Triagem ampliada de portadores: vale a pena?
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Triagem ampliada de portadores: vale a pena?

Só porque você pode, não significa que você deva

Tenho pensado em bebês. Saudáveis. Perfeitos. Como você pode ter lido, meu colega Antonio Regalado se deparou com uma campanha de marketing no metrô de Nova Iorque pedindo às pessoas que “tenham seu melhor bebê”.

A empresa por trás dessa campanha, a Nucleus Genomics, diz oferecer aos clientes uma forma de selecionar embriões para uma série de características, incluindo altura e QI. É uma proposta extrema, mas ela parece estar crescendo em popularidade, potencialmente, até mesmo no Reino Unido, onde é ilegal.

O outro extremo do espectro de triagem também está se transformando. A de portadores, que testa futuros pais em busca de mutações genéticas ocultas que possam afetar seus filhos, inicialmente envolvia o teste de genes específicos em populações de risco.

Agora, ela está disponível para quase qualquer pessoa que possa pagar por isso. Empresas oferecem testar centenas de genes para ajudar as pessoas a tomar decisões informadas quando tentam se tornar pais. Mas a triagem ampliada de portadores vem com desvantagens. E não é para todo mundo.

Foi isso que descobri quando participei da conferência anual do Progress Educational Trust, em Londres, na Inglaterra.

Primeiro, um pouco de contexto. Nossas células carregam 23 pares de cromossomos, cada um com milhares de genes. O mesmo gene, por exemplo, um que codifica a cor dos olhos, pode vir em diferentes formas, ou alelos. Se ele for dominante, você precisa de apenas uma cópia para expressar essa característica. É o caso do alelo responsável por olhos castanhos.

Se for recessivo, a característica não aparece a menos que você tenha duas cópias. É o caso do alelo responsável por olhos azuis, por exemplo.

As coisas ficam mais sérias quando consideramos genes que podem afetar o risco de uma pessoa desenvolver doenças. Ter um único gene recessivo causador de doença normalmente não vai causar nenhum problema. Mas uma doença genética pode aparecer em crianças que herdam o mesmo gene recessivo de ambos os pais. Há uma chance de 25% de que dois “portadores” tenham um filho afetado. E esses casos podem ser um choque para os pais, que tendem a não ter sintomas e não ter histórico familiar de doença.

Isso pode ser especialmente problemático em comunidades com altas taxas desses alelos. Considere a doença de Tay-Sachs, um distúrbio neurodegenerativo raro e fatal causado por uma mutação genética recessiva. Cerca de um em cada 25 membros da população judaica asquenaze é um portador saudável de Tay-Sachs. Fazer triagem desses genes recessivos em futuros pais pode ser útil. Esforços de triagem de portadores na comunidade judaica, que vêm ocorrendo desde a década de 1970, reduziram enormemente os casos de Tay-Sachs.

A triagem ampliada de portadores vai além. Em vez de rastrear certos alelos que aumentam a probabilidade em populações de risco, há a opção de testar uma ampla variedade de doenças em futuros pais e doadores de óvulos e esperma. As empresas que oferecem essas triagens “começaram com 100 genes, e agora algumas delas chegam a 2.000”, disse Sara Levene, conselheira genética da Guided Genetics, na reunião. “Está virando uma espécie de corrida armamentista entre os laboratórios, para ser sincera.”

Há benefícios na triagem ampliada de portadores. Na maioria dos casos, os resultados são tranquilizadores. E, se algo for sinalizado, futuros pais têm opções. Muitas vezes, eles podem optar por testes adicionais para obter mais informações sobre uma determinada gestação, por exemplo, ou escolher usar outros óvulos ou esperma de doadores para engravidar. Mas também há desvantagens. Para começar, os testes não conseguem eliminar completamente o risco de doença genética.

A BBC noticiou o caso de um doador de esperma que, sem saber, transmitiu a pelo menos 197 crianças na Europa uma mutação genética que aumentava drasticamente o risco de câncer. Algumas dessas crianças já morreram.

É um caso trágico. Esse doador havia passado por verificações de triagem. A mutação (dominante) parece ter ocorrido nos testículos dele, afetando cerca de 20% do seu esperma. Ela não apareceria em uma triagem de alelos recessivos, nem mesmo em um exame de sangue.

Mesmo doenças recessivas podem ser influenciadas por muitos genes, alguns dos quais não serão incluídos na triagem. E as triagens não levam em conta outros fatores que poderiam influenciar o risco de uma pessoa desenvolver uma doença, como epigenética, microbioma ou até mesmo estilo de vida.

“Sempre existe uma chance de 3 a 4% de [ter] um filho com um problema médico, independentemente da triagem realizada”, disse Jackson Kirkman-Brown, professor de biologia reprodutiva da Universidade de Birmingham, na reunião.

Os testes também podem causar estresse. Assim que um clínico menciona a triagem ampliada de portadores, isso aumenta a carga mental do paciente, disse Kirkman-Brown: “Estamos dizendo que esta é mais uma informação com a qual você precisa se preocupar.”

As pessoas também podem se sentir pressionadas a fazer a triagem ampliada de portadores mesmo quando estão em dúvida quanto a isso, disse Heidi Mertes, bioeticista na Universidade de Ghent. “Uma vez que a tecnologia existe, as pessoas sentem que, se não aproveitarem essa oportunidade, então estão meio que fazendo algo errado ou perdendo algo”, disse ela.

Minha conclusão a partir das apresentações foi que, embora a triagem ampliada de portadores possa ser útil, especialmente para pessoas de populações com riscos genéticos conhecidos, ela não será para todo mundo.

Também me preocupo que, assim como os testes genéticos oferecidos pela Nucleus, sua disponibilidade dê a impressão de que é possível ter um bebê “perfeito”, mesmo que isso signifique apenas “livre de doença”. A verdade é que há muita coisa na reprodução que não conseguimos controlar.

A decisão de fazer a triagem ampliada de portadores é uma escolha pessoal. Mas, como Mertes observou na reunião: “Só porque você pode, não significa que você deva.”

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