abrir o capital em 2020. A empresa tem um acordo com a Volkswagen para que suas baterias sejam usadas em carros até 2025.
Mas reinventar completamente as baterias se mostrou complicado, e também há preocupações quanto a degradação ao longo do tempo com as baterias de lítio-metal, bem como com os desafios de fabricação. A Quantumscape anunciou no final de dezembro que entregou amostras para testes a parceiros automotivos, um marco significativo no caminho para utilizar baterias de estado sólido em carros. Outros representantes da bateria de estado sólido, como a Solid Power, também estão trabalhando para construir e testar seus dispositivos. Mas, embora também possam alcançar marcos importantes em 2023, suas baterias não chegarão aos veículos em circulação este ano.
As baterias de estado sólido não são a única nova tecnologia a despontar. As baterias de íon-sódio também se desviam bruscamente da química das de íon-lítio comuns hoje em dia. Essas baterias têm um design semelhante ao das baterias de íon-lítio, incluindo um eletrólito líquido, mas, em vez de depender do lítio, usam o sódio como principal ingrediente químico. A gigante chinesa de baterias CATL planeja começar a produzi-las em massa em 2023.
As baterias de íon de sódio podem não melhorar o desempenho dos VEs, mas podem reduzir os custos porque dependem de materiais mais baratos e mais amplamente disponíveis do que as químicas de íon de lítio. Mas não está claro se essas baterias conseguirão atender às necessidades de alcance e tempo de carregamento dos VEs, e é por isso que várias empresas que buscam a tecnologia, como a norte-americana Natron, estão focando em utilizações menos complexas para o primeiro momento, como armazenamento estacionário ou dispositivos de micromobilidade como e-bikes e scooters.
Hoje, o mercado de baterias destinadas ao armazenamento de energia estacionária é pequeno — cerca de um décimo do tamanho do mercado de baterias VEs, de acordo com Yayoi Sekine, diretor de armazenamento energético da empresa de pesquisa de energia BloombergNEF. Mas a demanda por armazenamento de eletricidade está crescendo à medida que a instalação de energia renovável aumenta, uma vez que as principais fontes, como eólica e solar, são variáveis, e as baterias podem ajudar a armazenar energia para quando for necessário.
As baterias de íons de lítio não são ideais para armazenamento estacionário, embora sejam comumente usadas para isso hoje. Enquanto as baterias para VEs estão ficando menores, mais leves e mais rápidas, o principal objetivo do armazenamento estacionário é cortar custos. Tamanho e peso não importam tanto para o armazenamento em rede, o que significa que diferentes produtos químicos provavelmente servirão.
Uma estrela em ascensão no que diz respeito ao armazenamento estacionário é o ferro, e duas empresas podem se dar bem este ano. A Form Energy está desenvolvendo uma bateria de ferro-ar que usa um eletrólito à base de água e basicamente armazena energia usando oxidação reversível. A empresa anunciou recentemente a construção de uma fábrica de US$ 760 milhões em Weirton, West Virginia (EUA), com início programado para 2023. Outra empresa, a ESS, está construindo um tipo diferente de bateria de ferro que utiliza uma química semelhante e começou a fabricá-la em sua sede em Wilsonville, Oregon (EUA).
Mudanças dentro do padrão
As baterias de íon-lítio estão cada vez melhores e mais baratas, mas os pesquisadores estão aprimorando ainda mais a tecnologia para obter maior desempenho e custos mais baixos.
Parte da motivação vem da volatilidade dos preços dos materiais das baterias, o que pode levar as empresas a mudar os produtos químicos usados. “Se trata de um jogo de custo”, diz Sekine.
Os cátodos são normalmente uma das partes mais caras de uma bateria, e a variedade dominante utilizadas em VEs atuais é um tipo de cátodo chamado NMC (níquel-manganês-cobalto). Mas esses três elementos, além do lítio, são caros, então cortar alguns ou todos pode ajudar a diminuir os custos.
Este ano pode ser um ano marcante para uma alternativa: fosfato de ferro e lítio (LFP), um material de cátodo de baixo custo às vezes usado em baterias de íon-lítio.
