Empatia: competência crítica para os profissionais de tecnologia
Humanos e tecnologia

Empatia: competência crítica para os profissionais de tecnologia

Alguns estudos e a observação prática da forma como os especialistas em TI atuam, têm colocado as chamadas soft skills, particularmente a empatia, como uma competência crítica para profissionais de tecnologia.

Diversas pesquisas têm sido realizadas sobre as competências essenciais para profissionais de tecnologia, especialmente em um cenário de transformação digital acelerada. Essas pesquisas, conduzidas por instituições acadêmicas, consultorias de mercado e empresas de recrutamento, ajudam a mapear quais habilidades são mais demandadas por empresas e quais características definem um bom profissional de tecnologia. Este perfil pode ser bastante diverso em termos de competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) e pode variar de acordo com a especialização, como desenvolvedores de software, engenheiros de dados, administradores de redes, dentre outras atuações, ampliando a gama de atributos necessários.

Predominantemente, os estudos apontam as competências técnicas necessárias para alta performance destes profissionais. No entanto, muitos dos problemas enfrentados na área de tecnologia não possuem soluções pré-definidas, exigindo criatividade e inovação para encontrar maneiras de melhorar processos, criar produtos ou otimizar sistemas existentes, bem como, comunicação eficaz e a colaboração são fundamentais em ambientes ágeis, como o de TI.

Embora muitos pensem em tecnologia como uma área solitária, o trabalho em equipe é fundamental, especialmente em projetos que envolvam diferentes departamentos. A empatia é essencial para melhorar a colaboração em equipe, permitindo que todos os envolvidos tenham uma visão compartilhada das necessidades dos usuários. Técnicas como mapeamento de empatia ajudam a organizar informações sobre como os usuários pensam, sentem e experimentam um produto, servindo de base para decisões de design mais consistentes e eficazes. O verdadeiro objetivo do design é empoderar os usuários, não apenas agradá-los. Isso significa que os profissionais devem ir além de simplesmente simpatizar com os usuários e buscar entender como eles realmente interagem com as soluções, identificando suas frustrações e metas. O processo de empatia envolve remover preconceitos próprios e colocar-se no lugar do usuário para garantir uma melhor compreensão de suas experiências e necessidades.

Um artigo em 2014 revisa a literatura existente sobre empatia em design de interação, explorando como essa habilidade pode influenciar o processo de design e a experiência do usuário. Os autores começam estabelecendo a diferença entre empatia cognitiva (compreender as emoções e perspectivas dos outros) e empatia afetiva (sentir emoções junto com os outros) e destacam que a empatia é essencial para entender as necessidades e os contextos dos usuários, permitindo que designers criem soluções mais eficazes e humanizadas. Eles concluem que a empatia deve ser vista como uma competência central no design de interação e incentivam a comunidade de design a adotar práticas e ferramentas que promovam a empatia, para garantir que as soluções criadas sejam realmente centradas no usuário.

Alguns renomados periódicos como Computers in Human Behavior, Empirical Software Engineering, Journal of Computer Information Systems e International Journal of Human-Computer Studies, dentre outros, frequentemente, publicam estudos que podem incluir dados sobre empatia em contextos de TI.

A pesquisa da Nielsen Norman Group (NNG) sobre empatia para profissionais de TI e UX (2023) destaca a importância da empatia no desenvolvimento de soluções centradas no usuário. A empatia é essencial para entender profundamente as necessidades, desafios e motivações dos usuários, o que permite que os designers criem produtos e serviços mais eficazes e humanos.

Nas últimas décadas, o tema da empatia tem sido tratado não somente pelas áreas de design de produtos, mas, principalmente, pela neurociência, pela psicologia e pela filosofia. Em 1996, um grupo de pesquisadores italianos liderado por Giacomo Rizzolatti, publicou um artigo intitulado “Aventuras de um neurônio espelho”, na revista Science, que documentou a identificação desses neurônios em macacos e explorou suas implicações para a compreensão das ações e emoções. Eles ilustram a complexidade das interações humanas e o papel que a neurobiologia desempenha em nossas vidas sociais. Os neurônios espelho (um tipo de neurônio que se ativa tanto quando uma pessoa realiza uma ação quanto quando observa outra pessoa realizando a mesma ação) são fundamentais para a interação social e a empatia, ajudando-nos a entender e conectar-nos com os outros. Desde então, muitos outros estudos foram realizados, expandindo a pesquisa sobre neurônios espelho em humanos e suas ligações com empatia, imitação e aprendizado social.

O estudo de Tania Singer (2004), publicado na revista Science, foi um marco no entendimento da base neural da empatia. Singer e sua equipe usaram ressonância magnética funcional (fMRI) para investigar como o cérebro responde ao sofrimento de outras pessoas, particularmente se o cérebro reage de forma semelhante quando se experimenta dor diretamente ou quando se observa outra pessoa em sofrimento. O objetivo principal era determinar se a dor empática, ou seja, a dor sentida ao observar o sofrimento de outra pessoa, ativava as mesmas áreas cerebrais que a dor física real experimentada pelo próprio indivíduo. Este estudo forneceu evidências neurológicas de que a empatia não é apenas um conceito psicológico, mas tem uma base cerebral sólida. A conclusão mostrou que, ao observarmos a dor de outra pessoa, não estamos apenas imaginando como seria estar no lugar dela; estamos, de fato, ativando as mesmas regiões cerebrais responsáveis por nossas próprias emoções relacionadas à dor. As pessoas que sentem empatia pelo sofrimento de outros compartilham a carga emocional da dor, mas não experimentam a sensação física completa, porque a empatia ativa os circuitos emocionais da dor, porém, ela não recria a experiência sensorial direta, pois áreas sensoriais primárias envolvidas na percepção direta da dor física (como o córtex somatossensorial) não foram ativadas quando a dor era apenas observada.

