A Word Federation of People Management Associations (WFPMA) propôs a data de 20 de maio para celebrar o Dia Internacional do Profissional de Gestão de Pessoas. Todos os 93 países que fazem parte da associação realizaram inúmeras atividades para a valorização destes profissionais. Mas, o que há de fato para ser celebrado? Qual o papel destes profissionais neste tal mundo BANI (frágil, ansioso, não linear e incompreensível), de pós-pandemia (ainda uma preocupação em alguns países), em guerra, de muita instabilidade política e de acelerada transformação digital dos negócios?
Sabe-se que a Transformação Digital não depende somente de investimento em tecnologia, mas é fundamentalmente uma questão de transformação cultural, de mudar o mindset de todas as pessoas que contribuem para os resultados organizacionais. Da mesma forma, o desafio da inovação depende de uma cultura que favoreça a criatividade, a disposição para enfrentar risco, bem como exige um ambiente de segurança psicológica. Em síntese, tudo depende da forma de pensar e de perceber o mundo das pessoas que são parte da organização. Por isso, a área de Gestão de Pessoas (ainda chamada de Recursos Humanos) é cada vez mais estratégica para a superação dos desafios decorrentes da Transformação Digital e da Inovação
Diferencio as duas expressões — recursos humanos e gestão de pessoas — da seguinte forma: recursos humanos será usado para os profissionais que atuam na área responsável pela definição das políticas, estratégias, sistemas e processos para fazer a gestão das pessoas nas organizações; e por profissionais de gestão de pessoas, considera-se os gestores de todas as áreas que são responsáveis em fazer a gestão de suas equipes, direcionados pelas políticas, estratégias, processos definidos pela área específica de recursos humanos alinhada com as exigências do negócio. Particularmente, neste artigo, o foco direciona-se aos profissionais de RH, já o papel dos demais gestores (líderes de equipes) é tema tão relevante que merece um aprofundamento em um futuro artigo.
Fazendo uma retrospectiva histórica da área de Recursos Humanos, observa-se que ela surgiu para assegurar melhores condições de trabalho para os indivíduos, e isto levou a uma atuação voltada para quais processos poderiam tornar a vida do indivíduo melhor nas organizações. Mas o intenso ritmo de transformação imposto pela evolução tecnológica, pela globalização, pelo crescimento lucrativo, pelas novas demandas do consumidor e, sobretudo, pela pressão sobre custos vem colocando em pauta a competência da força de trabalho e a capacidade de adaptação das organizações às mudanças socioculturais e às novas formas de organização do trabalho, mudando o foco de atuação do presente para os desafios do futuro.
Um dos maiores desafios do momento atual é entender os impactos da chamada Quarta Revolução Industrial, na medida que ela está promovendo uma transformação na forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Claus Schwab diz que a Quarta Revolução Industrial, em sua abrangência, complexidade, velocidade e escopo, é diferente de tudo aquilo que já foi experimentado pela humanidade. Suas mudanças são tão profundas que, na perspectiva histórica, nunca houve um momento potencialmente tão promissor e, ao mesmo tempo, tão perigoso. São infinitas novidades tecnológicas que abrangem as mais diferentes áreas: Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), robótica, veículos autônomos, impressão em 3D, nanotecnologia, biotecnologia, ciências dos materiais, armazenamento de energia, energias limpas, Computação Quântica, apenas para citar algumas, mas estas inovações estão mudando a produção, o consumo, a mobilidade humana, os sistemas logísticos, enfim, os modelos de gestão e de negócios. Torna-se clara a mudança de pensamento organizacional, no que tange à natureza das relações e, principalmente, à aquisição da consciência de que, independentemente do encaminhamento proposto, é imprescindível considerar o ser humano como peça-chave desse processo evolutivo. As transformações ocorridas trouxeram à tona uma nova era, cuja fonte fundamental de riqueza está baseada no aprendizado contínuo.
Tanja Schwarmüller e outros especialistas analisam, em How does the digital transformation affect organizations? (2018), as mudanças geradas pelas transformações digitais na concepção do trabalho e liderança das organizações. Eles tratam duas mudanças de dimensões macro:
1) mudanças na estrutura do trabalho — não só os perfis de profissões/ocupações já existentes estão mudando; surgem também novos tipos de trabalhos, como, por exemplo: jornalismo e marketing digitais, desenvolvedor de app, blogueiros ou influenciadores digitais.
2) relação líder-liderado — no atual estágio de Transformação Digital, funcionários precisam lidar com mudanças na demanda por competências e dinâmica de trabalho, assim como líderes enfrentam novos desafios, tendo de adaptar um novo comportamento influenciador em relação aos seus liderados.
Aprofundando estas duas macros mudanças, vale ressaltar quatro pontos:
a. Equilíbrio entre Vida Pessoal/Profissional e Saúde: o avanço tecnológico proporciona maior flexibilidade ao trabalhador. O mais importante de fato é o resultado em si e não onde ou quando ele é alcançado. Profissionais estão constantemente conectados aos seus locais de trabalho, através de serviços de armazenamento de dados em nuvem e dispositivos móveis. Isso favorece uma melhor alocação de tempo entre assuntos pessoais e profissionais, da mesma forma, torna materiais e assuntos de trabalho sempre acessíveis, configurando-se uma via de mão dupla. Há, assim, a necessidade de maior concentração somada à constante pressão por inovação e ideias disruptivas.
