Sim, temos materiais o suficiente para abastecer o mundo com energia renovável
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Sim, temos materiais o suficiente para abastecer o mundo com energia renovável

Não vamos ficar sem os principais ingredientes para o combate contra a mudança climática, mas mineração deles traz suas próprias consequências sociais e ambientais.

Abastecer o mundo com energia renovável dependerá de muitas matérias-primas. De acordo com uma nova análise, a boa notícia é que há muito o que podemos fazer quando se trata de alumínio, aço e metais de terras raras. 

No Acordo de Paris de 2015, os líderes mundiais estabeleceram uma meta para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C, e atingir essa meta exigirá a construção de muitas novas infraestruturas. Mesmo nos cenários mais mirabolantes, os pesquisadores descobriram que o mundo tem materiais o suficiente para alimentar a rede elétrica globalmente com energias renováveis. E a mineração e a produção desses materiais não produzirão emissões o suficiente para aquecer o mundo além das metas internacionais. 

Há um porém em todas essas boas notícias. Embora tecnicamente tenhamos os materiais necessários para construir a infraestrutura de energia renovável, na verdade, minerá-los e processá-los pode ser um desafio. Se não fizermos isso de forma responsável, o procedimento para extrair esses materiais e transformá-los em algo utilizável pode ter impactos ambientais ou até mesmo ocorrer situações de violações dos direitos humanos. 

Para entendermos melhor as demandas que temos por materiais para atingirmos as metas climáticas, os pesquisadores analisaram 17 dos principais materiais necessários para gerar eletricidade com baixas emissões de gases do efeito estufa. Eles estimaram quanto de cada uma dessas substâncias seria necessário para construir uma infraestrutura mais limpa e as compararam com estimativas de quanto desses recursos (ou das matérias-primas necessárias para produzi-los) estão disponíveis em reservas minerais e de outros recursos geológicos. Tais reservas incluem todo o material do planeta que pode ser aproveitado economicamente. 

A maioria das tecnologias renováveis requer alguns materiais abundantes, como alumínio, cimento e aço. Mas outras também precisam de materiais mais específicos. Os painéis solares, por exemplo, operam com polissilício, enquanto as turbinas eólicas precisam de fibra de vidro para suas pás e metais de terras raras para seus motores. 

Materiais Necessários para Tecnologias de Geração de Energia 

A categoria “Outras tecnologias” inclui energia fóssil, geotérmica, hidrelétrica e nuclear

Para visualizar a tabela na íntegra, clique aqui

Dados: The Breakthrough Institute, Universidade da Califórnia em Irvine, Estados Unidos 

Tabela: Casey Crownhart, MIT Technology Review americana 

Os requisitos materiais variam dependendo do tipo de nova infraestrutura que vamos construir e da rapidez com que faremos isso. Para os cenários mais ambiciosos de ação contra a mudança climática, por exemplo, cerca de 2 bilhões de toneladas de aço e 1,3 bilhão de toneladas de cimento podem ser necessários para a infraestrutura de energia entre agora e 2050. 

A produção de disprósio e neodímio, metais de terras raras usados nos ímãs das turbinas eólicas, precisará quadruplicar nas próximas décadas. Outra mercadoria em alta demanda é o polissilício usado em painéis solares, que está previsto para crescer, em níveis globais, em 150% entre agora e 2050. 

Mas, para cada cenário analisado pela equipe, os materiais necessários para manter o mundo abaixo de 1,5 °C de aquecimento representam “apenas uma fração” das reservas mundiais de minerais e de outros recursos, diz Seaver Wang, codiretor da equipe de clima e energia do Breakthrough Institute e um dos autores do estudo, o qual foi publicado na revista Joule no final de janeiro. 

Escavar essas reservas e extrair os materiais trará outras consequências. Os pesquisadores descobriram que os impactos das emissões causados pela mineração e processamento desses materiais cruciais podem atingir um total de até 29 gigatoneladas de dióxido de carbono entre agora e 2050. A maioria dessas emissões é atribuída à produção de polissilício, aço e cimento. 

Apesar de as emissões totais desses processos serem significativas, tais valores refletem 30 anos da produção e extração dos materiais, ainda sendo um número abaixo dos valores de emissões globais provenientes de combustíveis fósseis em um único ano. De acordo com Wang, esse custo inicial das emissões será mais do que compensado pela economia que tecnologias de energia limpa trarão, substituindo os combustíveis fósseis. O progresso no corte de emissões da indústria pesada, como na produção de aço e cimento, também pode ajudar a reduzir o impacto climático relacionado à criação de infraestrutura para a energia renovável. 

Este estudo se concentrou apenas em tecnologias que geram eletricidade. Não incluía todos os materiais que seriam necessários para armazenar e usar essa energia, como as baterias dos veículos elétricos ou o armazenamento na rede elétrica. 

Espera-se que a demanda por materiais para a produção de baterias tenha um rápido e grande crescimento entre agora e 2050. Segundo um estudo de 2020 do Banco Mundial, a produção anual de grafite, lítio e cobalto precisará aumentar em mais de 450% em relação aos níveis de 2018 para atender à demanda esperada por carros elétricos e armazenamento na rede. 

De acordo com Wang, mesmo considerando os materiais para as baterias, a conclusão basicamente é a mesma: as reservas mundiais dos recursos necessários para a infraestrutura de energia limpa são suficientes até mesmo para os cenários de maior demanda. 

Extraí-los será a parte mais complicada. O aumento da produção de alguns materiais, especialmente os necessários para as baterias, apresentará desafios sociais e ambientais. 

O silício é usado em chips semicondutores, assim como em painéis solares.

“Muitos subestimam o progresso que precisa acontecer na mineração”, diz Demetrios Papathanasiou, diretor global do setor de energia e extrativos do Banco Mundial. 

Veja o cobre, por exemplo: o mundo já extraiu cerca de 700 milhões de toneladas de cobre desde que começamos a minerar, há milhares de anos. Precisamos extrair mais 700 milhões de toneladas somente nas próximas três décadas, diz Papathanasiou, para cumprir as metas climáticas. Não é uma questão de quantidade nas reservas: temos minerais o suficiente nelas. 

O problema é que a mineração, seja de combustíveis fósseis ou para a energia renovável, pode causar danos ambientais significativos. No oeste dos EUA, por exemplo, projetos de minas para materiais como cobre e lítio poderiam poluir o meio ambiente e forçar os indígenas a deixarem suas terras. 

E ainda há a questão trabalhista. Atualmente, em alguns casos, os materiais são extraídos por trabalhadores em condições abusivas ou exploratórias. Apesar de todo o empenho e iniciativas para proibir o trabalho infantil, ele ainda está presente na mineração de cobalto na República Democrática do Congo. A produção de polissilício na China tem mostrado indícios de trabalho forçado. 

De acordo com Papathanasiou, descobrir uma forma de obter os materiais dos quais precisamos para construir um futuro com menos poluentes, sem causar prejuízo às pessoas ou danos ao meio ambiente no processo, deve ser um dos principais focos da transição para a energia renovável. “Precisamos mesmo encontrar soluções que nos forneçam os recursos dos quais necessitamos de forma sustentável, mas o nosso tempo é muito curto”. 

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