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A agilidade da evolução de novas tecnologias influencia diretamente as discussões sobre a digitalização da saúde. Depois que o metaverso saiu dos holofotes, a Inteligência Artificial (IA) generativa se tornou a grande protagonista dos debates em 2023, mas a expectativa é que o uso da IA seja extremamente refinado e abra espaço para soluções ainda restritas no setor.
Em entrevista à MIT Technology Review, o presidente da Johnson & Johnson MedTech Brasil, Fabrício Campolina, fala sobre a próxima bola da vez: o novo hype da saúde nos próximos anos pode ser a visão computacional integrada à IA para monitoramento, prevenção e promoção de saúde.
Graduado em Ciência da Computação, o executivo tem mais de 20 anos de experiência na indústria de alta tecnologia. Grande entusiasta das potencialidades da IA na saúde, Campolina reconhece que o mau uso da ferramenta traz preocupações e revela os movimentos para a mitigação de riscos.
Ainda assim, na visão do executivo, os benefícios da tecnologia superam os possíveis prejuízos intrínsecos ao seu uso. “A velocidade das mudanças pode trazer receio, medo, preconceitos. Estamos no momento de entender que a tecnologia é uma ferramenta para nos ajudar a aumentar a produtividade, reduzir o desperdício, tornar as nossas empresas mais ágeis. No final das contas, a inovação é como se fosse o ‘elixir da juventude’ das empresas e das pessoas. Se você abraça a inovação e abraça a tecnologia, você sempre vai ser uma organização jovem e relevante”, afirma.
MIT Technology Review Brasil: Como você avalia a implementação da Inteligência Artificial (IA) generativa na área da saúde?
Fabricio Campolina: Eu sou formado em Ciência da Computação. Ainda que eu não atue há muito tempo, eu tenho uma paixão pela área. De maneira geral, é preciso reconhecer que demos um salto de maturidade e de acessibilidade no que diz respeito à Inteligência Artificial com o advento do Open AI e de toda a evolução que se deu na área de IA generativa. Alguns casos de uso que não eram possíveis cerca de dois anos atrás passam a ser essenciais se você realmente quiser continuar evoluindo.
Há três casos de uso que eu acredito que sejam fundamentais para a saúde. O primeiro está relacionado à digitalização das linhas de cuidado para gerar comunicação com os pacientes e mantê-los engajados. Quando você desenha uma linha de cuidado, você desenha a trajetória que aquele paciente deveria ter no cuidado de saúde dele, de acordo com o que se tem de mais avançado. A questão é que, muitas vezes, o paciente fica perdido nessa caminhada, e o que as instituições de saúde fazem é ter enfermeiras navegadoras que vão orientar esse paciente falando: “Olha, você deveria estar fazendo uma mamografia a cada um ano”. E aí, dependendo do que for encontrado, vão orientar no passo a passo de como ele deveria estar cuidando da sua própria saúde. Com Inteligência Artificial generativa, nós evoluímos daquele chatbot que não gerava empolgação e passamos a ter uma comunicação que pode ocorrer por meio do WhatsApp, do SMS, e você não sabe diferenciar se está falando com uma pessoa ou com uma máquina. Você vai poder garantir que esses pacientes tomem as decisões corretas, no momento correto. O segundo caso de uso — que eu acredito que vá ter um impacto muito grande —, é a redução de tarefas administrativas. Existem dados que mostram que médicos clínicos acabam tendo duas horas do tempo deles investidas em trabalhos burocráticos, como anotações no prontuário e elaboração de laudos e pedidos de autorizações de convênio médico. É um tempo muito importante que poderia estar sendo dedicado a cuidar de pessoas. E o terceiro, é um nivelamento relativo de conhecimento: a Inteligência Artificial generativa — obviamente que isso ainda está em evolução e tem muitas limitações — poderá ser uma ferramenta de apoio que vai ajudar jovens e profissionais de saúde a acelerar a curva de aprendizado deles.
Em relação à Johnson & Johnson MedTech, reconhecemos que a Inteligência Artificial generativa é uma ferramenta maravilhosa e estamos dispostos a explorar o seu máximo potencial. Mas, ao mesmo tempo, é fundamental ter uma governança em relação a essa ferramenta, porque, obviamente, temos a nossa responsabilidade enquanto companhia. Até tenho ouvido falar que, do mesmo jeito que para pesquisa clínica você tem um comitê de ética, vamos precisar ter um comitê de ética para a Inteligência Artificial. Então, neste momento, estamos estudando profundamente para poder criar todo um arcabouço de governança e garantir que a potencialidade da IA seja utilizada na sua plenitude, sem muitos dos riscos que já foram identificados, e depois escalar isso na companhia de uma maneira responsável, condizente com a nossa marca.
TR: Em 2022, muito se falava sobre metaverso na área da saúde. Você ainda enxerga essa aplicabilidade nos próximos anos?
