Por que jogos como Animal Crossing são as novas redes sociais da era coronavírus?
Humanos e tecnologia

Por que jogos como Animal Crossing são as novas redes sociais da era coronavírus?

Jogos delicados e reconfortantes, como o mais recente sucesso da Nintendo, são o entretenimento escapista perfeito, mas também estão ajudando a nos conectarmos nesses tempos estranhos.

NINTENDO

Se você tivesse dito a Areeba Imam em março que ela ficaria obcecada com Animal Crossing, um jogo da Nintendo, ela não teria acreditado em você.

“Eu nunca joguei videogame antes”, diz a estudante de 23 anos, que atualmente está na casa de seus pais no norte da Virgínia, enquanto a pandemia aperta nos EUA. “O único jogo que eu conhecia era Mario Kart no computador, porque minha irmã costumava jogar. Eu nem ao menos sabia que existiam diferentes tipos de console”.

Mas em abril, entediada e presa em casa, Imam comprou um Nintendo Switch Lite e baixou apenas um jogo: Animal Crossing.

Em Animal Crossing, os jogadores são incentivados a construir uma ilha deserta liderada por um guaxinim imobiliário e magnata (Tom Nook) e seus sobrinhos (Timmy e Tommy) e conversar com uma série de animais antropomórficos e bobinhos. Imam considera o jogo uma fuga e um espaço seguro para se reconectar com os amigos. “Eu encontrei alguns amigos e visitei suas ilhas, o que tem sido bom, como se eu pudesse vê-los”, diz ela. “Não estamos falando sobre o que está acontecendo em nossas vidas, o que é revigorante, pois não precisamos entrar em pânico”.

Ela não é a única a encontrar conforto e conexão em uma ilha digital durante a atual crise. A atriz Brie Larson deu uma entrevista à revista Elle de sua “Ilha da Sobremesa”, a modelo Chrissy Teigen postou em seu Twitter sobre sua obsessão pelo jogo, e o cantor Lil Nas X fez um convite no Instagram para jogar com outros.

Animal Crossing não é o único jogo a criar uma fuga virtual para pessoas frustradas por estarem trancadas dentro de casa; outros incluem um sistema de desenvolvimento de terras similar, como o Stardew Valley. Jogos agradáveis e não violentos – juntamente com o assar de pães elaborados e o domínio da arte do happy hour no Zoom – se tornaram um dos nossos mecanismos de defesa contra o isolamento por conta do coronavírus.

Esses jogos são mais do que entretenimento escapista; eles estão ajudando a remodelar a forma como nos conectamos em um futuro em que o distanciamento social possa se tornar a norma. Os videogames permitem a possibilidade de conversarmos, nos conectarmos e conhecermos novas pessoas. Em março, formaturas, cerimônias de casamento, protestos e encontros virtuais com amigos foram coordenados em exuberantes telas pixeladas. Enquanto isso, os estudantes em San Antonio e Bronx recriaram suas escolas secundárias no Minecraft, e jogadores de Final Fantasy organizaram um cortejo fúnebre digital quando um dos usuários morreu por causa do coronavírus. Enquanto a pandemia e o confinamento subsequente mudaram drasticamente a maneira como vivemos nossas vidas, os videogames oferecem uma maneira de nos entregarmos com segurança à nossa necessidade humana básica de conexão.

Rachel Kowert, psicóloga pesquisadora que estudou jogos na última década, sugere que o imenso desejo não é fantasia e distração, mas uma necessidade desesperada de ter controle sobre algo – qualquer coisa. Imam diz o mesmo: “Não posso controlar o que está acontecendo agora, mas posso controlar as tarefas que faço na minha ilha, e isso é calmante”.

