Estamos falando de um subconjunto da Inteligência Artificial na qual as máquinas criam conteúdo em forma de texto, código, imagens, vídeos, novos processos e até estrutura 3D. A IA generativa não é nova, como aponta uma análise da consultoria Deloitte. A capacidade da IA generativa de criar uma imagem convincente (embora de baixa qualidade e em escala de cinza) de um rosto humano surgiu em 2014. Desde então, a qualidade do que é gerado pela IA aumentou exponencialmente.
O desenvolvimento de um modelo de linguagem chamado LLM permitiu interfaces amigáveis e acessíveis para criarmos conteúdo. O ChatGPT foi construído baseado em LLM – e hoje é capaz de produzir conteúdo (perguntas e respostas) com base em um conjunto de dados de 300 bilhões de palavras e 175 milhões de parâmetros, segundo análise do ToolTester. Já o gerador de imagens Dall-E, que não exige nenhuma habilidade em programação ou desenho, contabiliza 1,5 milhão de usuários e ‘cria’ mais de 2 milhões de imagens por dia. Os modelos generativos mudarão o jogo do conteúdo que consumimos, criamos e da forma geral de trabalho.
Por que a IA é diferente desta vez?
Em primeiro lugar, a natureza da tecnologia: quanto maior o poder de computação e usuários, maior será o desempenho. Desde a triagem de dados e reconhecimento de imagens e fala até a identificação de documentos e geração de texto. As gerações anteriores de modelos de IA eram, muitas vezes, baseadas em dados “estreitos”, o que significa que podiam realizar apenas uma tarefa. Já os chatbots generativos de IA são alimentados por modelos básicos, que contêm redes neurais expansivas treinadas em grandes quantidades de dados não estruturados e não rotulados em uma variedade de formatos, como texto e áudio. O aspecto menos positivo dessa versatilidade, analisa a McKinsey, é que pode gerar resultados menos precisos.
Em segundo lugar, segundo indica o Deutsche Bank, as barreiras à adoção são tão baixas que qualquer pessoa com acesso à internet pode, agora mesmo, operar um chatbot baseado em um grande modelo de linguagem sem nenhum custo e com pouco ou nenhum treinamento.
Com essa IA, quase tudo o que pode ser descrito em palavras também pode ser gerado como uma imagem, usando uma descrição textual chamada “prompt”. Os prompts também permitem a todos nós gerarmos sites, artigos, análises críticas, resumos de livros, apresentações – e você provavelmente aprendeu isso ao usar o ChatGPT. Em terceiro lugar, a velocidade de adoção é sem precedentes. Lançado no final de novembro, o ChatGPT teve um milhão de usuários em uma semana e menos de um ano depois calcula-se 100 milhões de usuários ativos.
“Eu sinto que, pela primeira vez, posso me comunicar com um computador e ele pode entender o que quero dizer. E não vejo nada tão impactante quanto isso desde a invenção do computador pessoal”, disse Michael Carbon, professor do MIT e fundador da MosaicML. Não só ele carrega essa sensação. Executivos, professores e profissionais de qualquer área estão tendo acesso a tecnologias múltiplas sem precisar entender de programação.
Em um artigo recente publicado na Harvard Business Review, Ben Falk, diretor da EY Global, trouxe o exemplo do Github Copilot, uma ferramenta do Github com a Open AI que auxilia profissionais a escreverem códigos. Com o “copilot”, eles podem confiar no conhecimento incorporado ao modelo de linguagem e em vastas bases de dados, ao invés de precisarem aprender tudo do zero. “Se mais pessoas aprenderem ‘engenharia imediata’ – ou seja, a habilidade de fazer as perguntas certas à máquina – a IA será capaz de produzir conteúdo muito relevante e significativo que os humanos só precisarão editar um pouco antes de poderem colocá-lo em prática”, escreveu Falk.
Estamos testemunhando, de fato, uma democratização da IA – e as empresas podem agora espalhá-las por várias áreas, funções e apoio ao trabalho dos funcionários. Não apenas criando ‘ilhas de inovação’ ou departamentos isolados. A McKinsey estimou recentemente que a IA generativa vai adicionar entre US$ 2,6 trilhões e US$ 4,4 trilhões por ano na economia e o Goldman Sachs prevê um aumento de 7% no PIB global devido ao uso em escala dessa inteligência.
Os desafios da aplicação da IA generativa
Uma pesquisa da Databricks com o MIT com 600 líderes de tecnologia (CIO’s) mostra que 94% deles estão usando IA generativa de alguma forma em seu negócio, mas apenas 14% acreditam que seu uso está difundido nas áreas de negócios. E uma das razões para isso pode estar no fato de que a IA generativa requer uma infraestrutura de dados flexível, escalável e eficiente, aponta o estudo. As organizações também enfrentam o dilema de entender como proteger sua base de dados e se vão apostar em construir seus próprios LLMs – ou terceirizar isso, correndo riscos de vazamentos e mau uso.
Gosto muito de uma analogia que ouvi recentemente: a IA generativa é um pouco como entregar para qualquer pessoa um carro automático que cada um pode entrar sem licença ou treinamento prévio. O que é acessível, também pode ser desastroso. Recentemente, o historiador Yuval Harari compartilhou, em artigo para o New York Times, suas reflexões envolvendo esses novos avanços da IA.
“É difícil para as nossas mentes humanas compreender as novas capacidades do GPT-4 [modelo de linguagem do ChatGPT] e ferramentas semelhantes, e é ainda mais difícil compreender a velocidade exponencial a que estas ferramentas estão a desenvolver capacidades mais avançadas e poderosas. Mas a maioria das competências-chave resumem-se a uma coisa: a capacidade de manipular e gerar linguagem, seja com palavras, sons ou imagens.”
O autor do best-seller Sapiens avalia que as redes sociais foram a nossa primeira experiência em massa com ferramentas automatizadas de geração de conteúdo. E nós aprendemos o lado bom e o lado sombrio disso: por trás dos nossos feed de notícias, algoritmos é que nos ditam o que vamos ler, ver ou assistir. Os grandes modelos de linguagem são nosso segundo grande contato com essa IA e agora sabemos que ela fala a mesma língua que nós, alerta Harari. E, por isso mesmo, precisamos ter em mente quais os riscos de deixá-los “rodar” em nossas vidas. Para se beneficiar plenamente das aplicações de IA generativa, as empresas terão de lidar com os seus riscos, incluindo a confiabilidade do que é gerado, levando em conta a evolução das regulamentações e as potenciais complicações de propriedade intelectual. É aprender a trabalhar com essa IA antes que ela nos domine. Para o bem ou para o mal.