Em 2018, Rottmann e Auhagen investigam como a diversidade de equipes e o background cultural dos membros podem impactar a empatia durante o desenvolvimento de software e como a empatia afeta a colaboração, a comunicação e o desempenho do projeto. As conclusões deste estudo demostraram que a diversidade cultural nas equipes contribuiu para uma maior variedade de perspectivas, o que, por sua vez, promoveu uma empatia mais rica nas interações. As equipes culturalmente diversas foram capazes de entender melhor as necessidades de usuários de diferentes origens. Por outro lado, as equipes diversas com baixa empatia enfrentaram dificuldades em resolver conflitos e alinhar objetivos. Os autores destacam a importância de líderes de equipe que incentivem um ambiente de empatia e respeito às diferenças culturais, criando um espaço onde todos se sintam à vontade para compartilhar suas ideias e promovendo treinamentos e atividades que estimulem a empatia, ajudando a melhorar a colaboração e a eficácia.

Certamente, estes estudos em alguma medida contribuíram para a valorização da diversidade nas organizações e a consequente necessidade de inclusão, para que todos se sintam pertencentes e engajados, contribuindo exatamente pelas diferenças.

Embora não se concentre exclusivamente em TI, outro artigo que trouxe boas contribuições para o tema, discute a importância da empatia no julgamento moral, o que pode ser relevante para decisões éticas em tecnologia, cada vez mais necessárias com o advento da Inteligência Artificial Generativa (IAG). Os autores investigaram como as pessoas fazem julgamentos morais e quais processos cognitivos e emocionais estão envolvidos? Eles propõem que o julgamento moral é influenciado tanto por raciocínios deliberativos quanto por reações emocionais automáticas. Esses processos emocionais são rápidos e instintivos, e desempenham um papel crucial em como as pessoas reagem a dilemas morais. O estudo sugere que a moralidade é uma construção que envolve tanto a intuição quanto a razão: enquanto as reações emocionais podem servir como um guia inicial, a reflexão racional pode ser utilizada para justificar ou modificar essas intuições. Os autores concluem que o julgamento moral é um fenômeno complexo e incentivam uma abordagem mais integrada para entender a moralidade, considerando a interação entre emoções e razão.

Outra linha de pesquisa que tem se tornado mais comum aponta os riscos decorrentes da diminuição de empatia pelo uso excessivo de redes sociais. A tecnologia tem alterado a forma e a qualidade de como nos relacionamos e, portanto, impacta na empatia. Paradoxalmente, sabemos também que a Internet tem sido um laboratório muito eficiente de novas formas de comunicação, seja para o bem ou não. O desafio passa a ser em que medida a própria tecnologia pode ou deve fazer parte da solução do problema por ela mesma criado, ou seja, seremos ou não capazes de fazer uso do mesmo ambiente tecnológico para colaborar na formação de pessoas mais empáticas?

Já há vários aplicativos incorporando novidades como Inteligência Artificial e Realidades Múltiplas (Virtual, Ampliada e Mista) que têm obtido grande sucesso no aumento de empatia e de engajamento emocional entre os partícipes. Realidades múltiplas têm um enorme potencial para despertar emoções e promover engajamentos. De forma muito especial, pode promover atividades que estimulam a formação emancipatória e a capacidade de cada um decidir a partir de seus próprios valores e convicções. A ênfase não está somente em transmitir conhecimento ou estabelecer polarizações ou crenças, mas sim ampliar em cada um a sua própria percepção acerca de como analisamos contextos e a partir de quais elementos ou argumentos formamos as nossas próprias opiniões. Ou seja, controlamos, até certo ponto, os ambientes, os roteiros e as abordagens preliminares, porém, a dinâmica ao longo das atividades deve, necessariamente, refletir também o usuário, enquanto participante ativo e consciente do processo.

Atualmente, cultivar soft skills ao lado de competências técnicas é fundamental para efetuar mudanças positivas que atendam às expectativas, perguntas e desafios impostos pelo ambiente externo. Trabalhar com empatia significa ter a sensibilidade para perceber rapidamente estímulos e reagir proativamente e adaptativamente às necessidades não apenas explícitas, mas especialmente, às implícitas no ambiente ao redor. Para que um grupo de trabalho colabore de forma saudável, eficaz e produtiva, é essencial que os membros da equipe estabeleçam relacionamentos baseados em confiança, troca aberta e ideias e empatia. O ato de escuta torna-se um verdadeiro encontro para construção de uma nova relação numa perspectiva positiva e transformadora; um lugar onde é possível o diálogo entre diferentes pontos de vista, o que pode contribuir diretamente para o crescimento da equipe e organizacional, respondendo eficazmente às necessidades e exigências de todos os atores envolvidos.

Desenvolvendo a inteligência emocional fortalecemos autoestima, autoeficácia, autoconsciência, gestão emocional ou autocontrole, gestão de responsabilidade, gestão de relacionamento, resiliência, gestão de ansiedade e estresse, gestão de crise e conflito, resolução de problemas, tomada de decisão, estratégias de comunicação eficazes e assim por diante. Todos estes atributos são essenciais para responder proativamente e efetivamente às necessidades do indivíduo, do cliente e da organização a qual pertencemos. Ao desenvolvermos a empatia, muitos aspectos fundamentais para o resultado bem-sucedido dos objetivos organizacionais podem ser facilitados e melhorados, já que o esforço individual compartilhado, fortalece a consciência coletiva de que é preciso investir na valorização do capital humano para aumentar o capital econômico.

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