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Tem sido cada vez mais comum ver palestras e ler textos sobre os resultados incríveis que as empresas conseguem ter com o uso de Inteligência Artificial, automação e ferramentas de Martech. O estudo “Personalização em Escala”, da McKinsey, por exemplo, cita o aumento de até 15% na receita e a redução de até 30% no investimento em mídia e propaganda.
Porém, nada é por acaso, e para chegar nesses resultados, as empresas inevitavelmente tiveram que passar por diferentes níveis de maturidade digital, desde o correto processo de coleta de dados, passando pelo aprendizado das pessoas até finalmente a automação das decisões pelas máquinas.
Essa caminhada pode levar meses ou até anos.
Não adianta acelerar a qualquer custo, pois cada empresa tem seu próprio ritmo.
Parafraseando a famosa expressão de que “nove mulheres grávidas não fazem um filho em um mês”, a sofisticação tecnológica nunca é um milagre.
Conversando com Tulio Kehdi, sócio-fundador da agência digital Raccoon, hoje parte da S4 Capital sob a marca MediaMonks, ouvi que “por mais que muitos clientes se interessem e comprem projetos avançados de ciência de dados (IA), na grande maioria, quando começamos o projeto, somos obrigados a voltar algumas casas e refazer todo o processo de coleta de dados em web analytics, desde tagueamento até a construção dos mais básicos relatórios conectados com desafios de negócio”.
Lucas Ribeiro, Insights Manager da Adobe nos Estados Unidos, completa com a importância de uma estratégia que logo no início do processo defina os objetivos do uso futuro dos dados. “Em um primeiro momento, os dados nos explicam o que aconteceu e os motivos. A seguir, conforme sofisticamos, passamos para um pensamento preditivo sobre o futuro. Na última etapa, chegamos à automação, onde ferramentas usam dados para disparar ações sem a intervenção humana”, descreve.
Em outras palavras, Lucas está indo do People Learning para o Machine Learning.
Para não investir tempo e dinheiro em soluções que vão dormir na prateleira (na verdade em uma linda e longa apresentação de PowerPoint), após observar uma série de implementações de projetos de dados, coloquei alguns conselhos em formato de círculos de interação que chamo de “círculos virtuosos de dados”, a seguir (Figura 1).
Figura 1 – Círculos virtuosos de dados – Empresas podem ter maior ou menor maturidade nessas iniciativas. O importante é entender que seguem uma ordem estruturante de crescimento, evitando colocar “o carro na frente dos bois”.
No alto do diagrama, estão as Pessoas ou os seus agrupamentos, chamados de Audiências. Também estão lá as Personas – personagens fictícios usados pelas marcas no planejamento de comunicação. Logo abaixo, estão todos os canais de interação entre as pessoas e as marcas: sites, Aplicativos, Internet das Coisas, TV etc.
Os ciclos logo abaixo começam do lado esquerdo no alto, descem em sentido anti-horário, primeiramente pela parte externa, e se estreitam à medida que a tecnologia se sofistica. Assim, o aprendizado das pessoas passa a receber o apoio do aprendizado das máquinas.
Todas as práticas citadas aqui devem estar totalmente adequadas à Lei Geral de Proteção de Dados.
1. People Learning – círculo laranja.
Além de correta e bem estruturada, a coleta de dados pode ser omnicanal. Isso significa ir além do web analytics e pensar em business analytics, unindo, por exemplo, os dados digitais de navegação de um site, informações de totens ou visitas às lojas.
É possível capturar tudo?
A melhor resposta reside em confiar na criatividade e na experimentação. Um varejista, por exemplo, que acredita ser crucial a captura de dados de visita à loja para construção de uma visão única do cliente (junto com o site), deve criar e experimentar coisas o tempo todo: desde uso de aplicativo próprio, passando por QR Codes nas lojas, totens interativos, identificadores nos caixas, promoções etc. Não existe mágica, mas sim uma sequência de experimentos.
Assim como nas histórias infantis em que as migalhas de pão formam um caminho, o mesmo é verdadeiro para as oportunidades de uso de dados. Com o tempo, a empresa vai aprender o que é bom para seu negócio e para seu consumidor.
As pessoas aprendem por meio de relatórios de diversos tipos: dos mais simples, passando por atribuição e Media Mix Modeling, já abordado no artigo “Tecnologia, Dados e IA estão mudando as grandes empresas de bens de consumo“.
Neste círculo, o aprendizado das pessoas é aplicado por elas mesmas tanto na eficiência da compra de mídia (consequência direta do MMM) como na criação do conteúdo que melhor funciona para as empresas.
2. Customização – círculo verde
No círculo intermediário – verde – existe uma relação muito mais próxima entre o aprendizado das pessoas e a execução das mudanças – neste caso, a “customização” das ações de marketing. A redução da burocracia entre departamentos, a tendência a internalizar equipes de marketing em “in-houses” e a criação de times ágeis de performance são frequentes.
A Otimização da Taxa de Conversão (em inglês, Conversion Rate Optimization ou CRO) é outra prática comum aqui. Times ágeis e multidisciplinares unem pessoas especialistas em otimização de sites para melhor exposição nos mecanismos de buscas, criação de conteúdo para blogs, sites e redes sociais e, por fim, os craques em testes A/B e multivariados. Tudo para customizar os ambientes digitais e melhorar os índices, desde a atração até a conversão, sem depender do investimento em mídia e propaganda. Ou seja, gratuito.
A dica aqui é garantir a autonomia e a unidade destes times. Quando todas as pessoas fazem parte do mesmo departamento, reduzem as demoras para entregas entre áreas. Quando possuem autonomia, partem rapidamente do aprendizado para criar algo e colocar no ar sem precisar esperar aprovações internas da empresa.
3. Machine Learning – círculo azul
O resultado do círculo azul é a total personalização, em que cada pessoa (consumidor, cliente, persona ou segmento) é tratada de forma individual. Aqui reside o ideal da “mensagem certa na hora certa para a pessoa certa no canal correto”. E é onde, obviamente, observamos o máximo da sofisticação técnica.
Junto da sofisticação técnica, é essencial também a sofisticação em forma de pensamento científico. Em vez de “oferecer bermuda para quem comprou camiseta“, a intuição do marqueteiro precisa dar lugar ao Marketing Preditivo: por meio dele, modelos de propensão conseguem chegar à conclusão de que você pode querer comprar uma calça jeans após ler um artigo, navegar em um site e morar em determinada cidade. Isso sim é “data-driven”.
Outro exemplo dessa mentalidade está no uso de grupos de controle para medir o resultado incremental do marketing, em vez de comparar os resultados com o mês ou ano anterior.
Em seu relatório “Advanced Analytics”, o Gartner conclui dizendo que “…a ciência de dados é inevitável, pois pode ajudar a extrair vários tipos de conhecimento dos dados, por exemplo, como adquirir novos clientes, como fazer mais vendas cruzadas, otimizar rotas, prever de demanda…”.
É por isso que o principal ingrediente das ferramentas avançadas de Martech deve ser a ciência de dados.
Antes de pensar em comprar uma ferramenta de Martech que promete resultados incríveis nas palestras que você vê por aí, sugiro que você faça uma reflexão a partir dos círculos de maturidade.
Só assim você poderá evitar um dia dizer a frase que é o maior pesadelo das empresas de tecnologia. A de que sua empresa “comprou uma Ferrari para dar a volta na quadra”.
Este artigo foi produzido por Fernando Teixeira, SVP de Dados na Media.Monks e colunista da MIT Technology Review Brasil.