Paciente com paralisia estabelece recorde de comunicação após implante cerebral
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Paciente com paralisia estabelece recorde de comunicação após implante cerebral

Interfaces cerebrais podem permitir que pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) falem em velocidades quase normais.

Há oito anos, uma paciente perdeu a fala devido à Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), ou doença de Lou Gehrig, que causa paralisia progressiva. Ela ainda consegue emitir sons, mas suas palavras se tornaram ininteligíveis. Então, ela precisa de uma lousa ou iPad para se comunicar. 

Agora, após se voluntariar para receber um implante cerebral, a mulher conseguiu comunicar com rapidez frases como “eu não sou dona da minha casa” e “só é difícil” a uma velocidade que se aproxima da fala normal. 

É isso que alega uma equipe da Universidade de Stanford (EUA), em um artigo publicado no site bioRxiv no fim de janeiro. O estudo não foi revisto por pares. Os cientistas dizem que a voluntária, identificada apenas como “sujeito T12”, quebrou recordes anteriores usando um implante de leitura cerebral para se comunicar a um ritmo de 62 palavras por minuto, o triplo do recorde anterior. 

Philip Sabes, pesquisador da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA), que não esteve envolvido no projeto, chamou os resultados de “um grande avanço” e afirmou que essa tecnologia experimental de leitura cerebral logo pode estar pronta para sair do laboratório e se tornar um produto útil.   

“O desempenho relatado neste artigo já está em um nível que interessaria a muitas pessoas que não podem falar, e, se o dispositivo estivesse pronto”, alega Sabe. “As pessoas iriam querer isso”. 

Pessoas sem déficits de fala costumam falar a uma taxa de cerca de 160 palavras por minuto. Mesmo em uma era de teclados, digitação com os polegares, emojis e abreviações da internet, falar ainda é a forma mais rápida de comunicação entre humanos. 

Essa nova pesquisa foi realizada na Universidade de Stanford (EUA). A pré-publicação, divulgada dia 21 de janeiro, começou a chamar bastante atenção no Twitter e em outras redes sociais devido à morte, no mesmo dia, de seu co-autor principal, Krishna Shenoy, devido a um câncer de pâncreas. 

Shenoy dedicou sua carreira a melhorar a velocidade da comunicação por meio de interfaces cerebrais, tendo o cuidado de manter uma lista de registros no site do laboratório. Em 2019, outro voluntário, com quem Shenoy trabalhou, conseguiu usar seus pensamentos para digitar a uma taxa de 18 palavras por minuto, um desempenho recorde na época. 

As interfaces cérebro-computador usadas pela equipe de Shenoy envolvem o implante de uma pequena almofada de eletrodos afiados no córtex motor, a região do cérebro mais associada ao movimento. Isso permite que os pesquisadores registrem a atividade de algumas dezenas de neurônios simultaneamente e encontrem padrões que reflitam os movimentos nos quais a pessoa está pensando, mesmo que ela esteja paralisada. 

Em trabalhos anteriores, voluntários paralisados foram convidados a imaginar estarem fazendo movimentos com as mãos. Ao “decodificar” seus sinais neurais em tempo real, os implantes permitiram que eles movessem um cursor em uma tela, escolhessem letras em um teclado virtual, jogassem videogames ou até mesmo controlassem um braço robótico. 

Já na pesquisa mais recente, a equipe de Stanford queria saber se os neurônios no córtex motor também continham informações úteis sobre os movimentos da fala. Ou seja, será que eles conseguiriam detectar como o “sujeito T12” estava tentando mover a boca, a língua e as cordas vocais ao tentar falar? 

Notaram que se tratava de movimentos pequenos e sutis, e, de acordo com Sabes, uma grande descoberta é que uns poucos neurônios continham informação suficiente para permitir que um software conseguisse prever, com boa exatidão, as palavras que a paciente tentava dizer. Essa informação foi transmitida pela equipe de Shenoy para uma tela, onde as palavras da paciente apareceram ao serem faladas pelo computador. 

