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Este é o segundo artigo de uma série informativa sobre tecnologia quântica. O primeiro fala sobre computação quântica.
Quase não se passa uma semana sem relatos de algum novo mega-ataque hacker que expõe grandes quantidades de informações confidenciais, desde detalhes de cartão de crédito e prontuários médicos de pessoas até a valiosa propriedade intelectual das empresas. A ameaça representada por ataques cibernéticos está forçando governos, forças armadas e empresas a explorarem maneiras mais seguras de transmitir informações.
Hoje, os dados confidenciais são normalmente criptografados e, em seguida, enviados por cabos de fibra óptica e outros canais junto com as “chaves” digitais necessárias para decodificar as informações. Os dados e as chaves são enviados como bits clássicos – um fluxo de pulsos elétricos ou ópticos representando 1s e 0s. E isso os torna vulneráveis. Hackers inteligentes podem ler e copiar bits em trânsito sem deixar rastros.
A comunicação quântica tira proveito das leis da física quântica para proteger os dados. Essas leis permitem que as partículas – normalmente fótons de luz que transmitem dados ao longo de cabos ópticos – assumam um estado de superposição, o que significa que podem representar várias combinações de 1 e 0 simultaneamente. As partículas são conhecidas como bits quânticos ou qubits..
A beleza dos qubits de uma perspectiva de cibersegurança é que se um hacker tenta espiá-los enquanto estão em trânsito, seu estado quântico superfrágil “colapsa” para 1 ou 0. Isso significa que um hacker não pode mexer nos qubits sem deixar para trás um sinal revelador de sua atividade.
Algumas empresas aproveitaram essa propriedade para criar redes de transmissão de dados altamente sensíveis com base em um processo chamado distribuição quântica de chaves, ou QKD. Em teoria, pelo menos, essas redes são ultra-seguras.
O que é uma distribuição quântica de chaves (QKD)?
O QKD envolve o envio de dados criptografados como bits clássicos através das redes, enquanto as chaves para descriptografar as informações são codificadas e transmitidas em um estado quântico usando qubits.
Várias abordagens, ou protocolos, foram desenvolvidos para implementar o QKD. Um protocolo amplamente utilizado é conhecido como BB84 e funciona assim. Imagine duas pessoas, chamadas Alice e Bob. Alice quer enviar dados de forma segura a Bob. Para fazer isso, ela cria uma chave de criptografia na forma de qubits cujos estados de polarização representam os valores de bit individuais da chave.
Os qubits podem ser enviados a Bob por meio de um cabo de fibra óptica. Ao comparar as medições do estado de uma fração desses qubits – um processo conhecido como “refinamento de chave” (em inglês, key sifting) – Alice e Bob podem estabelecer que possuem a mesma chave.
À medida que os qubits viajam para seu destino, o estado quântico frágil de alguns deles entrará em colapso devido à decoerência. Para compensar, Alice e Bob realizam um processo conhecido como “destilação de chave” (em inglês, key distillation), que consiste em calcular se a taxa de erro é alta o suficiente para sugerir que um hacker tentou interceptar a chave.
Se for, eles descartam a chave suspeita e continuam gerando novas até terem certeza de que compartilham uma chave segura. Alice pode então usar a dela para criptografar dados e enviá-los em bits clássicos para Bob, que usa sua chave para decodificar as informações.
Já estamos começando a ver o surgimento de mais redes QKD. A mais longa fica na China, que possui uma ligação terrestre de 2.032 quilômetros (1.263 milhas) entre Pequim e Xangai. Bancos e outras empresas financeiras já estão usando-a para transmitir dados. Nos Estados Unidos, uma startup chamada Quantum Xchange fechou um acordo que lhe dá acesso a 500 milhas (805 quilômetros) de cabos de fibra óptica que percorrem a costa leste para criar uma rede QKD. A etapa inicial ligará Manhattan a Nova Jersey, onde muitos bancos têm grandes centros de dados.
Embora o QKD seja relativamente seguro, seria ainda mais se pudesse contar com repetidores quânticos.
O que é um repetidor quântico?
Os materiais nos cabos podem absorver fótons, o que significa que normalmente não podem viajar por mais do que algumas dezenas de quilômetros. Em uma rede clássica, repetidores em vários pontos ao longo de um cabo são usados para amplificar o sinal para compensar isso.
