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Eventos climáticos extremos, elevação do nível do mar, perda da biodiversidade e desafios na agricultura e na saúde humana são apenas algumas das consequências devastadoras que já estamos enfrentando. A urgência de encontrar soluções eficazes nunca foi tão grande.
Para preservar nosso planeta, devemos não apenas reduzir a poluição, proteger a saúde pública e promover a equidade social, precisamos adotar, também, diferentes tecnologias avançadas que fomentem a sustentabilidade. Uma delas é a tecnologia nuclear.
Embora frequentemente associada à geração de energia, a tecnologia nuclear possui uma gama diversa de aplicações que vão muito além disso. Desde a medicina até a agricultura, passando pela indústria e pelo monitoramento ambiental, essa tecnologia oferece soluções para diversos desafios globais.
A medicina nuclear, por exemplo, utiliza radioisótopos para diagnósticos e tratamentos de doenças, enquanto a irradiação de alimentos ajuda a conservar produtos agrícolas. Além disso, técnicas nucleares podem ser utilizadas na descontaminação de solos e água, contribuindo para a recuperação de ecossistemas.
Ao explorar essas aplicações, podemos transformar a maneira como enfrentamos os problemas ambientais e climáticos, construindo um futuro mais sustentável e resiliente para todos.
Agricultura sustentável com irradiação nuclear
Segundo o Núcleo de Agronegócio Global (Insper Agro Global), anualmente, em média, um terço dos alimentos destinados ao consumo humano no mundo é perdido ou desperdiçado. Isso equivale a mais de 1 bilhão de toneladas de alimento, resultando em um prejuízo econômico de centenas de bilhões de dólares (estimativas recentes apontam para US$ 940 bilhões). Este desperdício de alimentos não só agrava as questões de falta de segurança alimentar, mas também contribui com os impactos ambientais provocados pela ocupação de aterros e liberação de gases de efeito estufa.
De acordo com pesquisas recentes publicadas no Relatório do Índice de Desperdício de Alimentos 2024 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a perda e o desperdício de alimentos contribuíram com cerca de 8% a 10% das emissões globais de gases do efeito estufa, quase cinco vezes mais do que o setor de aviação. Além disso, essa questão também causa uma perda significativa da biodiversidade ao ocupar o equivalente a quase um terço das terras agrícolas do mundo. O custo estimado desse prejuízo e desperdício de alimentos na economia global é de aproximadamente US$ 1 trilhão.
Uma das soluções que pode ser empregada para ajudar a mitigar esse problema é a irradiação de alimentos. Essa técnica utiliza radiação ionizante para eliminar microrganismos, insetos e parasitas dos produtos agrícolas, tudo isso sem alterar seus valores nutricionais, prolongando sua vida útil. Durante esse processo, os alimentos são transportados para uma câmara de irradiação. Esta câmara é projetada para conter a radiação, garantindo a segurança dos trabalhadores e do ambiente externo. Dentro desse espaço, os alimentos são expostos à radiação ionizante durante um intervalo de tempo controlado. A radiação ionizante penetra nos alimentos eliminando ou inibindo a ação de bactérias, vírus, fungos e parasitas que poderiam causar degradação ou doenças.
A dose de radiação utilizada é monitorada e ajustada conforme o tipo de alimento e a finalidade do processo. Doses mais baixas podem ser aplicadas para impedir a germinação em tubérculos – como batatas -, enquanto doses mais altas são necessárias para esterilizar os alimentos e eliminar organismos que podem causar doenças.
É importante ressaltar que a irradiação não torna os alimentos radioativos e não altera, significativamente, suas propriedades nutricionais ou sensoriais. Estudos científicos e organizações de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a irradiação de alimentos como um método seguro e eficaz para garantir a segurança alimentar.
Essa técnica claramente contribui para alcançar as metas estabelecidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Entre eles: objetivo 2, que é acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; o objetivo 12, que é assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; e o objetivo 12.3, que é, até 2030, reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheira.
Muitos países têm utilizado a irradiação de alimentos com grande sucesso, trazendo benefícios significativos para suas economias agrícolas, já que essa técnica permite a exportação de produtos agrícolas para mercados que exigem altos padrões de segurança alimentar.
Além disso, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estão trabalhando em um projeto que utiliza técnicas nucleares para desenvolver sementes mais resistentes às mudanças climáticas. O objetivo é criar cultivares, que são variedades de plantas desenvolvidas através de seleção e melhoramento genético, capazes de prosperar em condições adversas, garantindo a segurança alimentar em um mundo em constante mudança.
Monitoramento climático com tecnologia nuclear
A tecnologia nuclear também tem um papel fundamental no monitoramento climático. Técnicas nucleares e isotópicas são empregadas para medir as quantidades de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono, metano e outros, que presentes na atmosfera. Esses dados são fundamentais para compreender as mudanças climáticas e desenvolver políticas de mitigação eficazes.
O uso de isótopos para monitorar poluentes envolve a análise das proporções de diferentes isótopos de um elemento químico presente em amostras ambientais. Isótopos são átomos de um mesmo elemento químico com diferentes números de nêutrons no núcleo. As proporções de isótopos em uma amostra podem variar de acordo com a origem e os processos que a afetaram. Essa técnica possibilita o rastreamento da origem e do destino dos poluentes, funcionando como uma espécie de “impressão digital” isotópica.
