Compromissos globais, sustentabilidade e segurança energética: o poder do átomo
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Compromissos globais, sustentabilidade e segurança energética: o poder do átomo

A utilização da energia nuclear tem sido um assunto controverso por um longo período, envolto em questões de segurança e gestão de resíduos. Contudo, as recentes declarações de governos e empresas indicam uma alteração relevante na visão e na aceitação dessa tecnologia como componente crucial dos planos de descarbonização e energia limpa.

A COP29 que se aproxima em Baku, Azerbaijão, e os resultados do recente Clean Energy Ministerial sediado no Brasil, demonstram a urgente necessidade de revisitarmos os compromissos anunciados em Dubai durante a COP28, além de outros vários anúncios e discutir como essa fonte de energia pode contribuir para a sustentabilidade e a segurança energética.

“Se você quer conciliar a criação de empregos, autonomia estratégica e soberania, e emissões de carbono reduzidas, não há nada mais sustentável e confiável do que a energia nuclear.”

Emmanuel Macron, durante seu discurso na cerimônia sobre Triplicar a Energia Nuclear até 2050 em Dubai durante a COP 28.

Durante a COP 28, mais de 20 países assinaram um compromisso para triplicar a capacidade de energia nuclear até 2050. Este compromisso reflete a urgência em encontrar soluções energéticas que possam atender à crescente demanda global enquanto se reduz as emissões de carbono.

O relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) intitulado “Nuclear Power and Secure Energy Transitions” (Energia Nuclear e transições energéticas seguras”) publicado em 2022 concluiu que  essa fonte ajuda o setor de energia a realizar a transição energética dos combustíveis fosseis e a descarbonizar o fornecimento de eletricidade.

Recentemente, durante a Climate Week em Nova York, 14 grandes bancos globais e instituições financeiras expressaram seu apoio ao esforço de triplicar a energia nuclear até 2050. Entre os bancos estão o Bank of America, Barclays, BNP Paribas, Goldman Sachs e Morgan Stanley.

Além disso, em setembro desse ano, a Constellation Energy anunciou o plano de reabertura da Unidade 1 de Three Mile Island (TMI) em parceria com a Microsoft. A Unidade 1 dessa planta nuclear, localizada na Pensilvânia, esteve em operação até 2019, quando teve sua operação descontinuada devido ao preço competitivo do gás. Porém, a Microsoft firmou um acordo de 20 anos para o fornecimento de 835 MW de energia que será utilizada para suprir a demanda energética de seus Data Centers.

Seguindo essa tendência, o Google anunciou em 14 de outubro deste ano a parceria com a empresa Kairos Power, desenvolvedora de uma nova tecnologia de pequeno reator nuclear modular (Small Modular Reactor, em inglês), para desenvolvimento, construção e operação de uma série desses reatores fornecendo até 500 MW para seus Data Centers.

Estes são apenas alguns exemplos que ilustram a mudança na percepção do uso dessa tecnologia por corporações e países. E o que torna essa tecnologia tão favorável?

O poder do Átomo

Primeiramente, é importante lembrar que a energia nuclear não se restringe somente à produção de eletricidade. Essa tecnologia tem aplicações em diversas áreas, como medicina, indústria e agricultura. Na área médica, a radioatividade é empregada em diagnósticos e terapias, como a radioterapia contra o câncer. Na indústria, pode ser empregada para aprimorar processos produtivos e na esterilização de produtos.

A diversidade de usos desta tecnologia abrange outras atividades que contribuem para a mitigação dos efeitos climáticos, como a modificação genética de sementes para se adaptarem às condições desfavoráveis, contribuindo para assegurar a segurança alimentar em áreas impactadas por consequências ambientais da mudança do clima. Um outro exemplo é a parceria entre a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) no desenvolvimento de técnicas que reduzem o consumo de água na agricultura, promovendo práticas mais sustentáveis.

Ao focarmos novamente na geração de energia, essa fonte é vista como parte da solução, graças à sua habilidade de produzir grandes volumes de energia sem a emissão de gases de efeito estufa. De acordo com o Harmonized Life Cycle Assessment publicado pelo Laboratório nacional de energia renovável do departamento de energia do governo dos EUA, a emissão desses gases pela fonte nuclear durante todo seu ciclo de vida se compara, e em alguns cases é até menor, que fontes renováveis como a eólica offshore e onshore.

“Todas as fontes primárias de energia de baixo carbono, incluindo as renováveis, nucleares e fósseis com captura e armazenamento de dióxido de carbono, têm um papel a desempenhar.