As redes QKD surgiram com uma solução semelhante, criando “nós confiáveis” em vários pontos. A rede Pequim-Xangai tem 32 deles, por exemplo. Nessas estações, as chaves quânticas são descriptografadas em bits e, em seguida, criptografadas novamente em um novo estado quântico para sua jornada até o próximo nó. Mas isso significa que os nós confiáveis não podem realmente ser confiados: um hacker que violasse a segurança dos nós poderia copiar os bits sem serem detectados e, assim, adquirir uma chave, da mesma forma que uma empresa ou governo que administra os nós poderia.
Idealmente, precisamos de repetidores quânticos, ou estações de passagem com processadores quânticos, que permitiriam que as chaves de criptografia permanecessem na forma quântica à medida que são amplificadas e enviadas a longas distâncias. Os pesquisadores demonstraram que é possível, em princípio, construir tais repetidores, mas eles ainda não foram capazes de produzir um protótipo funcional.
Há outro problema com o QKD. Os dados subjacentes ainda são transmitidos como bits criptografados em redes convencionais. Isso significa que um hacker que violou as defesas de uma rede pode copiar os bits sem ser detectado e, em seguida, usar computadores poderosos para tentar quebrar a chave usada para criptografá-los.
Os algoritmos de criptografia mais poderosos são bastante robustos, mas o risco é grande o suficiente para estimular alguns pesquisadores a trabalharem em uma abordagem alternativa conhecida como teletransporte quântico.
O que é teletransporte quântico?
Isso pode soar como ficção científica, mas é um método real que envolve a transmissão de dados totalmente na forma quântica. A abordagem se baseia em um fenômeno quântico conhecido como emaranhamento.
O teletransporte quântico funciona criando pares de fótons emaranhados e, em seguida, enviando um de cada par para o remetente dos dados e o outro para um destinatário. Quando Alice recebe seu fóton emaranhado, ela o deixa interagir com um “qubit de memória” que contém os dados que ela deseja transmitir a Bob. Essa interação muda o estado de seu fóton e, como está emaranhado com o de Bob, a interação muda instantaneamente o estado de seu fóton também.
Na verdade, isso “teletransporta” os dados presentes no qubit de memória do fotón de Alice, para o de Bob. O gráfico abaixo descreve o processo com um pouco mais de detalhes:
Pesquisadores nos Estados Unidos, China e Europa estão correndo para criar redes de teletransporte capazes de distribuir fótons emaranhados. Mas colocá-los em escala será um enorme desafio científico e de engenharia. Os muitos obstáculos incluem encontrar maneiras confiáveis de produzir muitos fótons vinculados sob demanda e manter seu emaranhamento em distâncias muito longas – algo que os repetidores quânticos tornariam mais fácil.
Ainda assim, esses desafios não impediram os pesquisadores de sonhar com uma futura internet quântica.
O que é uma internet quântica?
Assim como a internet tradicional, esta seria uma rede mundial de redes. A grande diferença é que as redes de comunicação subjacentes seriam quânticas.
Não vai substituir a internet como a conhecemos hoje. Fotos de gatos, videoclipes e muitas informações comerciais não confidenciais ainda serão transmitidas na forma de bits clássicos. Mas uma internet quântica atrairá organizações que precisam manter dados particularmente valiosos seguros. Também pode ser uma maneira ideal de conectar informações que fluem entre computadores quânticos, que estão cada vez mais sendo disponibilizados por meio de cloud computing.
A China está na vanguarda da busca por uma internet quântica. Ela lançou um satélite dedicado de comunicações quânticas chamado Micius há alguns anos e, em 2017, o satélite ajudou a organizar a primeira videoconferência intercontinental do mundo, protegida por QKD, entre Pequim e Viena. Uma estação terrestre já liga o satélite à rede terrestre Pequim-Xangai. A China planeja lançar mais satélites quânticos e várias cidades do país estão fazendo planos para redes QKD municipais.
Alguns pesquisadores alertaram que mesmo uma internet totalmente quântica pode, em última análise, se tornar vulnerável a novos ataques que também seriam quânticos. Mas, diante dos ataques de hackers que assolam a internet de hoje, empresas, governos e militares continuarão explorando a perspectiva tentadora de uma alternativa quântica mais segura.