Pessoas são o elemento mais importante de uma organização. Como todos estão cansados de saber, as habilidades técnicas e comportamentais dos profissionais de uma empresa possuem grande impacto em seu resultado, mas quando falamos de alta performance, é preciso ir além.
Na minha concepção, a equipe é análoga a um time esportivo, portanto, caso o time tenha alcançado o alto rendimento, ele será composto por pessoas que escolheram estar ali, possuem valores semelhantes, buscam o mesmo objetivo, doam-se ao máximo e são reconhecidas na mesma proporção. O contrário também se aplica, constatando resultados ruins e inconsistentes.
Depois que as pessoas entram na organização, é papel do gestor — o técnico esportivo — mostrar a direção, orientar, desenvolver, bem como manter as pessoas engajadas, garantindo que evoluam profissionalmente e alcancem a melhor versão de si, maximizando os resultados da equipe.
No entanto, mais do que atividades gerenciais, há um fator muito mais humano em jogo que impacta em todo o desempenho do grupo e ele é comumente negligenciado.
Segundo a pesquisa da McKinsey, “The Boss Factor: Making the world a better place through workplaces relationships”, o relacionamento dos profissionais com o gestor direto é o principal elemento de influência na satisfação do colaborador com o trabalho e, como veremos adiante, “a satisfação do colaborador” possui correlação direta com diversos indicadores de sucesso de um negócio, como a lucratividade e o retorno para os acionistas.
Fator crítico: a relação com o gestor é crucial para a satisfação do colaborador
De acordo com o estudo, 86% dos motivadores da satisfação nas relações interpessoais no trabalho provém do relacionamento com os gestores, sendo que as relações interpessoais, por sua vez, são o elemento de maior peso dentro da satisfação no trabalho, representando 39% do total.
Com isso, o relacionamento com o ‘chefe’ é um elemento-chave muitas vezes subestimado na equação total. E, se conflitarmos este ponto com dados de pesquisas da Gallup e da American Psychological Association, podemos perceber que, de forma geral, a qualidade desse relacionamento costuma ser sofrível:
75% dos profissionais dizem que o “gestor é a parte mais estressante de seu dia de trabalho”;
1 em cada 2 trabalhadores já deixou o emprego “para se afastar de seu gestor direto em algum momento da sua carreira”.
O que deixa claro que a “satisfação dos colaboradores” é comumente comprometida por conta de relacionamentos de má qualidade entre líder e subordinados. Agora, quanto de resultado deve estar sendo deixado na mesa e poderia estar sendo potencializado?
Efeito em cadeia: como o bom relacionamento entre subordinado e chefe impacta na performance da organização
De acordo com a pesquisa, a “satisfação do colaborador” possui impacto direto em outros indicadores de performance, como satisfação do cliente, turnover, lucratividade, produtividade e retorno aos acionistas:
O fato é que esses indicadores se retroalimentam. Por exemplo: um funcionário satisfeito, certamente, irá atender melhor o cliente, aumentando o nível de satisfação dos consumidores. Enquanto o turnover é um indicador que representa a satisfação do time e, quanto menor for, sinaliza um maior engajamento por parte dos colaboradores, assim como produtividade.
Essas situações formam um cenário positivo dentro do negócio e, mais do que isso, contribuem para aumentar sua lucratividade – principalmente porque, quanto maior a satisfação do cliente e do colaborador, maior será o consumo de produtos e serviços, bem como a produção e venda destes.
Dois comportamentos e um mecanismo que todo gestor pode adotar
Tendo em vista o efeito em cadeia positivo que a satisfação do colaborador ocasiona, quais comportamentos podem ser adotados pelo gestor para que o relacionamento com o time progrida? Alguns pontos tendem a contribuir com esse fator, além de promover benefícios adicionais, como fomento à uma cultura mais colaborativa e propensa à inovação.
O objetivo aqui não é esgotar os pontos relacionados à satisfação no trabalho, mas apresentar um direcionamento pragmático e simplificado para gestores, a partir de uma lógica empírica, baseado em pontos que aprendi durante a jornada e, apoiado no modus operandi de organizações como Google, Youtube e Intel.
