Especialmente, em 2020, por conta da aceleração digital nas empresas, estimulada pela pandemia da covid-19, vimos a busca por profissionais de tecnologia ampliar-se ainda mais. Na grande São Paulo, por exemplo, o aumento da oferta de postos de trabalho alcançou cerca de 600% na Catho, uma das maiores plataformas de empregos. Além disso, outra transformação desse mercado no último ano, foi a alta nos salários, que chegou a subir quase 30%, de acordo uma a Revelo, plataforma de recrutamento online.
A constatação para esse último fenômeno pode ser explicada pela lei da oferta e da procura. A alta demanda por profissionais de TI, versus a escassez de pessoas qualificadas, fez com que os salários desse grupo aumentassem. Como ressaltamos anteriormente, o crescimento do setor foi estimulado pela pandemia, em que muitos negócios viram a necessidade urgente de tornarem-se digitais, sob risco de fecharem as portas. Contudo, vale ressaltar que não foi somente a covid-19 que ocasionou esse fenômeno no mercado, há algum tempo já se previa esse gap na área TI, fato é que agora ele se tornou mais evidente e as empresas perceberam a necessidade de dar a real importância para esse assunto.
Até aqui, já constatamos que uns dos motivos que dificultam a contratação de profissionais de tecnologia é a alta demanda do mercado. Mas, não é somente isso! Existem diversos motivos pelos quais as empresas têm dificuldade de recrutar, contratar e reter funcionários.
Vamos analisar os principais aspectos que perpassam esse fato e o que podemos fazer para que esses impactos sejam minimizados, especialmente nas grandes empresas.
Um cenário que precisa ser levado a sério
Não devemos responsabilizar unicamente a alta demanda em tecnologia para justificar a dificuldade de contratar profissionais de TI. Existem aspectos que as empresas podem e devem trabalhar para reverter essa estatística. O primeiro ponto que quero chamar a atenção diz respeito a cultura organizacional, a forma como as empresas a definem e a praticam, pode se tornar um verdadeiro empecilho para contratar trabalhadores de tecnologia. Para tudo ficar mais claro, vamos relembrar o significado de cultura organizacional. Ela diz respeito às práticas, hábitos, ritos, decisões e gestão de pessoas nas instituições. A forma com que essas vertentes são construídas e praticadas dizem respeito a cultura da sua empresa, sendo que ela pode ser mais rígida, flexível, paternalista, vertical, horizontal, dentre outros modelos. Hoje, muitos profissionais buscam identificação com a cultura ao se candidatarem para uma oportunidade de trabalho. Mas, quais aspectos culturais os profissionais de TI valorizam em uma organização?
Para embasar essa análise, faremos uma breve investigação acerca do perfil desses requisitados funcionários. Para fundamentarmos ainda mais esse diagnóstico, vou recorrer a uma pesquisa elaborada pela Softex, uma Organização Social Civil de Interesse Público, focada no fomento da Transformação Digital Brasileira. O primeiro dado é em relação à faixa etária desses colaboradores, a maioria deles têm entre 25 e 39 anos, representando 61% do todo, ou seja, grande parte dos trabalhadores são jovens. Além disso, as empresas de grande porte são responsáveis por absorver metade dos profissionais de tecnologia do mercado. Quando vamos para a faixa salarial, a remuneração gira em torno de R$ 6.726,78. É preciso salientar que esse número pode variar dependendo do porte da empresa, nível de senioridade do profissional e diversos outros fatores. Outro detalhe importante é que, dependendo do setor, o salário pode dobrar, no campo econômico, por exemplo, essa média chega a R$ 14.326,25. Ademais, esses colaboradores costumam ter uma carreira mais breve nas organizações, sendo que 49% deles ficam menos de 3 anos em uma empresa.
Com esses dados, percebemos que os profissionais de TI possuem um salário acima da média, se formos levar em consideração a realidade de outras áreas no Brasil. Além disso, são pessoas dinâmicas, que ficam pouco tempo nas organizações e vão em busca de novos desafios ou salários ainda mais competitivos. Sem esquecer que a maioria deles são jovens. Desse modo, se formos falar em cultura que atrai a maioria desses trabalhadores, estamos falando de um modelo organizacional flexível, inovador e desafiador.