Melhorias recentes na química e na fabricação de LFP ajudaram a aumentar o desempenho dessas baterias, e há também um crescimento na adoção dessa tecnologia pelas empresas: a participação no mercado de LFP está crescendo rapidamente, de cerca de 10% do mercado global de VE em 2018 para cerca de 40% em 2022. A Tesla já está usando baterias LFP em alguns veículos, e montadoras como Ford e Volkswagen anunciaram que planejam começar a oferecer alguns modelos de VEs com a variedade química também.
Embora a pesquisa de baterias tenda a se concentrar na química do cátodo, os ânodos também estão na fila para receber uma reformulação.
A maioria dos ânodos das baterias de íon-lítio hoje, independentemente da composição do cátodo, usa grafite para reter os íons de lítio. Mas alternativas como o silício podem ajudar a aumentar a densidade de energia e acelerar o carregamento.
Os ânodos de silício têm sido objeto de pesquisa há anos, mas historicamente não tiveram uma vida útil longa o suficiente para durar em produtos. Agora, porém, as empresas estão começando a expandir a produção desses materiais.
Em 2021, a startup Sila começou a produzir ânodos de silício para baterias em um dispositivo portátil de monitoramento fitness. Recentemente, a empresa recebeu uma doação de US$ 100 milhões do Departamento de Energia dos Estados Unidos para ajudar na construção de uma fábrica em Moses Lake, Washington (EUA). A fábrica atenderá à parceria da Sila com a Mercedes-Benz e deverá produzir materiais para baterias de veículos elétricos a partir de 2025.
Outras startups estão estudando formas de misturar silício e grafite para os ânodos. A OneD Battery Sciences, que fez parceria com a GM, e a Sionic Energy podem avançar este ano em termos de comercialização.
Políticas que moldam os produtos
A Lei de Redução da Inflação, aprovada no final de 2022, reserva quase US$ 370 bilhões em financiamento para o clima e energia limpa, incluindo bilhões para fabricação de veículos elétricos e baterias. “Todo mundo está pensando na Lei de Redução”, diz Yet-Ming Chiang, pesquisador de materiais do MIT (EUA) e fundador de várias empresas de baterias.
A Lei de Redução concederá empréstimos e doações aos fabricantes de baterias nos EUA, aumentando a capacidade de produção delas. Além disso, os créditos fiscais na lei em relação aos VEs incentivam as montadoras a adquirir materiais de bateria nos EUA ou de seus parceiros de livre comércio, e fabricar baterias na América do Norte. Devido ao financiamento da lei e das restrições de crédito fiscal de VEs, as montadoras continuarão anunciando novas capacidades de produção nos EUA e encontrando novas maneiras de obter materiais.
Tudo isso significa que haverá cada vez mais demanda pelos principais ingredientes das baterias de íon-lítio, incluindo lítio, cobalto e níquel. Um possível resultado dos incentivos da Lei de Redução é um aumento no interesse já crescente em torno da reciclagem de baterias. Embora não haja VEs nas ruas tão cedo para atender à demanda por alguns materiais cruciais, a reciclagem está começando a chamar a atenção.
A CATL e outras empresas chinesas lideraram a reciclagem de baterias, mas a indústria pode experienciar este ano um crescimento significativo em outros grandes mercados de VEs, como América do Norte e Europa. A Redwood Materials, com sede em Nevada (EUA), e a Li-Cycle , com sede em Toronto (Canadá), estão construindo instalações e trabalhando para separar e purificar os principais metais da bateria, como lítio e níquel, para serem reutilizados nos dispositivos.
A Li-Cycle deve começar a colocar para funcionar sua principal instalação de reciclagem em 2023. Enquanto a Redwood Materials começou a produzir seu primeiro produto, uma folha de cobre, em sua instalação nos arredores de Reno, Nevada (EUA), e anunciou recentemente planos para construir sua segunda instalação a partir deste ano em Charleston, Carolina do Sul (também EUA).
Com a enxurrada de dinheiro vinda da Lei de Redução e outras políticas em todo o mundo alimentando a demanda por VEs e suas baterias, 2023 será um ano para se ficar de olho.