O recente fenômeno da pandemia do coronavírus deixou evidente este aspecto. A obrigatoriedade de home-office para muitas empresas, cujas atividades não foram enquadradas em serviços essenciais devido à natureza do seu trabalho, permitia (exigia) que elas fossem feitas fora da planta física da empresa. Pesquisadores de 14 universidades realizaram uma pesquisa direcionada a profissionais de TI de todo o mundo, avaliando o impacto do trabalho remoto imposto, devido à pandemia, na produtividade e bem-estar de profissionais de software em suas mais diversas áreas.
Os resultados confirmam estatisticamente que estes profissionais estão experimentando significativa diminuição do bem-estar emocional e da produtividade com a prática de home office decorrente do isolamento imposto pela pandemia. As respostas revelam que a falta de preparação para enfrentar desastres, o medo relacionado à pandemia e a falta de ergonomia no espaço de trabalho doméstico estão agravando a redução do bem-estar e a redução da produtividade dos profissionais. Com base nos resultados, o grupo faz recomendações práticas para a indústria de software ao gerenciar profissionais que trabalham em casa.
b. Tecnologias de Informação e Comunicação: principalmente em meios de comunicação, possibilitam contato entre pessoas/equipes em qualquer lugar do mundo e a qualquer instante. Esse aumento significativo no fluxo de informação torna processos dentro de organizações mais controláveis, com tomadas de decisões baseadas em maior número de dados, fazendo com que o trabalho em equipe, muitas vezes virtuais, através de plataformas de compartilhamento de conhecimento, por exemplo, seja cada vez mais importante.
c. Gestão de Performance e Talento: as inovações advindas da Transformação Digital viabilizaram a automação de tarefas simples e rotineiras, impactando a demanda por habilidades e competências mais complexas. Conhecimentos na área de TI se mostram cada vez mais essenciais, assim como capacidade cognitiva, criatividade, resolução de problemas e, com o aumento do dinamismo do mercado, profissionais precisam se adaptar cada vez mais a novas situações, assim como adquirir um uma mentalidade de aprendizagem contínua ao longo da carreira. Com o avanço tecnológico, a gestão e a mensuração de performance tornaram-se mais transparentes. Hoje em dia, é muito mais fácil notar quem faz o que dentro de uma organização. As contribuições individuais tornaram-se mais expostas.
d. Hierarquia Organizacional: o desenvolvimento de tecnologias facilita o acesso à informação e comunicação por funcionários de qualquer nível organizacional, o que muda totalmente as formas de poder e influência das posições de liderança. Nota-se uma possibilidade de maior participação no que diz respeito aos processos de tomada de decisão e maior autonomia para se trabalhar. Em geral, a TD aparentemente nivela estruturas hierárquicas, que anteriormente seriam verticalizadas ou top down. Nesse contexto, as empresas passam a moldar ou adequar seus processos organizacionais à nova economia da capacitação técnica e comportamental. A aprendizagem organizacional aparece na tentativa de servir como alavanca de transformação vital para a prosperidade da empresa. Os Recursos Humanos, que antes executavam atividades contínuas e rotineiras, agora são dispensados dessa tarefa, cada vez mais automatizada, e passam a atuar na valorização de capital humano. Em um contexto em que a Inteligência Artificial substitui várias atividades humanas, é preciso utilizar a capacidade de pensar do indivíduo para criar e inovar, promovendo uma conjuntura que estimule um novo modelo de gerenciamento de pessoas nas organizações que vem sendo demandado nos últimos anos e têm sido foco de estudos e discussões no meio acadêmico e empresarial.
A área de RH deve intensificar suas ações e atitudes para que os objetivos organizacionais e pessoais sejam atendidos, possibilitando um clima interno favorável à disseminação de novas ideias, à aprendizagem contínua, à melhoria das relações interpessoais, ao alinhamento do propósito individual ao propósito organizacional, visando a humanização das relações homem-trabalho e a potencialização do capital humano.
No livro “A quarta revolução industrial” (2016), Claus Schwab considera que “o emprego crescerá em relação à ocupação e a cargos criativos e cognitivos de altos salários; já em relação às ocupações manuais, repetitivas, rotineiras e de baixos salários, ele irá diminuir consideravelmente”. Na Nova Economia, decorrente do aumento de demanda por novos bens e serviços, o emprego formal tende a diminuir; o trabalho, exercido por profissionais independentes e especializados, tende a aumentar por meio de diferentes vínculos e contratos jurídicos. Tudo indica que, em relação a emprego formal, as profissões de baixo risco serão aquelas que exigem habilidades sociais, tomada de decisão e desenvolvimento de novas ideias e solução de problemas complexos.
Arun Sundararajan é outro autor que se dedicou a estudar as mudanças na estrutura do trabalho, caracterizada pela diminuição dos empregos formais de tempo integral, substituídos pelo aumento de contratos de trabalhos chamados de freelancers. O surgimento de plataformas, que facilitam o trabalho de freelancers faz com que pessoas produzam sua renda, seja total ou suplementar, com estes novos tipos de contratos de trabalho. Serão necessários novos profissionais para desenvolver estes novos tipos de trabalho, o que evidencia a necessidade de se repensar a educação e o contrato social a fim de preparar e amparar as pessoas dentro do mercado de trabalho, buscando equilíbrio entre capital e trabalho.
Este post foi produzido por Denize Dutra, Doutora em Administração. Consultora, Coach, Professora Convidada da FGV e colunista do MIT Technology Review do Brasil.