Muitas empresas ainda têm o “mindset analógico”, tecnologias defasadas e processos extremamente burocráticos. Lembre-se que os profissionais de TI ainda nem completaram 40 anos e, a maior parte deles foi introduzida muito cedo à tecnologia. Muitos começaram desmontando, montando e recriando artefatos elétricos e eletrônicos em casa. Eles gostam de liberdade para criar, sejam novos processos, ferramentas, softwares e metodologias. Então, as empresas mais rígidas, inflexíveis e que dão pouca autonomia aos colaboradores, podem encontrar ainda mais desafios para recrutar profissionais desse setor. Claro, existem exceções, é possível que existam pessoas completamente contrárias a todo esse perfil, mas, com a minha vivência, posso dizer que a maior parte deles se sentem mais atraídos por ambientes mais dinâmicos e inovadores, por isso, as startups têm sido um caminho para muitos trabalhadores da área.
Outro ponto de atenção é o formato em que os processos seletivos são conduzidos, muitos se estendendo durante meses e sem feedbacks que agreguem aos profissionais. Concordo que, em muitos casos é necessário que a seleção contemple mais etapas, contudo, é preciso aprimorá-las, verificando, por exemplo, se é realmente necessário que todas as entrevistas ou testes ocorram de maneira presencial. Além disso, é fundamental dar retorno aos participantes sobre o andamento do processo.
Percebemos um cenário com diversos aspectos a serem desenvolvidos para aprimorar a contratação desses profissionais tão requisitados, desde o recrutamento até a retenção. O desafio das próximas linhas é apontar caminhos para melhorar essa conjuntura e as suas nuances.
Um caminho possível a ser trilhado
A solução para a dificuldade das grandes empresas de contratar profissionais de tecnologia não está em uma fórmula mágica, estamos lidando com pessoas, quando o assunto é gente, os processos requerem ainda mais tato, acompanhamento, análise e muita escuta. Essa última representa um aspecto fundamental, ouvir os profissionais é essencial para entender suas demandas e o que pode ser feito para que os ambientes se tornem ainda mais atraentes.
As empresas também precisam se atentar para a troca oferecida nessa relação profissional, que é uma via de mão dupla. Os colaboradores contribuem com suas competências, entregando projetos e soluções, e do outro lado dessa via, a empresa também precisa agregar valor. O salário é importante, com certeza, mas as novas gerações não estão se preocupando apenas com esse aspecto, elas estão interessadas em ter qualidade de vida e desenvolvimento de habilidades. Para se ter uma ideia, 45% das mulheres brasileiras consideram que superar desafios e se desenvolver é o aspecto mais valorizado na carreira. Quando vamos para os homens, 40% deles têm essa mesma opinião, segundo pesquisa recente da Love Mondays. O segundo assunto que apareceu nessa lista de preferências, tanto para homens quanto para as mulheres, foi sobre trabalhar com um propósito maior. Dessa maneira, percebemos que é preciso oferecer desafios e possibilidades de desenvolvimento de carreira e crescimento. Por esse motivo, uma boa alternativa é criar desafios internos, como Hackathons, em que os profissionais fazem uma maratona de programação para resolver problemas ou propor novas soluções.
Para as empresas com o modelo de trabalho presencial, uma aposta que tem dado muito certo em relação aos espaços físicos é tornar o lugar mais lúdico, seja por meio de cores, decoração, móveis ou espaços para jogos. Mas vamos lembrar que não adianta ter um espaço para jogos, por exemplo, e ele ser um mero decorativo. Antes de alterar o espaço físico é preciso alterar a mentalidade da empresa.
No tópico anterior, falamos que um dos problemas das organizações é exatamente o mindset analógico, desenvolver uma mentalidade digital vai muito além de ter aparatos tecnológicos de última geração ou os sistemas mais modernos. Desenvolver esse tipo de mindset perpassa por cultivar nas lideranças uma cultura de inovação, agilidade e colaboração. Os líderes são agentes fundamentais neste processo, a alta gestão precisa estar envolvida e com um propósito claro para propagar esse pensamento para todos os colaboradores. Muitas vezes, os processos de transformação digital falham exatamente por esse motivo, quando os gestores não compartilham desse intuito, dificilmente consegue-se chegar aos resultados esperados. De acordo com a McKinsey, 70% das empresas falham no processo de transformação digital, por isso é tão importante que todos os envolvidos estejam alinhados com o mesmo objetivo.