Abaixo, os três comportamentos que todo gestor pode adotar para melhorar a qualidade do seu relacionamento com os subordinados:
1) Dedicar-se menos a atividades e mais a pessoas
Em primeiro lugar, depois de se tornar gestor, é preciso aprender a valorizar o trabalho gerencial em vez de apenas tolerá-lo. É fundamental entender que disponibilizar tempo para os outros, planejar, aconselhar e desenvolver faz parte das suas principais responsabilidades.
Na prática, isso ocorre diferente. Muitos dos profissionais são promovidos por serem competentes tecnicamente, o que não é incorreto, mas é preciso muito mais do que isso para gerenciar corretamente um time. Apesar de parecer óbvio, um aspecto comum entre gestores é “não largar o osso” e continuar fazendo as tarefas que o levaram até ali, sem delegar, pois acham que são os melhores em realizar determinada atividade.
Assim, quando se deparam com alguma entrega mais complexa, priorizam fazer por conta própria ‘para agilizar e garantir uma boa entrega’, em detrimento de desenvolver os membros da equipe, gerando uma defasagem de delegação e de treinamento na equipe.
Eis o cenário final: um gestor que vive com a agenda sobrecarregada e mostra-se pouco acessível ao time, dedicando pouco tempo e atenção às pessoas, o que deveria ser seu principal ponto focal.
Os profissionais que não fazem mudanças no modo como gerenciam o tempo desde o princípio, estão fadados a se tornarem um obstáculo, o que é muito comum, fazendo com que os seus times tenham baixa satisfação no trabalho, por não se sentirem escutados, desenvolvidos e orientados.
Por conta disso, uma forma de combate é estudar e participar de treinamentos sobre gestão e liderança, para que tenham clareza de suas responsabilidades e atribuições, passando a destinar a agenda principalmente a atividades gerenciais e no desenvolvimento de pessoas.
Um outro ponto recomendável é que o líder se aproxime de gestores que são referências quando o assunto é pessoas. Pode ser alguém interno da própria empresa, ou externo. O importante é buscar orientação e levantar oportunidades de melhoria dentro da sua gestão. Nada melhor do que se conectar e trocar com alguém que é referência no assunto e está um passo adiante no tema.
2) Entender que a liberdade é uma forma de alavancar valor na empresa
Saber delegar e gerir o tempo são passos importantes na desobstrução de entregas, mas a postura do gestor deve ir além: é preciso dar liberdade.
As pessoas não são meras ferramentas de execução, elas almejam por protagonismo e reconhecimento, logo, se o líder contratou corretamente, ele não deve acompanhar todas as atividades no detalhe em um modelo top-down.
Um colaborador com mais autonomia, caso esteja adequadamente direcionado e alinhado, é um profissional com mais propósito e senso de responsabilidade, o que o torna mais satisfeito, produtivo e engajado.
Ao mesmo tempo, um gestor centralizador ocasiona influência contrária, com desengajamento da estrutura abaixo dele, fazendo com que os melhores talentos migrem para organizações onde acreditam que terão mais voz.
Entenda, não se trata de contratar o time e ‘deixar solto’.
Manter o alinhamento, definir metas e direções claras, desatar os nós que surgem no caminho e disponibilizar as ferramentas necessárias — tanto tecnológicas como de desenvolvimento — são funções do gestor.
Porém, o ‘como’ o profissional chegará do ponto A ao ponto B, deve ser definido por quem irá executar. O gestor precisa conceder responsabilidade e atuar como um facilitador. Só assim será possível criar laços mais profundos de confiança entre as partes.
Quando adotamos a liberdade como valor gerencial, os pontos positivos ainda extrapolam a melhora no relacionamento e na satisfação do subordinado com o trabalho. Quando olhamos para o ponto de vista organizacional, uma organização cujos líderes promovem a autonomia possui maior propensão à inovação e a uma cultura de colaboração e proatividade.
