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A atenção básica é a porta de entrada dos sistemas de saúde. O termo foi consolidado por meio de um tratado mundial, em 1978, durante a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde. No evento, a comunidade global buscava um compromisso internacional de cooperação entre as nações para melhorar a oferta de assistência à sociedade em um contexto de fragilidades decorrentes da industrialização.
A solução viria do investimento na promoção e prevenção, e do fortalecimento de políticas públicas que colocassem em prática a visão de que a saúde não é apenas a ausência de doença, mas sim um estado completo de bem-estar físico, mental e social. O desafio para as instituições e governos era o de reformular os sistemas para que a população mundial atingisse um nível de saúde que lhes permitisse levar uma vida social e economicamente produtiva até o ano de 2000. Foi uma meta audaciosa, oficializada por meio da Declaração de Alma Ata sobre Cuidados Primários.
Mais de 40 anos se passaram desde a conferência e, há duas décadas, a meta de 2000 ficou para trás. No Brasil, a maior conquista foi a construção de um sistema de saúde que, do ponto de vista público e privado, busca ser acessível a todas as camadas da população. Contudo, o acesso desigual e o desconhecimento sobre o potencial da atenção primária ainda são fragilidades.
Com o passar dos anos, a complexidade dos problemas de saúde da população aumenta e pressiona cada vez mais o sistema, que se compara a uma espécie de “panela de pressão”. Gestores buscam evitar a explosão com estratégias de operação, investimentos e consolidação de estratégias de atenção primária.
“A pressão do sistema acendeu todos os sinais de alerta sobre a necessidade de que a Declaração de Alma Ata sobre Cuidados Primários seja cumprida, e a atenção primária seja fortalecida”, destaca o superintendente da UNIDAS em Minas Gerais, Wesley Nunes, em entrevista à MIT Technology Review Brasil.
Em 2020, Nunes iniciou um projeto inovador com o objetivo de gerar valor ao paciente, buscar melhores desfechos e favorecer a sustentabilidade do sistema de saúde. O programa de atenção primária, descentralizado de Belo Horizonte, tem parceria com 14 ambulatórios presentes em oito municípios de Minas Gerais. No total, há quase 15 mil vidas vinculadas aos serviços. O projeto utiliza a tecnologia e o conhecimento das autogestões para conduzir o usuário ao melhor resultado possível de saúde.
A base do programa foi atender de maneira compartilhada, em um modelo de negócios desenhado em parceria com autogestões e prestadores de serviço. A atenção primária foi instituída como porta de entrada preferencial, houve o fortalecimento da equipe multidisciplinar de saúde e de ações como: coleta de sangue; ECG; coleta de citopatológico; curativos; uso de medicamentos; e bioimpedância. Dessa maneira, foi possível acompanhar a evolução da condição de saúde das vidas vinculadas ao programa, promovendo uma assistência longitudinal por meio de um plano de cuidado personalizado.
Os números mostram um caminho promissor para despressurizar o sistema de saúde. No caso do ambulatório de Uberlândia, com atendimento de cerca de 1.500 pessoas, por exemplo, a média do índice de satisfação de usuário (NPS) foi de 99%. Outro dado relevante é que 95% dos usuários cumpriam o plano de cuidados estipulado pela equipe multidisciplinar da unidade. O resultado da mudança de comportamento e impacto do programa também é evidenciado por meio da ida ao pronto-socorro, procurado por apenas 7% da população coberta pelo programa.
“Se o paciente chega com uma dor de cabeça, a equipe multidisciplinar vai avaliar o contexto da dor, o histórico daquele paciente e até pode disponibilizar um psicólogo ou um médico para que se chegue a um diagnóstico preciso. Nessa lógica, a atenção primária tem o potencial de atender 80% das queixas e condições de saúde do usuário, e por isso o sucesso do modelo e a baixa procura do pronto-socorro, onde há espera, baterias de exames e muitas vezes inconclusões.”, explica o superintendente da UNIDAS.
O diferencial do modelo de negócio, segundo Nunes, é a tecnologia. Além de investir em uma plataforma capaz de registrar o histórico de atendimento, com a estratificação de dados é possível usar medicina preditiva e personalizar os planos de cuidado de cada usuário.
“Saber que um usuário tem propensão a ter diabetes ou hipertensão no futuro, de acordo com algoritmos que demonstram riscos, me permite não apenas manejar essa situação para o usuário, mas também preparar toda uma cadeia de saúde daquela região para a necessidade de saúde a médio prazo”, explica.
Outro case de sucesso foi o da SIM Plano de Saúde, que apostou em ações individuais e coletivas destinadas à promoção de saúde, prevenção de doenças, monitoramento de riscos e colocou a tecnologia como protagonista dessa mudança. A empresa, criada em Florianópolis, acionou os prestadores de serviço para um novo modelo de negócio e contrato, colocando estratificação, telemonitoramento e outras ferramentas digitais como condutoras para a inclusão de usuários no acompanhamento primário.
O programa começou em 2022 e demonstrou sua eficiência pelo saving. O custo para tratar 991 vidas captadas pelo programa nos primeiros seis meses do ano foi de cerca de R$ 6 milhões. Em 2021, tratar as mesmas pessoas custou R$18 milhões em doze meses. O saving foi de R$ 2,4 milhões em menos de um ano.
“Um beneficiário tinha mais de 250 consultas por ano e agora ele tem 56. Não é o ideal, mas já demonstra que em pouco tempo houve uma mudança. O prestador foi mais efetivo no atendimento, conseguiu avaliar a situação e fazer a coordenação do cuidado de maneira eficiente”, contou Alfeu Luiz Abreu, diretor-executivo da SIM, durante o 25º Congresso Internacional UNIDAS.
Os exemplos demonstram que boas práticas, com o apoio da tecnologia, podem trazer sustentabilidade e adesão da sociedade ao modelo de atenção primária à saúde. Contudo, ainda é necessário atrair e engajar mais usuários nessa mentalidade.
“É um trabalho das autogestões junto aos prestadores. É necessário discutir, criar maturidade e entender, com as boas práticas, que é possível oferecer uma melhor experiência para o paciente e trazer mais eficiência para o sistema como um todo. Só assim vamos conseguir garantir acesso à saúde e despressurizar os sistemas”, afirma Wesley Nunes.