O modelo de recrutamento e seleção de candidatos também precisa mudar. Na verdade, essa modificação começa na definição do escopo de uma vaga, ou seja, também é uma mudança de mentalidade. Hoje, grande parte das vagas exige nível superior de escolaridade. Mas, a pergunta que deve ser feita é se isso é realmente necessário em todos os casos. Certamente, a universidade agrega um vasto conhecimento que pode ser aplicado no campo profissional, mas muitos profissionais de tecnologia são autodidatas, sequer passaram pela universidade, seja por falta de oportunidade ou escolha. Em suma, nível superior é importante, mas não deve ser objeto de exclusão de tantos profissionais. Além daqueles indivíduos que aprendem por conta própria, alguns participam de bootcamps ou diversos outros cursos imersivos, que devem ser levados em consideração. Podemos citar iniciativas do IGTI, (Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação) da PrograMaria, um programa voltado para ensinar programação para mulheres; e a Trybe, outra escola de programação com uma proposta um tanto atrativa, em que os alunos só pagam pelo curso depois de terem conseguido um emprego com remuneração competitiva na área. As empresas devem aproveitar o potencial dessas escolas, fazendo parcerias a fim de tornar mais assertiva a captação de profissionais aptos para as posições abertas.
Com essa mentalidade mais inclusiva em relação ao escopo das vagas, é preciso avançar também nas tratativas de todo o processo seletivo. Já citamos aqui que seleções muito lentas podem desmotivar muitos candidatos, é preciso lembrar que um mindset digital significa também um RH ágil. Todos os setores das empresas devem trabalhar com essa dinâmica. Além disso, não deixe de dar feedbacks concretos aos candidatos reprovados nas seletivas, bem como, se possível, peça retornos se houverem desistentes que demonstrarem disponibilidade para contribuir. Outro aspecto importante que deve ser valorizado no recrutamento de profissionais de TI é a curva de aprendizado, exemplificando: uma empresa pode uma posição para um candidato nível pleno, mas se depara com um participante de nível júnior com muito fit cultural, disponibilidade para aprender e entusiasmo, esse candidato pode também ser levado em consideração. Além disso, é preciso ser flexível quanto a exigência de muitas experiências formais, às vezes, o profissional só está esperando uma oportunidade para demonstrar todo o seu potencial, mas é reprovado por não possuir experiências formais. Por isso, leve em consideração projetos pessoais, trabalhos realizados em cursos, dentre outros.
Além de todos esses aspectos, é necessário pensar na retenção de talentos. O Brasil que já é um dos países que possui o maior gap em relação aos profissionais de TI, enfrenta outro desafio que é a perda de profissionais para o mercado internacional, muitos são atraídos pelo aumento salarial, já que ganhando em dólar ou em euro, e morando no Brasil, esses trabalhadores podem conseguir ganhos mais elevados, outros são conquistados pela dinâmica do trabalho remoto. O fato é que, depois da pandemia, muitas empresas viram o quanto é possível manter os funcionários em modelo home office ou em jornada híbrida. A oferta de trabalho em modelo home office aumentou 309%, em 2020, segundo o Vagas.com, e o setor que mais contratou nessa modalidade de trabalho foi o de tecnologia, representando 41%. Um estudo feito pela Otrs Group, empresa fornecedora de sistemas de gerenciamento de serviços, mostrou que 41% dos entrevistados gostariam de continuar trabalhando em home office permanentemente, enquanto 40% preferem uma mistura de home office e escritórios tradicionais, além disso, fazendo um recorte para o nosso país, a pesquisa mostrou que 54% dos entrevistados se sentem mais produtivos trabalhando de casa. Dessa maneira, a adoção de jornadas híbridas ou integrais de home office pode fazer com que uma vaga se torne ainda mais atrativa para os profissionais de TI.
Além do mais, dé preciso atentar para a saúde mental dos trabalhadores. Este ano, uma pesquisa realizada pela AppDynamics, companhia de gerenciamento de desempenho de aplicativos e de análise de operações de TI, com sede em San Francisco, mostrou que 89% dos profissionais de TI sentiram que a pressão no trabalho aumentou, outros 63% relataram aumento nos conflitos com os colegas. Muito disso tem a ver com a relevância que a tecnologia ganhou neste último ano, diversas empresas iniciaram ou aceleraram seus processos de digitalização. Um estudo realizado pela Vanson Bourne, empresa de pesquisa de mercado em tecnologia, localizada na Inglaterra, mostrou que 87,5% das empresas no Brasil iniciaram ou aceleraram projetos de transformação digital durante a pandemia. Dessa maneira, as demandas do setor de TI aumentaram e tornaram-se cada vez mais urgentes e essenciais, isso pode explicar o relato de aumento de pressão e conflitos internos. Claro, sem esquecer que a própria pandemia pode colaborar para o desencadeamento de processos de ansiedade e estresse. Nesse sentido, as empresas devem preocupar-se também em oferecer suporte para os funcionários, seja por meio de ajudas de custo para aparatos físicos ou mesmo convênios para tratar aspectos relacionados à saúde mental. Afinal, qualidade de vida tem sido um fator cada vez mais buscado no trabalho.
