Doenças raras: tecnologia dá esperança a famílias, mas falta apoio psicológico
Doenças Raras

Doenças raras: tecnologia dá esperança a famílias, mas falta apoio psicológico

Abalados pelo diagnóstico dos filhos, aqueles que cuidam de crianças raras têm dificuldade para aceitar realidade e encontrar atendimento especializado; situação é ainda mais difícil para mães solo, segundo pesquisa.

Quando uma família planeja ter um filho, ela sonha. Antes mesmo de ser recebido em um novo lar, o bebê é protagonista de planos idealizados que vão desde os seus primeiros passos até o seu futuro financeiro. Mas para aqueles que cuidam de aproximadamente 13 milhões de brasileiros raros, esse projeto ganha um rumo totalmente diferente. Ainda sem cura, essas doenças afetam a qualidade de vida da criança e, consequentemente, a saúde emocional dos próprios pais — principalmente das mães.

Fragilizadas com a enfermidade dos bebês, há mães que entram em depressão, que abrem mão da própria carreira e que até tentam negar a realidade para fugir do problema. Entre elas, existe um fator comum: 81% foram abandonadas por seus maridos e têm de criar seus filhos raros sozinhas. Isso é o que mostra a Pesquisa Nacional dos Cuidadores de Pacientes Raros no Brasil, encomendada pela Casa Hunter, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febraras). O estudo aponta também que 78% dessas mães solo acompanham o filho durante 24 horas por dia e 46% tiveram de pedir demissão do emprego para cuidar dele. Outro dado é que 65% delas afirmam não se sentir plenamente reconhecidas pelo trabalho como cuidadora.

“Até quem tem uma condição financeira boa e dispõe de acesso aos melhores médicos pode ter depressão por ser totalmente refém da preocupação com o filho. A mãe deixa de ser a esposa que quer ser, a filha que sempre foi e de ter a vida que sempre quis. E isso independentemente de ela ter babá, porque uma mãe não vai deixar a criança sozinha com ninguém”, afirma Antoine Daher, presidente da Casa Hunter, instituição sem fins lucrativos com foco em pessoas com doenças raras.

Qualidade de vida

O artigo científico “Living with a rare disease: experiences and needs in pediatric patients and their parents” (Viver com uma doença rara: experiências e necessidades em pacientes pediátricos e seus pais, em tradução livre), publicado na Revista Orphanet de Doenças Raras, em agosto de 2023, evidencia que o diagnóstico e o tratamento de crianças raras podem afetar a qualidade de vida e saúde mental dos cuidadores.

De acordo com o estudo, realizado com 30 crianças e adolescentes e 40 pais por telefone em Hamburgo, na Alemanha, a facilidade de acesso ao consultório médico ajudaria os pais a se tratarem. No entanto, poucas ofertas de atenção psicossocial estavam próximas ou dentro das clínicas onde as crianças eram tratadas. “A falta de informação e de opções de cuidados levam ao desamparo e ao estresse psicológico dos familiares”, concluiu o artigo.

Para superar esses desafios emocionais, os familiares precisam de cuidados da mesma forma que os pacientes. A Casa dos Raros, centro de atendimento integral em Porto Alegre (RS), cofundado por Daher, oferece cuidados multidisciplinares à família, que incluem desde terapia psicológica à orientação médica. “Ajudamos as mães a escolherem a melhor escola e as melhores clínicas para as crianças. Elas têm medo dos filhos irem embora”, relata o presidente da Casa Hunter, que é pai de uma criança com Síndrome de Hunter, causadora de deficiência ocular, insuficiência renal e doença cardíacas.

Os Centros de Referência em Doenças Raras de São Paulo, com unidades em Campinas, Ribeirão Preto e Santo André, também oferecem serviço de assistência psicológica para os familiares de pacientes raros. Segundo a médica pediatra Carmela Maggiuzzo Grindler, coordenadora estadual do Programa Nacional de Triagem Neonatal de São Paulo, os cuidadores passam por avaliação dos médicos e, se necessário, recebem tratamento psicológico.

Esperança no futuro

Enfrentar a realidade não é fácil — principalmente para as mães —, mas para que isso ocorra de forma saudável, Carmela afirma que médicos e psicólogos devem sempre passar uma mensagem de esperança aos familiares, sem os afastar da realidade. “Com o avanço científico e o desenvolvimento de novos tratamentos, a esperança ganha uma nova dimensão. Antes, o pensamento era de luto. Agora, a gente tenta mitigar o máximo possível dos danos causados pelas doenças raras às crianças na expectativa de que em breve haverá a cura”, enfatiza Carmela.

A pediatra acrescenta que existem poucos profissionais especializados em saúde mental de pacientes raros e de seus familiares e que a maioria aprende com a própria prática. Mas com o maior número de projetos sociais relacionados ao tema, universidades e organizações não governamentais (ONGs) estão criando eventos e cursos para capacitar mais especialistas.

No Hospital Sobrapar, em Campinas (SP), as mães recebem cuidados psicológicos e atendimento da assistência social antes de as crianças nascerem. Segundo a psicóloga Vera Raposo do Amaral, presidente da instituição, com o equilíbrio emocional, as cuidadoras aprendem com a resiliência da criança e desenvolvem uma espiritualidade independente de religião. “Recebo muitos relatos de mães dizendo que sofriam quando pensavam no filho, mas que esse sentimento se transformou em amor”, relata.

No local, são realizadas, em média, 1.200 cirurgias para reconstrução do crânio e da face de crianças com doenças raras, como Síndrome de Treacher Collins e Síndrome de Apert. Na maioria dos casos, os pacientes recebem tratamento por pelo menos 20 anos, mas podem ter uma qualidade de vida praticamente normal, explica Vera. “Com assistência à saúde e apoio emocional, mãe e filho criam uma nova maneira de ver o mundo e todo o sofrimento da infância fica em uma história passada”.

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