Alan Woodward mora no interior, no sudoeste rural da Inglaterra. Ele brinca que na vizinhança há mais seres de quatro patas do que de duas pernas. Ele é professor de ciência da computação na Universidade de Surrey e seu trabalho gira em torno da segurança cibernética, comunicações e computação forense. Ele precisa de uma Internet boa, mas nunca teve muita sorte em encontrá-la.
“Sempre houve muitos esquemas nos quais estive envolvido para obtermos o que se chama de internet ultrarrápida”, diz ele. “Mas sempre falham. Sempre dão errado. Posso tentar instalar fibra óptica aqui? Sem chance. As provedoras nem se quer tentam fazer uma cotação para isso. Estávamos absolutamente sem saída”. Ele brinca que, se ele precisava transferir arquivos grandes para colegas, enviar pen drives por correio era mais fácil do que tentar pela internet.
No início de agosto, no entanto, sua situação mudou graças ao Starlink. Woodward se tornou um usuário beta do serviço de internet da SpaceX, que usa uma frota crescente de 1.600 satélites orbitando a Terra para fornecer acesso à internet para pessoas na superfície. No final de julho, a empresa registrava cerca de 90.000 usuários. “Nas primeiras semanas, tornei-me um verdadeiro fã do Starlink”, diz Woodward.
“Para qualquer pessoa que vive no meio do nada, como eu, o Starlink parecerá uma espécie de revelação divina”, acrescenta.
Mas o Starlink não foi projetado apenas para conectar professores de segurança cibernética que trabalham remotamente: a SpaceX fez afirmações ainda maiores. Ela espera levar internet de alta velocidade via satélite para muitas das 3,7 bilhões de pessoas neste planeta que atualmente não têm conexão. Muitas simplesmente se contentam com conexões de telefones celulares, uma solução alternativa cara por si só. (Um gigabit de dados na África Subsaariana custa 40% do salário médio mensal.)
E isso sem considerar as pessoas que já têm acesso à Internet, mas não têm conexão de banda larga. Nos Estados Unidos, quase todos os cidadãos têm acesso à Internet, mas cerca de 42 milhões não têm acesso à banda larga. E mesmo que tenham, a Microsoft estima que 157 milhões de americanos, a maioria dos quais vivem em comunidades rurais, não recebem velocidades de banda larga maiores que 25 Mbps. As comunidades negras têm uma probabilidade desproporcionalmente maior de não ter acesso à Internet de banda larga, mesmo quando estão próximas de comunidades mais brancas (e mais ricas). Depois de viver na pandemia do coronavírus (Covid-19) e em uma época em que a maioria das pessoas confiava na internet como uma tábua de salvação, é difícil pensar que a conexão de alta velocidade ainda seja um luxo inatingível para alguns.
Infelizmente, não está claro se o Starlink pode realmente resolver esse grande problema. “É realmente destinado a regiões pouco povoadas”, disse o fundador da SpaceX, Elon Musk, em uma conferência em junho. “Em áreas de alta densidade, seremos capazes de atender a um número limitado de clientes.” E muitos cidadãos de áreas rurais do mundo ficarão excluídos pois não poderão pagar.
O Starlink deve reduzir os custos rapidamente para expandir sua base de clientes, mas também precisará gerar receita suficiente para continuar a lançar centenas ou mesmo milhares de satélites todos os anos. É uma aposta muito alta, e que pode não se concretizar.
O preço
Os serviços típicos de Internet via satélite colocam apenas alguns satélites em órbitas muito altas, chamadas de órbitas geoestacionárias. Assim, satélites individuais podem fornecer áreas mais amplas de cobertura, mas a latência (ou tempo de atraso) é maior. Woodward já usou esses serviços antes, mas sempre os considerou “inúteis”.
O Starlink e seus concorrentes, como OneWeb e Amazon Kuiper, em vez disso, implantam dezenas de milhares de satélites em órbita terrestre baixa (LEO, pela sigla em inglês). Sua maior proximidade com a Terra reduz significativamente a latência. E embora cada um cubra uma área pequena, seus números totais significam que, em teoria, eles deveriam cobrir todo planeta e evitar qualquer perda de conexão.
O Starlink começou o teste beta no ano passado e agora está disponível em 14 países. Em dezembro passado, a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, em inglês) concedeu à SpaceX US$ 886 milhões como parte de seu Fundo de Oportunidade Digital Rural (RDOF, em inglês), que subsidia empresas de telecomunicações dos Estados Unidos que estão construindo infraestrutura para ajudar áreas rurais a obterem acesso de banda larga.
Mas não está totalmente claro se as zonas rurais dos Estados Unidos são uma base de clientes viável para o Starlink. O maior problema é o custo. Uma assinatura Starlink custa US$ 99. As velocidades podem variar muito, mas o usuário comum deve esperar 50 a 150 megabits por segundo. Você teria que pagar a empresas tradicionais de internet via satélite como a Viasat (que opera satélites geoestacionários) o dobro desse valor para obter as mesmas velocidades. Nada mal.
No entanto, é a despesa inicial que sai mais cara com o Starlink. Os custos de equipamentos como a antena parabólica e o roteador chegam a colossais US$ 499, vendidos aos clientes perplexos. O fundador da SpaceX, Elon Musk, disse anteriormente que espera que esses custos possam cair para algo em torno de US$ 250, mas não está claro quando ou se isso pode acontecer. Para grande parte do mundo rural, nos Estados Unidos e em outros lugares, o preço é simplesmente alto demais.
