Essas “batatas” do fundo do mar podem ser o futuro da mineração para a produção de energia renovável
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Essas “batatas” do fundo do mar podem ser o futuro da mineração para a produção de energia renovável

Os materiais para baterias de lítio estão no fundo do mar. Devemos coletá-los?

O que você encontrará neste artigo:

Minerar o oceano
Quem decide o que fazer

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Estive viajando no início de abril e, por uma coincidência do destino, pude visitar um dos meus lugares favoritos no mundo: a exposição de tubarões-baleia no Georgia Aquarium em Atlanta (EUA).

Com mais de 30 milhões de litros de água doce e salgada, o tanque é enorme e abriga seis tubarões-baleia de tamanho real, assim como várias jamantas (ou arraias-manta) e outras criaturas marinhas variadas. Lembro-me da primeira vez em que as vi, sentada em frente ao ponto principal de observação em uma excursão escolar, cativada por essa gigantesca variedade de vida marinha. Mas em comparação com o oceano, mesmo essa enorme exibição é insignificante diante da imensidão do mar aberto.

Mesmo antes desta viagem ao aquário, recentemente andei pensado muito sobre os oceanos, porque tenho percebido um burburinho crescente nas notícias sobre a mineração no fundo do mar.

Especialistas dizem que determinados pontos no fundo do oceano poderiam ser uma fonte importante de alguns dos metais necessários para a construção de baterias e outras tecnologias cruciais para lidar com as mudanças climáticas. No entanto, se os esforços comerciais devem prosseguir é uma questão cada vez mais polêmica e controversa: há muita incerteza sobre como isso pode afetar os ecossistemas, além de, é claro, muitos interesses políticos envolvidos no assunto.

Um grupo da ONU realizou reuniões no início do mês para tentar resolver tudo isso. Assim, é possível que ocorram algumas ações importantes sobre mineração em alto mar entre os meses de junho a agosto e que você deve ficar ciente​.​

Por que minerar o oceano?

Se queremos transformar nosso mundo para lidar com as mudanças climáticas, precisamos de muitas coisas: lítio para baterias, elementos de terras raras como neodímio e disprósio para usar nas turbinas eólicas, além de cobre para, bem, basicamente tudo.

Não é como se fossemos ficar sem algum desses materiais essenciais: felizmente, o planeta tem muitos recursos de que precisamos para construir uma infraestrutura de energia limpa. Mas a mineração é uma operação enorme e complicada, então a questão é se podemos acessar o que precisamos de forma rápida o suficiente e barata.

Veja o cobre, por exemplo. A demanda pelo metal somente no setor de tecnologias de energia aumentará para mais de um milhão de toneladas por ano por volta de 2050, e encontrar locais adequados para mineração está ficando mais difícil. As empresas estão recorrendo a locais com menores concentrações de cobre, já que aqueles com maior quantidade e que eram acessíveis e conhecidos pelos especialistas estão ficando sem materiais.

Por isso, o oceano pode ser uma nova fonte de cobre e outros insumos cruciais para a construção dessas tecnologias. A mineração em águas profundas pode acontecer de algumas maneiras diferentes, mas os principais objetos de interesse são pedaços de depósitos minerais do tamanho de batatas conhecidos como nódulos polimetálicos. Esses nódulos pontilham o fundo do oceano em alguns lugares, especialmente na Zona Clarion-Clipperton, que fica entre o Havaí e o México, no Oceano Pacífico.

Os nódulos se formam naturalmente ao longo de milhões de anos, quando oligoelementos presentes na água do mar são depositados em pequenos objetos que se agrupam no fundo do oceano, como fragmentos de ossos ou dentes de tubarão, e crescem lentamente. Eles contêm manganês, cobalto, cobre e níquel, todos usados nas baterias de íon-lítio que alimentam os veículos elétricos hoje, além de conterem em sua composição um pouco de ferro, titânio, lítio e traços de metais de terras raras.

Devido à impressionante variedade de metais que eles contêm, algumas empresas compararam cada nódulo como se fosse uma bateria em uma rocha. É por isso que, na última década, as organizações começaram a estudar a possibilidade de realizar operações de mineração comercial em alto mar, principalmente na Zona Clarion-Clipperton.

Mas nem todos concordam com o uso do oceano dessa maneira, porque há muitas formas de vida encontradas nas áreas onde estão os nódulos, desde corais e pepinos-do-mar a vermes e polvos-dumbo, sem mencionar todas as pequenas criaturas que não descobrimos ainda. Os cientistas também levantaram questões sobre o que acontecerá quando as operações de mineração mexerem nos sedimentos: a decorrente dispersão desses resíduos poderia perturbar a fauna marinha ou até mesmo o armazenamento natural de carbono sob o fundo do mar, ​que poderia acabar sendo liberado, afetando o equilíbrio natural do ecossistema marinho e aumentando os níveis de CO₂ na atmosfera.

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Mas quem decide o que fazer?

O gerenciamento das águas internacionais é uma tarefa complexa. Para a questão específica de mineração em alto mar, existe um grupo da ONU encarregado por isso, fundado em 1994, chamada Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, pela sigla em inglês) e com sede na Jamaica (Caribe). A ISA vem desenvolvendo um código de mineração para operações comerciais, mas algumas empresas já querem iniciar a atividade de exploração antes mesmo da conclusão dele.

Existe um processo em andamento para lidar com essa situação, chamado de regra de dois anos: a qualquer momento antes da aprovação dos regulamentos, um país membro tem autoridade para notificar a ISA de que deseja iniciar a mineração, e, em seguida, a ISA tem dois anos para criar regras para isso.

A pequena nação insular de Nauru, na Micronésia (Oceania), acionou a regra especial há cerca de dois anos, ou seja, o prazo para a criação das regras é 9 de julho de 2023. No entanto, a próxima reunião da ISA, durante a qual as regulamentações poderiam ser finalizadas, começa em 10 de julho. Isso significa que então esse prazo não será cumprido.

Não está totalmente claro o que acontecerá depois que o prazo expirar. Uma possibilidade é que uma empresa possa apresentar um pedido para iniciar a mineração comercial de qualquer maneira, mesmo que as regras ainda não tenham sido definidas, e a ISA opte por analisá-lo segundo as​ informações disponíveis e os possíveis riscos ambientais ou de segurança.

Um subgrupo da ISA realizou duas semanas de reuniões entre final de março e início de abril na Jamaica, onde os representantes dos países membros discutiram possíveis regulamentações e como o grupo lidaria com as atividades de mineração comercial nesse meio tempo. Conforme relatado pela Bloomberg, há apelos crescentes de nações-membros e grupos de defesa para que a ISA não considere os pedidos até que as regras estejam prontas. Outros estão pedindo uma pausa temporária ou a proibição total de qualquer mineração comercial no oceano até que mais pesquisas sobre seus efeitos no oceano sejam feitas.

Avaliar os potenciais benefícios e danos da mineração em alto mar, especialmente em comparação com a mineração terrestre, é uma tarefa complexa. Esta é definitivamente uma história que terá muitos desdobramentos, e você pode esperar que eu fale mais sobre esse assunto. Por enquanto, recomendo conferir este episódio do podcast ​How to Save a Planet do ano passado e este artigo do New York Times sobre os ecossistemas que estão perigo.

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