Fabricio Campolina: Muitas vezes, temos uma empolgação inicial sobre uma tecnologia, depois ela cai e, então, cresce de maneira sustentável; outras vezes, ela acaba ficando pelo caminho. Tanto a Inteligência Artificial quanto metaverso vão ter um impacto gigantesco e vieram para ficar. Talvez, o metaverso esteja naquele momento de não chamar tanta atenção, mas eu não tenho dúvida de que ele vai voltar a se estabelecer com muita força nos próximos anos. Na minha visão, metaverso é você conseguir criar uma ilusão na sua mente de que aquilo que você está vivendo é real. Isso é muito pessoal. Com o nível de tecnologia atual, para algumas pessoas, já acontece. Essa última versão dos óculos 2.0 evoluiu muito. Quando me chamaram para conhecer, eu coloquei o dispositivo e esqueci da vida. Literalmente, depois de um tempo, eu esqueci que aquilo não era real. Ele enganou o meu cérebro! Temos módulos de simulação bastante reais de treinamento em cirurgia de joelho, de cirurgia de quadril, de fisiologia e em cirurgia geral. Quando um médico residente, por exemplo, entra naquele mundo, se a mente dele acredita que aquilo é real e ele repete aquele procedimento muitas e muitas vezes, ao seguir para o campo cirúrgico, com o paciente real, ele já sabe o que está fazendo.
TR: A Inteligência Artificial, como tem sido usada no ChatGPT, por exemplo, tem uma escalabilidade muito superior a essas soluções do metaverso?
Fabricio Campolina: A Inteligência Artificial tem muito mais potencial porque no metaverso você precisa ter o ponto de imersão, que custa caro. Isso, infelizmente, acaba restringindo quem pode ter acesso. A Inteligência Artificial generativa vai ter uma escalabilidade maior do que o metaverso, mas eu acho que o metaverso também vai escalar, talvez em uma velocidade um pouco menor. O 5G aumenta muito a potencialidade das duas tecnologias. Para o metaverso, você depende de internet para realmente ter uma experiência imersiva, em que você possa colocar várias pessoas no mesmo ambiente. A Inteligência Artificial generativa também vai no mesmo caminho, porque você precisa de internet para você poder acessar qualquer aplicação que seja. Com essa nova tecnologia, você praticamente elimina qualquer dificuldade que existiria em relação à infraestrutura.
TR: Em 2024, qual será a tecnologia do momento?
Fabricio Campolina: É praticamente impossível tentar adivinhar o que vem pela frente. Quem estava falando de Inteligência Artificial em setembro [de 2022]? Agora, se você me permite um palpite — nada mais do que palpite —, acredito que teremos muitas possibilidades relacionadas à visão computacional, com Inteligência Artificial na ponta, revolucionando algumas áreas de cuidado da saúde. Provavelmente, no futuro vamos poder ter uma câmera que vai captar o tempo todo as nossas faces. Já existe uma tecnologia que permite isso, mas ela ainda não está aprovada pela FDA [agência reguladora dos Estados Unidos], e ela ainda vai evoluir. Provavelmente, daqui a alguns anos, essas câmeras vão analisar o tempo todo o nosso semblante e vão saber como está o nosso batimento cardíaco, a nossa pressão, a nossa condição de saúde mental. Eu imagino que ela vá monitorar isso o tempo todo, processando com Inteligência Artificial na ponta e, por exemplo, vai poder enviar alertas para a área de Recursos Humanos ou para o próprio líder, dizendo: “Olha, o seu funcionário está com um quadro de estresse muito alto”. Ela vai antecipar todos esses diagnósticos. Mais ainda: eu acredito que teremos isso, por exemplo, filmando o que você está comendo, já fazendo a contagem de calorias, trazendo recomendações sobre isso. Para mim, o grande salto tecnológico que nós teremos é essa integração de visão computacional com Inteligência Artificial.
TR: O Brasil tem vários desafios tanto de infraestrutura quanto de conectividade e de interoperabilidade entre os sistemas de saúde público e privado. O que precisa ser resolvido para isso tudo ir para a frente?
Fabricio Campolina: Vivenciamos, no momento, um grande desafio de sustentabilidade no setor, tanto na saúde suplementar quanto no sistema público. Não é uma questão do Brasil, mas de todo o mundo. A própria referência global, que é o NHS, do Reino Unido, tem passado por muitas dificuldades e recebido questionamentos. Nesse contexto, precisamos melhorar a eficiência e, principalmente, a integração entre esses dois sistemas. A base de tudo, por onde precisamos começar, é a integração dos dados — seja Open Health ou outro nome que quisermos chamar. Precisamos que todos os dados sobre a saúde do paciente, que são coletados quando ele faz uma visita a um hospital, a uma UBS, a uma UPA ou a qualquer consultório clínico, sejam consolidados em um prontuário único universal. Precisamos que o paciente seja o dono desses dados e que ele possa, obviamente, definir para quem ele vai dar acesso a eles. A partir do momento em que houver integração de dados, vamos reduzir muito o desperdício de recursos.