Thelma Krug Vice-Chair do IPCC (2015-2022)

A recente crise energética global derivada da guerra entre a Rússia e Ucrânia, que trouxe volatilidade de preços, escassez de suprimentos e incertezas econômicas, destacou de maneira mais forte a preocupação com a segurança energética globalmente. Países com grande dependência energética externa passaram a reconhecer que a capacidade de gerar eletricidade de forma contínua, independente de condições climáticas e dentro de seus próprios territórios, é essencial para garantir a estabilidade do fornecimento energético.

Por exemplo, a Bélgica reavaliou suas estratégias de encerramento de reatores nucleares, reconhecendo a relevância da energia nuclear para a segurança energética e a estabilidade do fornecimento. Organizações como o Fórum Econômico Mundial têm ressaltado a importância de diversificar as fontes de energia para melhorar a resiliência das redes elétricas.

A energia nuclear também pode ter um papel fundamental na descarbonização de outros setores, como os industriais que tradicionalmente se baseiam em combustíveis fósseis. Os reatores nucleares têm a capacidade de gerar calor e energia elétrica (cogeração) para processos industriais, diminuindo consideravelmente as emissões de carbono. Por exemplo, os processos de produção de cimento, aço e extração de petróleo e gás, que são altamente dependentes de carbono, podem se beneficiar da eletrificação através dessa tecnologia.

Esse tipo de cogeração já é implementado em outros países.  Na Suécia, a energia nuclear é usada em conjunto com aquecimento distrital (district heating), uma solução eficiente para aquecer edifícios urbanos.

Equidade e sustentabilidade

O acesso à energia está diretamente vinculado à qualidade de vida. De acordo com a ONU, mais de 700 milhões de pessoas ainda vivem sem eletricidade, e mais de três bilhões usam combustíveis poluentes para cozinhar, o que afeta negativamente sua saúde, produtividade e qualidade de vida.

Não podemos esquecer que, dentro do conceito de transição justa, precisamos proteger o planeta, garantindo um futuro para as novas gerações e oferecendo oportunidades para todos. Os compromissos globais de alcançar o zero líquido, que incluem apoio, inclusão e uma mudança equitativa, não serão alcançados sem utilizar todas as fontes de energia limpa ao nosso alcance. A equidade é um dos princípios centrais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e promovê-la no acesso à energia limpa é essencial para que todos tenham a oportunidade de uma vida abundante.

Investir em energia nuclear nos permite lutar por essa qualidade de vida enquanto preservamos o meio ambiente. Com a capacidade de operar continuamente, as usinas nucleares garantem um fornecimento constante de eletricidade, crucial para o crescimento econômico e a redução da pobreza. Além disso, as comunidades locais são beneficiadas através de desenvolvimento socioeconômico que inclui educação, criação de empregos e o envolvimento de instituições locais na tomada de decisões.

Juntamente com isso, a maneira como o setor lida tanto com as preocupações e dúvidas em relação à segurança (que podem ser discutidas e sanadas devido às medidas e controles locais e internacionais, aos avanços e inovações que têm tornado essa tecnologia cada vez mais segura) quanto à preocupação com relação ao rejeito, demonstram um compromisso geracional no uso dessa fonte.

Pois o controle que o setor tem sobre o rejeito (que têm um volume reduzido devido à sua alta capacidade de geração de energia com poucas quantidades de recursos – alta densidade energética) serve de exemplo para a sociedade. Diferente de muitos outros setores, o nuclear tem total rastreamento e controle sobre tudo que é gerado durante o ciclo de vida dessa fonte. Além disso, há um compromisso ético e legal, estabelecido tanto por leis e regulamentações locais quanto internacionais, de monitorar, tratar e armazenar de maneira segura.

Essa característica demonstra o compromisso com a sustentabilidade desse setor, diferente de outros que infelizmente ainda não se responsabilizam por todo rejeito gerado no processo de produção do ciclo de vida da fonte. Sem contar com o investimento que é feito para desvendar novas e inovadoras maneiras de tratamento e reaproveitamento dos recursos utilizados.

A energia nuclear, com a colaboração internacional e o investimento contínuo em pesquisa e inovação, tem um papel crucial na mudança para um sistema energético mais sustentável. Ao abraçar todas as fontes de energia limpa, incluindo esta, temos a capacidade de construir um futuro em que a equidade, a sustentabilidade e a prosperidade coexistam, assegurando um planeta saudável e oportunidades justas para todos.

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