O novo resultado se baseia em trabalhos anteriores de Edward Chang, da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que escreveu que o ato de falar envolve os movimentos mais complexos feitos pelas pessoas. Nós empurramos o ar, adicionamos vibrações que o tornam audível e o transformamos em palavras com nossa boca, lábios e língua. Para fazer o som do “f”, colocamos os dentes superiores no lábio inferior e empurramos o ar para fora. E este é apenas um dentre as dezenas de movimentos da boca necessários para falar.   

Um caminho a seguir 

No passado, Chang havia usado eletrodos colocados no cérebro para permitir que um voluntário falasse por meio de um computador. Contudo, em sua pré-publicação, os pesquisadores de Stanford alegam que seu sistema é mais preciso e três a quatro vezes mais rápido. 

“Nossos resultados mostram um caminho viável para restaurar a comunicação em velocidades de conversação normais em pessoas com paralisia”, escreveram os pesquisadores, que incluíam Shenoy e o neurocirurgião Jaimie Henderson. 

David Moses, que trabalha com a equipe de Chang na Universidade da Califórnia, afirma que o trabalho atual atinge “novos padrões impressionantes de desempenho”. No entanto, mesmo que os recordes continuem a ser quebrados, ele adverte: “será cada vez mais importante demonstrar um desempenho estável e confiável ao longo de vários anos”. Qualquer implante cerebral comercial pode ter dificuldade em ser aprovado pelas autoridades reguladoras, em especial se sofrer degradação ou se a captação perder precisão com o tempo. 

Uma paciente de 67 anos com ELA quebrou recordes de velocidade usando um implante cerebral para se comunicar. O dispositivo implantado usa sinais neurais para detectar as palavras que ela está tentando dizer, transmitindo-as para uma tela de computador. WILLETT, KUNZ ET AL 

É provável que o caminho a seguir inclua implantes mais sofisticados e ainda mais integração com a Inteligência Artificial (IA).  

O sistema atual já usa alguns tipos de programas de machine learning. Para melhorar sua precisão, a equipe de Stanford usou um software que prevê qual palavra costuma vir a seguir em uma frase. É mais comum que a palavra “eu” seja seguida por “sou” do que por “ou”, embora essas palavras tenham sons semelhantes e possam produzir padrões semelhantes no cérebro de alguém.  

A adição do sistema de previsão de palavras aumentou a rapidez com que a voluntária pôde falar sem erros.   

Modelos de linguagem 

Todavia, novos modelos “grandes” de linguagem, como o GPT-3, conseguem escrever artigos inteiros e responder a perguntas. Conectá-los a interfaces cerebrais poderia permitir que os usuários falassem ainda mais rapidamente, pois o sistema adivinharia melhor o que estão tentando dizer com base em informações parciais. “O sucesso de grandes modelos de linguagem nos últimos anos me faz pensar que logo teremos uma espécie de prótese de fala, porque talvez possamos conseguir falar sem precisar fornecer dados tão impressionantes”, afirma Sabes. 

O grupo de Shenoy faz parte de um consórcio chamado BrainGate, que colocou eletrodos no cérebro de mais de uma dúzia de voluntários. Eles usam implantes de matrizes de microelétrodos (MEA) em modelos Utah, um quadrado de metal rígido com cerca de 100 eletrodos semelhantes a agulhas. 

Algumas empresas, incluindo a Neuralink, a empresa de interfaces cerebrais do Elon Musk, e uma startup chamada Paradromics, afirmam ter desenvolvido interfaces mais modernas, capazes de registrar a partir de milhares, até dezenas de milhares, de neurônios simultaneamente. 

Embora alguns céticos tenham perguntado se medir a partir de mais neurônios ao mesmo tempo fará alguma diferença, o novo estudo sugere que sim, em especial se o trabalho for ler movimentos complexos do cérebro, como a fala. 

Os cientistas de Stanford descobriram que, ao ler mais neurônios de uma só vez, eles cometiam menos erros ao entender o que o “T12” tentava dizer. 

“Isso é incrível, porque sugere que os esforços de empresas como a Neuralink para colocar 1.000 eletrodos no cérebro farão a diferença, se a tarefa for complexa o suficiente”, conclui Sabes, que trabalhou anteriormente como cientista sênior na Neuralink.  

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