Avanços tecnológicos na busca pelos bebês raros do Brasil
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Avanços tecnológicos na busca pelos bebês raros do Brasil

Do teste do pezinho aos painéis genéticos, médicos conseguem obter informações valiosas para aprimorar o diagnóstico e o tratamento de pessoas com doenças raras.

O acesso a novas tecnologias e tratamentos médicos é determinante para o futuro de pessoas que nascem com doenças raras. Com a biologia molecular aplicada à genômica, o diagnóstico dessas enfermidades pode ser realizado de forma precoce por meio da triagem neonatal, de forma que os tratamentos sejam adotados antes que os primeiros sintomas apareçam. 

A triagem neonatal, difundida no Brasil principalmente por meio do teste do pezinho, é de realização obrigatória para todas as crianças nascidas no país. O exame oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e pelo sistema privado detecta seis doenças, tais como como hipotireoidismo congênito e fibrose cística. A Lei 14.154/21 tem o objetivo de ampliar o número de doenças detectáveis para mais de 50, um avanço que deve ocorrer de forma escalonada ao longo dos próximos anos.  

Na capital paulista, o teste foi expandido desde o final de 2020 por meio de uma parceria com o Instituto Jô Clemente. A ampliação também foi realizada em Minas Gerais e no Distrito Federal. Segundo a Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal Erros Inatos do Metabolismo, no restante do país o projeto ainda enfrenta dificuldades para ser executado. 

De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 2,4 milhões de testes do pezinho são realizados anualmente pelo SUS em mais de 28 mil localidades. Atualmente, mais de 80% dos recém-nascidos do país fazem o exame na maternidade.  

Também existe o teste da bochechinha — feito na mucosa da boca de recém-nascidos. Ele é mais simples e mais abrangente para a análise do DNA dos bebês. No entanto, ainda não é oferecido pelo SUS, tampouco coberto pelos planos de saúde, afirma Alexandra Prufer, professora de neuropediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Ampliação da triagem neonatal  

O imunologista Antonio Condino Neto, professor sênior do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (Universidade de São Paulo) e sócio-fundador do laboratório Immunogenic, é um dos médicos responsáveis pela expansão do teste do pezinho no país, assim como pela inclusão da análise de imunodeficiências primárias (grupo de doenças genéticas que comprometem a imunidade), como a síndrome linfoproliferativa autoimune e a anemia de Fanconi.  O projeto foi elaborado há mais de 10 anos e a validação clínica ocorreu em parceria com o Instituto Jô Clemente, com o Instituto Pensi (Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil), vinculado ao Hospital Infantil Sabará, e com o Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR).  

O teste do pezinho ampliado tem como base dois biomarcadores: os pedaços de DNA TREC e KREC, subprodutos de receptores das células T e B do sistema imune. Eles são capazes de mensurar a funcionalidade das células de defesa do paciente. Na última fase do projeto, o trabalho contou com a análise de mais de 25 mil amostras de crianças de 18 maternidades em oito estados.  

“A adesão dos estados ao projeto vai atrasar, como sempre atrasa, mas em cinco anos já vai ter mudado muita coisa. Em 10 anos, vai ser uma grande transformação. Então, virá uma outra geração de pessoas com doenças imunológicas raras. É uma política transformadora. As crianças com imunodeficiência tinham mortalidade superior a 90% no primeiro ano de vida. Hoje, elas são transplantadas e curadas. As outras formas menos graves são tratadas e controladas”, explica o imunologista da USP. 

Na avaliação do pesquisador, a evolução científica desempenha um papel fundamental em garantir um cenário mais otimista para pessoas com doenças raras. A prática, no entanto, demanda ações estratégicas: “nós mudamos os paradigmas científicos, mas quem coloca isso em prática são as políticas sociais. É um trabalho de muitas mãos: o médico de um lado, a população civil de outro e a política fazendo acontecer”. 

Carmela Maggiuzzo Grindler, coordenadora estadual do Programa Nacional de Triagem Neonatal de São Paulo, destaca também o papel dos laboratórios genéticos, que fazem a leitura especializada dos exames, e da indústria farmacêutica, que investe em pesquisa para o tratamento das doenças. No estado de São Paulo, referência em triagem neonatal no país, a coleta do teste do pezinho é realizada em 98,8% dos recém-nascidos, a maioria deles ainda no hospital. 

Do algoritmo ao contato pessoal   

O principal desafio consiste em fazer uma busca ativa quando a família precisa dar prosseguimento ao tratamento da criança diagnosticada com alguma doença rara. “Temos profissionais que trabalham ligando para as famílias, informando a unidade de saúde mais próxima para pedir a repetição do teste do pezinho. Obviamente, há casos em que o telefone e o endereço não batem, então começamos a pedir ajuda para encontrar os pais do bebê”, diz Carmela. 

Para auxiliar a equipe do programa de triagem de São Paulo, a coordenadora afirma que existe um algoritmo que cruza as informações da família e indica dados para a localização da criança. Ainda assim, há situações em que apenas o contato “boca a boca” soluciona a busca pelo recém-nascido com alguma doença rara: “Teve uma situação que conversamos com o dono de um mercadinho, no centro de uma cidade no interior, e pedimos para ele falar com a avó da criança. Cerca de 80% dos nossos municípios têm menos de 8 mil habitantes”, relata. 

O esforço, de acordo com Carmela, é fundamental para zelar pelo futuro das crianças com doenças raras. “A resposta às doenças detectadas pelo teste do pezinho determina um percentual significativo de deficiência cognitiva e prognóstico de vida da criança. Essas histórias são importantes porque mudam o paradigma da deficiência, dependência e inclusão na sociedade”, analisa. 

A neuropediatra Alexandra, da UFRJ, concorda com Carmela e reforça o desafio de atender às diferentes realidades culturais e econômicas do país: “O diagnóstico precoce é importante porque, quanto antes você começar o tratamento para uma doença degenerativa, melhor é o efeito do tratamento que modifica o curso natural do caso da criança”. 

Painéis genéticos  

Outro recurso proporcionado pela tecnologia para ajudar na identificação de bebês, crianças e adultos com doenças raras são os painéis genéticos. Na prática, esses painéis agregam informações de testes genéticos que analisam o DNA de um indivíduo em busca de variações genéticas específicas associadas a condições médicas ou características hereditárias.  

Os dados podem ser utilizados para diagnosticar doenças genéticas, analisar o risco de desenvolvimento de determinadas condições de saúde e identificar a presença de genes associados a doenças genéticas, por exemplo. Outra finalidade é tornar o próprio tratamento de uma doença já diagnosticada mais assertivo, considerando características genéticas de cada paciente. A ferramenta pode reunir um amplo espectro de genes ou ter como foco um único gene. 

Geralmente, esse tipo de iniciativa tem apoio da indústria farmacêutica por meio de Programas de Suporte ao Diagnóstico criados com o objetivo de reduzir a jornada do paciente. A PTC Therapeutics, por exemplo, disponibiliza atualmente quatro painéis genéticos criados pelo laboratório Mendelics. Três deles abrangem um amplo número de genes: Painel DNAmplo (para doenças neuromusculares); Painel Movimente (doenças relacionadas à hipotonia associada a transtornos do movimento com início na primeira infância); e o Painel Hipertrigliceridemias e Pancreatites. O quarto contempla um único gene e faz o sequenciamento do gene TTR (transtirretina).  

Somente profissionais médicos podem ter acesso aos painéis e o acesso das informações pessoais é estritamente restrito a médicos. As empresas relacionadas ao desenvolvimento de painéis genéticos não podem ter acesso a informações que identifiquem os pacientes, respeitando o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).  

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