Muitos desses jogos “reconfortantes” são classificados como “simuladores de vida”, diz Kowert. As atividades envolvidas neles permitem que os jogadores sintam uma sensação de normalidade. Elas não são baseadas em fantasia; em vez disso, os videogames seguem uma narrativa dividida entre a construção de terras e a criação de uma comunidade com vizinhos, promovendo um ambiente em que os jogadores sentem que não competem, mas trabalham juntos. Também permite a comunicação – à medida em que você se junta para reunir fósseis e peixes, por exemplo. A dinâmica do mundo real também entra em jogo (irmãos mais novos e irritantes podem invadir seu quarto aqui também, veja o TikTok abaixo).

Esses jogos também são fáceis de jogar, reduzindo quaisquer barreiras iniciais para entrar na onda. “Não há muito esforço para jogá-los – não há muitos botões, nenhuma pressão, nenhum estresse, ninguém atrás de você”, diz Kowert. Se você deseja cultivar e vender vegetais, você pode. Se você quiser passar o dia inteiro decorando sua casa, você pode. Se você quiser ouvir as fofocas do bairro, pescar ou explorar uma floresta, você pode. Não existe uma maneira certa de passar o dia e, geralmente, basta mover um joystick em uma direção ou outra para ver o mundo.

“Animal Crossing é sobre visitar uma ilha e jogar com seus amigos,” diz Kowert. “Em Stardew Valley, é sobre conhecer os moradores ao seu redor. São relacionamentos parassociais”.

Kind Words é outro jogo que ajuda os jogadores durante o isolamento a se comunicarem com estranhos. Nele, um avatar senta em uma mesa em um quarto digital e escreve perguntas sobre problemas pessoais do mundo real. Em troca, outros jogadores respondem com notas encorajadoras. O jogo acontece inteiramente dentro do espaço de uma sala, com os jogadores recebendo e enviando notas via envelope digital.

Lançado em setembro, Kind Words foi desenvolvido originalmente como um antídoto para um ambiente de internet cada vez mais vitriólico, diz o co-criador Ziba Scott. Nas últimas semanas de abril, porém, assumiu um papel adicional como uma maneira reconfortante e segura para as pessoas se comunicarem. Em meados de abril, o jogo viu um aumento de 17.000 mensagens em relação ao início do mesmo mês, muitas das quais incluíam palavras como “quarentena”, “covid” e “doente”, diz Scott.

Chris Ferguson, pesquisador de videogames da Universidade de Stetson, diz que jogos como Kind Words e Animal Crossing estão seguindo os passos dos micronichos de comunidades online que surgiram nos últimos anos. Grande parte do jogo é construída em torno dos relacionamentos que os jogadores podem formar com outros usuários que pensam da mesma forma. Isso é especialmente importante na era do coronavírus.

“Acho que a proposta de valor é muito mais clara”, diz Scott. Pessoas que nunca haviam jogado antes da crise atual puderam ver de repente como os jogos podem ajudá-las a se conectar, diz ele. Até a OMS agora está incentivando as pessoas a ficarem em casa e jogar videogame, usando a hashtag #PlayApartTogether (em tradução livre, joguem juntos e separados). Isso certamente está ajudando a eliminar parte do estigma em torno dos jogos e do espectro do vício em videogames. “Isso é incrível”, diz Kowert. “Eles estão mudando a narrativa do pânico moral”.

Os videogames, principalmente os mais calmos, também oferecem espaços seguros para pessoas marginalizadas ou que buscam consolo na simples alegria de conhecer alguém novo. Eles oferecem uma maneira possível de mostrar nosso eu digital, nossa personalidade, sem precisar mostrar nosso “eu verdadeiro” – tornando a conexão menos assustadora, tanto física quanto emocionalmente.

Para o Imam, os jogos também são um portal para o que poderia ter sido. “Eu cresci durante a recessão de 2008 e estou prestes a me graduar no meio de uma crise econômica”, diz ela. “Mudar para um lugar dentro dessa realidade alternativa, onde eu posso controlar tudo, desde a minha sobrevivência básica até ir aonde quero para conhecer pessoas – é meio que perfeito.”

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