Então, quem serão os primeiros usuários do Starlink? As demandas físicas e financeiras de construir satélites e colocá-los em órbita (embora estejam mais baratos do que nunca, não deixa de ser um empreendimento muito caro) significam que o Starlink estará operando com prejuízo por algum tempo, diz Derek Turner, analista de política de tecnologia da Free Press, organização sem fins lucrativos que defende a comunicação aberta. E reduzir os custos significará procurar clientes além das pessoas no campo, sem acesso à Internet.
Em vez disso, é mais provável que os primeiros clientes incluam os militares dos EUA, que, ao operar em áreas remotas, costumam depender de satélites geoestacionários com seu serviço congestionado e alta latência. Tanto a Força Aérea quanto o Exército estão interessados em testar o Starlink. Alguns especialistas em inteligência apontaram a conturbada retirada do Afeganistão como um exemplo de onde o serviço poderia ter ajudado.
As companhias aéreas, que desejam oferecer aos passageiros um Wi-Fi mais rápido e estável durante o voo, também estão buscando o Starlink. Outros negócios comerciais em áreas rurais também podem se beneficiar desses serviços. E, claro, existem especialistas em tecnologia e clientes curiosos nos subúrbios e nas cidades com dinheiro para experimentá-lo
Na opinião de Turner, incluir esses clientes pode ajudar a baixar os preços para todos, mas também significa menos largura de banda para todos. O Starlink pode compensar esse problema lançando mais satélites, o que eventualmente planeja fazer, mas apenas se tiver assinantes suficientes.
Musk disse que serão necessários dezenas de bilhões de dólares em capital para que o Starlink tenha capacidade suficiente para gerar um fluxo de caixa positivo. Ele lançou 1.600 satélites até agora sem nenhum problema, mas a meta final de 42.000 é uma questão totalmente diferente. “Ela não tem um escalonamento tão favorável quanto a banda larga por cabo”, diz Turner. Ainda não está claro de quantos satélites o Starlink precisará para fornecer internet confiável de alta velocidade para centenas de milhares ou até milhões de assinantes que se conectam ao mesmo tempo.
E para muitos clientes, especialmente empresas comerciais, existem alternativas mais baratas ao Starlink que ainda podem atender às suas necessidades. Um fazendeiro, que usa sensores inteligentes para monitorar o clima local e as condições do solo, não precisa de internet banda larga para usá-los. É aí que entram empresas menores, como a Swarm, dos Estados Unidos: ela usa uma frota de mais de 120 pequenos satélites para ajudar a conectar dispositivos inteligentes para tais casos. Swarm (recentemente adquirido pela SpaceX) oferece um plano de dados a partir de apenas US$ 5/mês. E, é claro, se você estiver em uma área bem povoada, gastar US$ 99/mês com outro provedor provavelmente fará com que você tenha velocidades próximas de 1.000 Mbps.
Estorno
À primeira vista, o subsidio RDOF da FCC para o Starlink sugere que a área rural da América é uma parte essencial do plano de crescimento do projeto. Mas Turner diz que isso é um equívoco, e que a SpaceX não deveria ter sido autorizada a participar do RDOF em primeiro lugar, já que ela iria construir a rede Starlink de qualquer maneira. E agrega: “Eu acho que teria sido melhor que a FCC direcionasse seus recursos para trazer banda larga duradoura em áreas onde não faz sentido economicamente implementá-la” diz ele.
A presidente em exercício da FCC, Jessica Rosenworcel, liderou uma análise no final do ano passado para avaliar como os subsídios RDOF foram concedidos pelo seu antecessor, Ajit Pai, e descobriu que bilhões foram distribuídos às empresas para que levassem internet banda larga para lugares onde era desnecessária ou inadequada, como “ estacionamentos e áreas urbanas bem servidas”. Um relatório da Free Press estimou que cerca de US$ 111 milhões concedidos à SpaceX seriam destinados a áreas urbanas ou lugares sem infraestrutura real ou que apresentassem necessidade de conexão à internet, como canteiros de rodovias. A FCC está pedindo a essas empresas, incluindo o Starlink, que devolvam parte do dinheiro. (SpaceX não respondeu a perguntas ou pedidos de comentários.)
Turner reconhece que os satélites LEO “serão uma inovação muito importante no espaço das telecomunicações”. Mas ele ainda acha que serviços como o Starlink serão um produto de nicho nos Estados Unidos, mesmo a longo prazo, e acredita que a tendência geral continuará em direção à fibra óptica. Mesmo tecnologias emergentes como 5G dependem de conjuntos de antenas muito densas que podem ser conectadas de volta às fibras o mais rápido possível. A banda larga a cabo tem melhorado consistentemente ao longo do tempo, à medida que as empresas fazem melhorias nas redes de fibras e as trazem para mais perto dos clientes.
Partes subdesenvolvidas do mundo podem achar que o Starlink é uma bênção, já que muitos desses lugares não têm redes físicas como o sistema de cabo que os Estados Unidos estabeleceram durante as décadas de 1970, 1980 e 1990. Mas o teste beta até agora é exclusivo para os EUA, Canadá, partes da Europa, Austrália, Nova Zelândia e Chile. É muito cedo para dizer que tipo de impacto isso poderia ter no mundo em desenvolvimento, especialmente se os custos de assinatura e equipamento continuarem altos.
O projeto gostaria de replicar a experiência de Woodward para todos os seus clientes. Mas Woodward sabe que ele tem sorte de poder pagar o Starlink, e por ter suas necessidades atendidas. Por enquanto, pelo menos. “Será interessante ver como o Starlink se comportará quando chegarem a 200.000 usuários”, diz Woodward. “Os preços terão que cair, mas as velocidades e o serviço terão que permanecer os mesmos. Vamos ver como serão as coisas”.
Correção: Atualizamos a definição de acesso de banda larga nos EUA para diferenciar acesso e velocidades.