Os desafios para a contratação de profissionais de tecnologia não param por aí, outra barreira a ser vencida é a contratação de mulheres na área. Uma lamentável constatação feita no Fórum Econômico Mundial, em 2019, mostrou que a desigualdade de gênero no trabalho só acabará daqui a 257 anos. Não podemos cruzar os braços, olhar esses dados e esperar que essa previsão se cumpra. Quando vamos para o setor de tecnologia, esses números ainda tem outros complicadores, uma pesquisa realizada pela Yoctoo, consultoria de recrutamento especializada na seleção de profissionais de TI, mostrou que 82,8% das mulheres que trabalham no setor de tecnologia já sofreram algum tipo de preconceito, outras 42% das participantes afirmam que o maior desafio é ter de provar a todo o tempo que são competentes tecnicamente. Por outro lado, 71% das entrevistadas acreditam que os ambientes corporativos estão amadurecendo e se transformando para tornar a área de tecnologia mais inclusiva para as mulheres. Com esses dados, percebemos que além da importância de contratar mulheres para a área de tecnologia, é fundamental que elas sejam acolhidas e vivam em um ambiente saudável. Além de tudo isso, uma pesquisa realizada pela McKinsey mostrou que as empresas com diversidade de gênero em cargos executivos tem 21% de chance de ter lucros acima da média em comparação às empresas sem essa diversidade, quando falamos em diversidade étnica, esse número aumenta e vai para 33%. Por isso, ao recrutar profissionais de tecnologia, as mulheres também devem ser igualmente consideradas, ou para as empresas que querem ir um pouco mais além, abrir vagas exclusivas para a contratação de grupos minoritários pode ser uma boa ação para reverter esses dados e contribuir com a diversidade nas organizações. Além disso, a equiparação salarial é outro fator importante para as profissionais, segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, em 2019, o salário médio dos homens que trabalhavam em profissões relacionadas aos serviços de tecnologia da informação era de R$ 6.256,52, enquanto das mulheres esse valor era R$4.519,87. Dessa maneira, além de contratar mulheres para ocupar essas posições, é preciso garantir que a média salarial delas seja a mesma que a dos homens. A boa notícia é que já existem algumas iniciativas preocupadas em melhorar a carreira das mulheres na tecnologia, a Trybe, escola de programação citada anteriormente, por exemplo, tem a aspiração que nos próximos meses 50% das inscrições no processo seletivo dos estudantes sejam de pessoas que se identificam como mulheres.
Além de todas essas nuances expostas, é preciso lembrar que com a escassez de profissionais qualificados, o desafio de fazer com que esses talentos estejam na sua empresa torna-se ainda mais complexo. Por esse motivo, a alocação de squads externos de desenvolvimento ágil tem sido uma opção para as organizações que têm dificuldade de contratar mão de obra qualificada. A maneira de trabalho dos squads, num modelo de People-as-a-Service, facilita a integração dos times, o aprendizado, a agilidade e a produtividade. Empresas como a Spotify, Google, Quinto Andar e Magazine Luiza e a própria Sambatech e Samba Digital já adotaram essa metodologia. Outra oportunidade para agregar expertises para além da própria empresa é adotar o open innovation, a inovação aberta faz com que as organizações se abram para outras empresas, universidades, consumidores, governo e outros organismos, assim, com o intercâmbio de conhecimentos e conexões, desenvolve-se iniciativas inovadoras de maneira colaborativa.
Com todas essas constatações, torna-se cada vez mais importante que as empresas estejam atentas a todas as etapas que atravessam a contratação de profissionais de tecnologia. As grandes organizações devem entender que nem sempre o mesmo formato de processo seletivo que é aplicado há anos, funcionará para os candidatos para posições na área de TI. É preciso desenvolver tech recruiters, é necessário progredir na construção de escopo de vagas, e acima de tudo, é preciso evoluir em mentalidade e cultura organizacional, abrindo-se para as inovações do setor e em gestão de pessoas. Dessa maneira, juntos, iremos desenvolver um mercado de tecnologia cada vez mais democrático e reduzir o gap de profissionais nesse setor.