O processo geralmente passa por três etapas:
- Coleta de amostras: são recolhidas amostras de ar, água ou solo em diferentes locais e momentos.
- Análise isotópica: a análise das amostras é realizada através de uma técnica chamada espectrometria de massa de razão isotópica, que mede a quantidade de diferentes tipos de átomos (isotópos) presentes na amostra.
- Interpretação dos dados: as proporções isotópicas são comparadas com valores de referência conhecidos, o que ajuda a identificar a origem dos poluentes e compreender os processos que os transportaram ou transformaram.
No Canadá, essa análise isotópica é amplamente utilizada para monitorar a poluição ambiental. Um exemplo é o uso de isótopos de nitrogênio e oxigênio para rastrear a origem de nitratos em corpos d’água, ajudando a identificar fontes de poluição agrícola e urbana. Na Alemanha, técnicas isotópicas são usadas para monitorar a qualidade do ar e rastrear a origem de poluentes atmosféricos. Por exemplo, isótopos de enxofre são utilizados para identificar fontes de poluição industrial e de transporte.
No caso do Brasil, artigos publicados pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), também conhecido como Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), demonstram aplicações dessa técnica na hidrologia, como monitorar a qualidade da água e identificar fontes de contaminação.
Desafios e soluções para a implementação
Em um mundo cada vez mais desafiado pelas mudanças climáticas e pela degradação ambiental, a integração da tecnologia nuclear em diversas áreas, como agricultura, saúde e meio ambiente, destaca seu potencial transformador na promoção da sustentabilidade. No entanto, a implementação dessas tecnologias não vem sem seus desafios que precisam ser superados para que seu potencial seja plenamente realizado.
A percepção pública sobre a tecnologia nuclear pode ser frequentemente negativa, muitas vezes influenciada por desconhecimento e desinformação. Esse cenário pode gerar resistência ao uso dessa tecnologia, como a construção de novos reatores e a implementação dessas técnicas. A tensão entre a necessidade de soluções energéticas inovadoras e a apreensão pública em relação à segurança nuclear é palpável.
Para mitigar essa resistência, é fundamental promover um diálogo aberto e transparente com a sociedade. A conscientização sobre os usos e benefícios da tecnologia nuclear deve ser uma prioridade, destacando não apenas os aspectos positivos, mas também abordando de forma honesta os riscos e as medidas de segurança implementadas. Informar a população de maneira clara e acessível pode ajudar a desmistificar a energia nuclear, reduzindo medos infundados e promovendo uma aceitação mais informada e equilibrada.
Ao enfrentar diretamente os mitos e receios, e ao fornecer evidências concretas dos benefícios e das precauções tomadas, podemos fomentar uma compreensão mais profunda e uma implementação mais ampla e segura da tecnologia nuclear.
Outro desafio é o investimento. A falta de financiamento pode limitar o avanço científico e tecnológico, além de reduzir a formação de profissionais altamente qualificados que são essenciais para o sucesso dos projetos nucleares. A pesquisa contínua é fundamental para desenvolver novas aplicações e melhorar a eficiência das tecnologias nucleares. Políticas públicas e participação do setor privado são cruciais para garantir a implementação mais ampla e segura da tecnologia nuclear.
Para que isso aconteça, é necessário que os governos invistam mais em políticas públicas que incentivem a pesquisa e o desenvolvimento (P&D) no setor nuclear. Isso inclui a criação de programas de financiamento para projetos inovadores, incentivos para empresas que adotem tecnologias nucleares e o estímulo aos investimentos privados. Tudo isso com regulamentações claras que continuem garantindo a segurança e a eficácia das tecnologias nucleares, ao mesmo tempo em que promovem a transparência e a confiança pública.
A participação do setor privado também é essencial para o sucesso da tecnologia nuclear. Empresas privadas podem contribuir com recursos financeiros, expertise técnica e capacidade de inovação, acelerando o desenvolvimento e a implementação de soluções nucleares. Para incentivar essa participação, é importante que se facilite a colaboração entre governos, instituições de pesquisa e empresas.
Além disso, a cooperação internacional desempenha um papel vital na promoção do uso seguro e eficiente da tecnologia nuclear. A colaboração entre países permite o compartilhamento de conhecimentos, melhores práticas e recursos, além de facilitar a harmonização de regulamentações e padrões de segurança. Organizações internacionais, como a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), atuam como facilitadoras dessa cooperação, promovendo diálogo e colaboração.
Para que possamos aproveitar todo o potencial da tecnologia nuclear, é fundamental superar esses desafios de percepção pública, investimento e colaboração. A conscientização sobre os benefícios e a segurança dessas técnicas, aliada a um esforço conjunto entre governos, instituições de pesquisa e o setor privado, permitirá o desenvolvimento e a implementação de soluções nucleares seguras e eficientes.
O futuro da tecnologia nuclear é realmente promissor. Ela não é apenas uma solução para a geração de energia, mas também uma ferramenta versátil que impulsiona a agricultura sustentável, protege o meio ambiente e garante a segurança alimentar. Se nos comprometermos coletivamente a adotar e expandir essas inovações, podemos mudar a forma como enfrentamos os problemas ambientais e climáticos.
Essa tecnologia é essencial na construção de um mundo mais sustentável e resiliente, onde os recursos naturais são preservados e as futuras gerações possam prosperar. Imagine um mundo onde a inovação e a colaboração global nos permitem enfrentar os desafios climáticos de maneira eficaz e construir um futuro mais justo e equilibrado para todos.