Quando a Fitbit entrou em cena, em 2008, ela começou uma revolução no mercado com seu contador de passos. Como um dos primeiros wearables vendidos em massa pelo mundo, criou-se uma enorme expectativa no impacto que tais tecnologias trariam para a saúde. E a Fibit foi apenas o início, após ela, centenas (ou até mesmo milhares) de diferentes modelos de wearables surgiram no mercado, desde os criados por marcas famosas como Apple e Samsung com seus Apple Watch e Galaxy Watch, até novas marcas como a Oura.
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A realidade é que esses wearables evoluíram muito e ganharam espaço no mercado de Fitness, pois eles cumprem um bom papel para monitorar nossas metas de exercícios, ou competir com amigos para atingir hábitos mais saudáveis. Porém, quando falamos sobre o uso de wearables para a saúde de uma maneira mais ampla, como por exemplo conectando os insights gerados com profissionais de saúde, hospitais, entre outros players, o ritmo de inovações não seguiu a mesma velocidade.
Existiram sim iniciativas para conectar wearables com o mercado de saúde, mas a maioria não avançou como se esperava. Um bom exemplo é a parceria entre Oscar Health, um plano de saúde digital dos EUA e a empresa de wearables Misfit. A operadora oferecia gratuitamente um wearable da marca parceira aos seus pacientes e em troca de hábitos saudáveis e cumprimento das metas de passos mensais, oferecia em contrapartida incentivos financeiros, como dinheiro ou vale-presentes da Amazon. A iniciativa parecia fazer muito sentido, e com certeza se mostrou uma ótima sacada de marketing, porque da noite para o dia, grandes mídias como Wired, Forbes, The Economist compartilharam reportagens falando sobre a revolução que estavam trazendo no setor. Mas, na prática, para o setor de saúde, não teve o impacto esperado, pois aos poucos a parceria entre Oscar e Misfit foi saindo de cena e quase nenhuma menção sobre os resultados alcançados foi compartilhada.
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Quais as maiores oportunidades para os Wearables levarem a saúde para um novo patamar?
A história de fracasso da parceria Oscar+Misfit não significa que os wearables não podem trazer impacto na saúde. Em minha opinião eles ainda vão ser uma peça importante na transformação da saúde, conectando profissionais e pacientes de maneira mais digital. De forma geral, existem três grandes oportunidades para que os wearables levem esse mercado para um novo patamar:
Gerenciamento de doenças crônicas: monitorar passos e atividades físicas é útil na prevenção de uma infinidade de doenças crônicas, como obesidade, pressão alta, etc. Assim como os monitores de glicemia auxiliam no controle da diabetes, os wearables poderão auxiliar pacientes em uma infinidade de doenças.
Diagnóstico precoce: dados de 2017 da Sociedade Brasileira de Arrítmias Cardíacas (Sobrac) mostram que anualmente mais de 300 mil pessoas sofrem morte súbita relacionada com arritmias cardíacas (quando o coração bate fora do compasso) — atualmente estima-se que mais de 20 milhões de brasileiros têm algum tipo de arritmia cardíaca. Mas já imaginou se pudéssemos diagnosticar e prevenir tais mortes? Bem, desde que o Apple Watch trouxe uma funcionalidade de eletrocardiograma, em 2018, inúmeros casos de pessoas salvas pelo dispositivo foram relatados.
Com a expansão do número de sensores que os dispositivos vestíveis carregam dentro deles, é questão de tempo para que mais diagnósticos possam ser apoiados em dados oriundos destes dispositivos. Há bons exemplos desse potencial, como a detecção antecipada de Covid pelo wearable Whoop e o anel inteligente Oura, que consegue identificar o ciclo menstrual de mulheres com base em diferentes sensores e dados.
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Tratamentos personalizados: um exemplo é o Levels, que combina um monitor contínuo de glicose com um app para rastrear como a dieta de um usuário afeta o açúcar no sangue, levando muitos usuários a fazer mudanças na dieta. No futuro, isso pode se expandir além da comida para ajudar as pessoas a determinar quais prescrições serão mais eficazes para tratar suas condições.
Mas e o problema da privacidade de dados?
A privacidade de dados é uma questão polêmica na área da saúde, e determinar quem deve possuir quais dados e como eles devem ser compartilhados levanta diversas discussões nesse mercado, em especial no mercado de wearables, já que estes coletam uma tonelada de dados — alimentando preocupações com o abuso no uso desses dados.
Como sabemos que a legislação nem sempre move na mesma velocidade da tecnologia, é fundamental que profissionais e empresas do setor discutam abertamente a pauta da privacidade e da segurança no dia a dia para evitar incidentes similares aos que ocorreram em outros mercados, como o de mídias sociais com o escândalo da Cambridge Analytica e o uso indiscriminado de dados para manipular pessoas.
Ainda que existam riscos, o potencial dos wearables é enorme. No mínimo, ser capaz de conectar dados de wearables a registros de saúde individuais permitiria que os médicos monitorassem os principais indicadores de saúde ao longo do tempo e capturassem feedback mais rápido sobre como os tratamentos estão funcionando.
Este artigo foi produzido por Gustavo Comitre, Diretor de Produto para pacientes na DocPlanner e colunista da MIT Technology Review Brasil.