A energia sempre controlou o mundo. O ser humano evoluiu quando sua força deixou de ser a única ferramenta para interagirmos com o que estava ao nosso redor. Veio o motor a vapor. A combinação de processos e máquinas. A revolução industrial que gerou energia para movimentar fábricas, ferrovias, navios e empresas. Com o petróleo foi a vez do motor ganhar combustão. E, quem dominasse o petróleo, poderia dominar o mundo. Não à toa, os Estados Unidos fizeram seu acordo para atrelar essa energia ao dólar – e aí era preciso ter dólar para comprar mais energia. E a economia foi a economia do petrodólar. Já não é esta economia, porém, que nos guia nesta década. Porque a energia mudou de lastro. É onde ela se conecta que descobriremos para onde nosso futuro caminha.
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA) , a geração de eletricidade renovável em 2021 deve se expandir em mais de 8%, o crescimento anual mais rápido desde a década de 1970. Os painéis solares evoluíram e, com eles, começamos a pensar na noção de produzir dentro de casa e distribuir para o entorno. Os carros a combustão estão perdendo espaço para os elétricos – e a regulação, após ser puxada por tantas inovações no campo da pesquisa de baterias e por um clamor mundial contra emissões, agora estimula essa transição. Sedãs elétricos (segmentos C e D) e SUVs serão tão baratos para produzir quanto veículos a gasolina a já a partir de 2026, prevê um estudo da BloombergNEF encomendado pela Transport & Environment (T&E). O relatório defende que a queda nos custos das baterias, novas arquiteturas de veículos e linhas de produção dedicadas para veículos elétricos irão torná-los mais baratos de comprar, em média, mesmo antes dos subsídios.
No Brasil, aliás, a Volkswagen Caminhões e Ônibus e a CBMM se uniram com a missão de criar a super bateria de Nióbio. O objetivo é desenvolver e produzir super baterias para veículos elétricos de grande porte, utilizando o metal que é produzido no Brasil para recarregar carros em menos de dez minutos. Essa autonomia será possível devido ao desenvolvimento de novas tecnologias que utilizam óxido de nióbio.
Outro protagonista dessa transformação é o grafeno. O avanço daquilo que conhecemos sobre suas propriedades e o desenvolvimento de tecnologias para utilizá-lo de forma prática já nos permite sonhar em minimizar nossa dependência extrema de carregadoras e tomadas hoje.
A bateria de íon de lítio que hoje alimenta quase tudo que consumimos, principalmente nossos celulares e notebooks, começou a ser usada em escala comercial nos anos 90 – provocando uma revolução na nossa relação com eletrônicos portáteis. Desde então várias empresas estão criando “baterias vitaminadas”. Os resultados desses esforços começaram a aparecer com força nesta década. A empresa americana NanoGraf afirma que em laboratório suas baterias de grafeno tem aumento de 50% na vida útil em comparação às de íons de lítio, e a capacidade igual com metade do peso.
Além do grafeno, estão chegando também baterias nucleares. Uma startup da Califórnia NDB Technology criou uma bateria que usa lixo atômico. Eles recorreram a uma tecnologia muito semelhante à usada para produzir eletricidade com energia solar. Mas, ao invés de utilizar as células que captam a luz solar, utilizam a radiação retirada de um lixo de nuclear. Um filete de diamante protege diferentes isótopos, garantindo que essa radiação não vaze. O resultado é a produção de uma bateria de carregamento automática alimentada pela conversão da radiação em carga elétrica. Na prática, eles estão criando uma bateria que não depende de nenhum fator externo para sua recarga e com vida útil de até 28 mil anos. A inovação da startup, que reuniu um time de 50 profissionais liderado por Nima Golsharifi, cientista especializado em nanotecnologia, e pelo físico britânico Sir Michael Pepper, referência pelo trabalho sobre a nanoestrutura de semicondutores, é conseguir viabilizar esse mecanismo de forma microscópica.
Ou seja: criando baterias leves e pequenas que podem alimentar relógios, marca-passos, equipamentos da nossa casa, carros e aviões. Imagina ter na sua casa uma geladeira que você não precisa carregar nunca? No espaço, as aeronaves poderiam chegar a lugares que nem somos capazes de sonhar. Na área médica, a NDB almeja por exemplo conseguir criar marca-passos que nunca desligam, evitando hoje a inconveniência e os riscos de uma cirurgia cardíaca feita apenas para substituir a bateria. A expectativa é ter um protótipo comercial (um relógio) até o fim de 2022. Ao aproveitar o lixo atômico, que normalmente é enterrado para minimizar riscos de vazamento e contaminação – embora esse risco continue existindo – a NDB quer criar uma energia não dependente do tempo (vento ou sol), da extração de lítio, e solucionar o problema da maior demanda global por energias sustentáveis e substitutas aos combustíveis fósseis.
Indo mais à frente, uma bateria de carregamento automático poderia revolucionar as aplicações de inteligência artificial no nosso dia a dia. Um coração artificial, alimentado por um marca-passo que nunca desliga, pode ter sensores de monitoramento capazes de enviar informações em tempo real sem uso de equipamentos externos ou realização de exames invasivos. Os dados gerados podem ser usados em nome de ações de saúde preventivas, mas também alimentar todo um novo campo de estudo da medicina. Mesmo nos modelos atuais de energia renovável, a inteligência artificial também pode ajudar a realizar previsões para os principais fatores que hoje regulam o mercado de energia, incluindo clima, geração de energia renovável, demanda do cliente e preços. Essas previsões e o aprendizado com os resultados ao longo do tempo permitirão que a IA otimize todos os recursos do grid para cada momento do dia.
Recentemente, o Nima, da NDB, me disse que o principal desafio hoje é viabilizar o preço com que essa energia a partir do lixo atômico será entregue. “Há muitas tecnologias hoje com a energia solar, por exemplo, mas o custo de entregar essa autonomia, acessível a qualquer indivíduo, independentemente de um grid, é bastante alto”. Na geopolítica desse novo mundo que se constrói ter energia e armazenar será, de novo, o game-changer. A construção de uma rede massiva que equilibra instantaneamente a oferta e a demanda, ao mesmo tempo que fornece energia, foi considerada uma das maiores façanhas do século XX. Nesta década do século XXI, fornecer energia a uma economia totalmente descarbonizada com energias renováveis impulsionadas por inteligência artificial, uma rede 5G que conecte os novos dispositivos criados e gere autonomia, pode ser a maior conquista deste século. Eu sempre falo do poder que existe em conectar tecnologias já existentes – a Revolução Industrial foi o que foi por conseguir combinar processos e equipamentos já existentes para gerar uma energia numa escala nunca antes vista. Ao combinar diferentes isótopos, a nanotecnologia já está revolucionando o mundo das baterias. Independentemente de qual tecnologia irá vingar, uma bateria que dura anos já é capaz de mudar completamente a forma como vemos, vivemos o mundo e giramos a economia global. Tudo isso sem depender de uma única moeda.
Este artigo foi produzido por Guga Stocco, membro do Conselho de Administração do Banco Original, Totvs, Vinci e Grupo Soma, fundador da Futurum Capital e colunista da MIT Technology Review Brasil.