Era uma segunda-feira, 29 de janeiro, quando um tweet de Elon Musk, às 7 da noite, tirou o foco de muitas pessoas de suas tarefas cotidianas, voltando-se para aquelas poucas linhas mais densas de implicações para a espécie humana que possa ter. Ele escreveu: “o primeiro ser humano recebeu um implante da Neuralink ontem e está se recuperando bem. Os resultados iniciais mostram uma detecção promissora de picos neuronais”.
Esse primeiro implante, chamado de forma bastante apropriada de Telepahy, ou Telepatia, é parte de um ensaio clínico que a Neuralink anunciou em 2023, testando o funcionamento do dispositivo em pessoas com quadriplegia devido a lesão na medula espinhal ou esclerose lateral amiotrófica, também conhecida como doença de Lou Gehrig.
Essa notícia me fez refletir muito: o que isso significa para a humanidade? O que significa para os negócios? O que para os líderes, que são o principal objeto de meus estudos, palestras e livros, como o meu mais recente “Meta-leadership: the new leader’s skill set in the age of AI and Web3”?
Pois bem, após estudar a fundo como funcionam tecnologias de Brain Computer Interface (BCIs) como Neuralink, entendi, de verdade, o que isso significa para líderes e não é o que você imagina.
O impacto do Neuralink na inteligência humana
Para começar, qual a ideia fundamental da Neuralink? Por mais que esteja hoje voltado para a área médica, Musk quer ir muito além disso, construindo o que ele chamou de “dispositivo de entrada e saída generalizado, que poderia se conectar a todos os aspectos do seu cérebro”.
Em outras palavras, algo que todos usariam para conectar suas mentes diretamente ao mundo digital. Isso é considerado ficção científica pelos padrões da tecnologia de computação atual, mas na medida que superar algumas barreiras técnicas e de opinião pública — afinal, não há como ignorar o fato de que um implante da Neuralink substitui uma parte de seu crânio e tê-lo instalado será muito mais invasivo do que um dentista tirando uma cárie —, existe a possibilidade concreta de que a visão do Elon Musk se materialize, conforme aponta o estudo “An Examination of Prospective Uses and Future Directions of Neuralink: The Brain-Machine Interface”.
Por isso, é fundamental já refletir sobre alguns pontos. As perguntas mais intuitivas e óbvias que vieram à tona após o anúncio da Neuralink foram: “qual será o impacto disso na inteligência humana? Irá aprimorá-la e torná-la uma superinteligência, ou irá nos tornar dependentes de uma inteligência artificial?”; “nossas habilidades socioemocionais, nossos soft skills, irão continuar existindo ou também irão sucumbir à lógica dos algoritmos?”.
Em grupos de líderes, o que mais ouvia com preocupação era: “se um líder é medido por seu conhecimento, inteligência, raciocínio lógico e experiência, ao implantarmos um chip que terá tudo isso de forma exponencial, significa que todos poderemos ser líderes? Ou será que líderes não serão mais precisos?”.
É fato que essas perguntas estão carregadas de significado, e são realmente importantes, mas atenção: elas são simplesmente as perguntas erradas, e não são reflexo do que realmente a Neuralink terá em termos de impacto na humanidade e na liderança.
Para entender o verdadeiro impacto de tecnologias como a Neuralink na liderança, precisamos, primeiro, entender o que elas fazem na realidade. Pelo artigo “Progress in Brain Computer Interface: Challenges and Opportunities”, publicado em 2021 na revista Frontiers in Systems Neuroscience, as Interfaces Cérebro-Computador consistem em uma ligação de comunicação direta e, às vezes, bidirecional entre o cérebro e um computador ou dispositivo externo que não envolve estimulação muscular. Geralmente, envolvem a aquisição de sinais elétricos do cérebro, sua interpretação e a possibilidade de transformá-los em ações. Essa tecnologia pode ser potencialmente utilizada em uma ampla gama de aplicações, com o foco atual sendo na área da saúde e usos médicos, mas obviamente poderão ser utilizadas nos negócios.
Três frentes nas quais BCIs podem impactar líderes
Mas atenção: por seu próprio funcionamento, as BCI não mudam nosso cérebro, nem nossa inteligência ou forma de pensar, mas permitem a nosso cérebro e forma de pensar impactar a tecnologia. Ou seja, não subjugam nosso cérebro à tecnologia, mas exatamente o oposto: subjugam a tecnologia ao cérebro de forma direta e sem fricções.
Consequentemente, BCIs têm a possibilidade de impactar líderes e sua habilidade de liderar em 3 frentes principais:
Produtividade
Para começar, certamente as BCIs maximizarão nossa produtividade como líderes, pois tirarão toda a fricção entre a tomada de decisão e a materialização delas.
Explico: se, por meio de um chip em meu cérebro, eu conseguir transmitir o que estiver pensando para uma ferramenta de IA generativa de slides, por exemplo, conseguirei a apresentação do novo projeto mais importante do ano em questão de segundos. Ou um memorando interno sobre os novos valores da empresa poderá ser “ditado” de forma instantânea do cérebro para o ChatGPT.
Mesmo que isso faça com que o risco de centralização da tomada de decisão, por parte dos líderes, aumente — pois torna-se um reflexo do pensamento dos líderes apenas, e não do esforço colaborativo de times —, não pode ser subestimado o impacto incrível que teria na redução de fricção e na rapidez de produção de novos conteúdos, vindo diretamente de nossas ondas cerebrais.
Comunicação
BCIs certamente permitirão que nossa comunicação seja mais eficiente e com menos ruídos, na medida que nossos interlocutores e equipes tenham um chip também. Essas tecnologias ainda poderão ajudar líderes a entenderem melhor as reações emocionais de suas equipes, lendo sinais neurais que indicam estados emocionais.
Essa é a tese do artigo “What Brain-Computer Interfaces Could Mean for the Future of Work” do Alexandre Gonfalonieri, publicado na Harvard Business Review em outubro 2020. Isso pode aprimorar a empatia e a capacidade de resposta dos líderes, permitindo-os ajustar sua comunicação para serem mais eficazes e sensíveis às necessidades de suas equipes.
Em um futuro mais distante, as BCIs podem permitir formas de comunicação baseadas diretamente na atividade cerebral, ultrapassando as barreiras da linguagem verbal e não verbal. Isso poderia levar a uma comunicação mais direta e clara, em que intenções e pensamentos são compartilhados sem ambiguidades, melhorando a clareza e a eficiência da comunicação em ambientes de trabalho.
Aprendizagem
BCIs como Neuralink transformarão a liderança na frente de desenvolvimento e aprendizado. Elas podem monitorar a atividade cerebral durante sessões de treinamento, fornecendo feedback imediato sobre o estado mental do participante.
Também terão potencial na parte de treinamento personalizado, pois permitirão a criação de trilhas personalizadas a partir do feedback cerebral. Isso significa aprender mais rápido e de um jeito que faça mais sentido para cada pessoa.
O que nos espera no médio prazo, então? Uma possibilidade, na medida que tecnologias de BCIs amadurecerem, de sermos mais eficientes e produtivos, comunicarmo-nos melhor, aprendermos melhor e tomarmos melhores decisões.
Mas ainda não estamos falando de uma substituição cognitiva ou um upgrade de inteligência, como vejo muito pelas redes sociais ou na opinião pública. Isso é fundamental entendermos, para não interpretarmos, de forma errada, as notícias do Neuralink, e acreditarmos que a espécie humana esteja mudando mais profundamente do que de fato está e que a liderança humana fique, logo, menos obsoleta.
Andrea Iorio