Aliás, a inovação costuma residir menos no centro de uma organização e mais nas pontas, já que quem está em contato direto com os clientes e com o mercado, geralmente, se depara com as mudanças iminentes no início. Como no caso de um vendedor, que tem contato com o comportamento do consumidor e suas demandas no dia a dia; ou o analista financeiro que estará mais propenso a rastrear mudanças estruturais na base de custos do negócio.
Por fim, sob a vertente de cultura organizacional, quando o gestor microgerencia, analisando no detalhe todas as atividades, fará com que “o subordinado comece a ter uma visão mais restrita do que se espera dele, mostre menos iniciativa para resolver os próprios problemas e, em contrapartida, sempre os encaminhará ao superior”, de acordo com Andy Grove, um dos maiores gestores do século XX.
Em outras palavras, microgerenciar promove uma atitude de passividade na operação, onde se tem que pedir permissão para tudo; a autonomia, em contrapartida, promove a proatividade.
3) Estruture mecanismos de alinhamento e escuta
Os dois primeiros comportamentos sugeridos referem-se à adoção de atitudes específicas, mas manter o alinhamento e a escuta ativa é um exercício contínuo e, para facilitar a execução dessa prática, o terceiro ponto a se recomendar é um mecanismo adotado por empresas como o YouTube, o Google e a Apple: a reunião one on one.
Reuniões one on one ou 1:1, são reuniões periódicas e individuais realizadas entre líder e subordinado. O principal objetivo é dar protagonismo ao liderado, fazendo perguntas a ele e escutando o que ele tem a dizer para compreender a sua perspectiva.
Como Kim Scott, ex-líder do YouTube, Google e Apple cita no livro Radical Condor, a coisa mais importante que os gestores podem fazer para construir uma cultura de confiança é reunir-se com cada um de seus subordinados diretos regularmente. Em geral, a frequência é quinzenal e, no caso de gestores mais seniores e com um certo tempo de casa, a frequência pode ser mensal. Nunca mais do que isso. E é esse o ponto. Independentemente do quão turbulenta está a agenda, os encontros individuais devem ocorrer.
A pauta é primordialmente flexível, mas entre os possíveis assuntos abordados estão: principais desafios do ciclo que passou na percepção do subordinado; buscar entender como ajudar para o próximo período; alinhamento quanto a metas; visão de médio e longo prazo; carreira e desenvolvimento.
Nesse tipo de reunião o gestor não deve ser um trator e disparar demandas, muito pelo contrário. Como o teor dela é privado, mais íntimo, e há um objetivo genuíno de escutar, questões referentes à vida pessoal, preferências quanto ao trabalho e aspectos aspiracionais devem ser mapeados.
Conforme o líder vai ganhando a confiança do subordinado, ele terá acesso a insumos cada vez mais ricos, pontos de vista ou vulnerabilidades que ele não saberia, não fosse a relação de confiança conquistada.
Com os insumos, o líder poderá entender quais os sonhos e valores de cada funcionário, além de suas preferências, buscando dar match sempre que possível entre as demandas do negócio e os desejos e competências do profissional. Com isso, a tendência é obter melhores resultados e profissionais mais satisfeitos com o trabalho.
De acordo com uma pesquisa da Gallup, organização de maior referência em pesquisas de engajamento do mercado, o fato do funcionário sentir que alguém se importa com ele a nível pessoal, tende a aumentar significativamente o seu engajamento.
Os dois comportamentos e o mecanismo prático que sugeri, definitivamente, são questões que me ajudaram e, obviamente, pontos em qu cometi muitos erros até aprendê-los. Ser gestor é um eterno exercício de autodesenvolvimento e aprendizado.
Para times alcançarem o ápice do desempenho, é fundamental que seus membros encontrem no trabalho a autorrealização e isso só é possível, caso sejam colocados no centro do trabalho do gestor.
Espero ter contribuído com insights para o gestor que chegou até aqui e vive a busca contínua para maximizar os resultados da organização.
Este artigo foi produzido por Tallis Gomes, Cofundador e Chairman do G4 Educação, fundador da Singu e da Easy Taxi e autor do best-seller “Nada Easy”.