O desafio do setor financeiro para melhorar os serviços digitais e aumentar a segurança dos usuários
Negócios e economia

O desafio do setor financeiro para melhorar os serviços digitais e aumentar a segurança dos usuários

Como instituições financeiras encaixam experiências personalizadas com padrões rigorosos de proteção e privacidade de dados de clientes

Criado pelo cartógrafo britânico John Spilsbury no século XVIII, o quebra-cabeça é um passatempo que demanda certo raciocínio lógico, foco e resiliência. Mais do que se encaixar, sem o uso da força, as peças precisam formar uma imagem que faça sentido para quem a vê.  

O indivíduo que  enxerga um quebra-cabeça complexo montado, com a paisagem formada perfeitamente, não imagina o número de erros e tentativas que o outro teve até obter êxito.  

Ao observar o setor financeiro no Brasil por meio de conversas com clientes e colegas mais próximos, entendo que o futuro das instituições financeiras envolve um enigmático quebra-cabeça de duas peças: de um lado exigimos serviços digitais mais ágeis e personalizados, do outro ansiamos sentirmos seguros e que nossos dados estarão protegidos.  

Peça 1: experiências personalizadas e sem atritos 

 Prova dessa exigência por sistemas bancários mais digitais está na adesão exponencial ao Pix em um curto período. Segundo a Pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária 2022, foram feitos cerca de 4,5 bilhões de pagamentos instantâneos em 2021. Já o número de usuários que realizam mais de 30 Pix mensais atingiu, em março deste ano, aproximadamente 3,9 milhões — aumento de 809% em relação aos 12 meses passados.  

Esse cenário se deve também ao fato de a cultura brasileira ser uma das mais adeptas às novas tecnologias do mundo. No México, por exemplo, o Pix deles não decolou. Enquanto isso, o Fed, banco central dos Estados Unidos, anunciou no dia 12 que os testes de um novo sistema de pagamento instantâneo, semelhante ao nosso Pix, já começaram e é provável que seja lançado em 2023.  

Porém, mais do que experimentar novas tecnologias, os usuários brasileiros esperam que os bancos ofereçam experiências digitais mais ágeis, fluidas e personalizadas. Não é só sobre fazer transações financeiras sem atritos. A resolução dos mais diversos problemas também precisa ter uma usabilidade tão pessoal e digital quanto a Netflix e a Amazon oferecem, por exemplo.   

Não há mais tempo disponível para deslocamentos e esperas em agências físicas, tudo precisa ser resolvido na palma da mão de qualquer lugar, a qualquer hora e, se possível, por meio do autoatendimento.   

Um relatório do Bank Administration Institute feito com 600 clientes, em 2021, mostra que 72% da geração Millenial mudaria seu principal serviço financeiro se encontrasse outro com funcionalidades digitais melhores, ante 61% da geração Z e 51% da geração X.  

Peça 2: a segurança  

No outro lado da moeda da digitalização, o número de fraudes e ciberataques cresce também, o que causa maior desconfiança e insegurança nos clientes de bancos e sistemas de pagamentos em geral. Dados do Serasa Experian mostram que em 2021 foram registrados 4,1 milhões de movimentações suspeitas no sistema financeiro brasileiro, um crescimento de 16,8% na comparação com o ano anterior.  

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo também comprova esse aumento, de janeiro a junho de 2022 foram registrados no Estado mais que o dobro de crimes cibernéticos que todo o ano de 2021. Na comparação com 2018, esses 6 meses de 2022, representaram um crescimento de 10 vezes.  

Semanas atrás, por exemplo, ao precisar resolver o mesmo problema em dois bancos diferentes, tive experiências igualmente distintas. Em um, consegui atendimento via aplicativo de mensagens que foi super ágil e personalizado, mas precisei enviar documentos sensíveis, o que me fez questionar a segurança dos meus dados. No outro, não foi possível solucionar a questão por meio do atendimento digital o que me gerou uma grande frustração a ponto de pensar em fechar minha conta bancária.  

Assim como eu, os consumidores querem experiências super personalizadas e digitais, mas também anseiam por sentir-se seguros. Estamos atentos à proteção dos nossos dados, seja pelo aumento de golpes e fraudes ou pela própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que deu ao usuário o poder de escolha no compartilhamento de informações sensíveis, nos tornando mais conscientes sobre a gestão dos nossos dados pelas empresas.  

Segundo a pesquisa Harvard Business Review Analytic Services de 2021, em parceria com a Mastercard, 72% dos clientes estão mais atentos sobre o uso e a coleta de seus dados por empresas. É um movimento mundial em curso, sem volta.  

Todos esses fatores somados às regulamentações do setor demandam das instituições financeiras a adoção de numerosas camadas de segurança tanto internas quanto as voltadas para os usuários na confirmação da identidade.  

É nesse ponto que essas duas peças tornam a formação desse quebra-cabeça um tanto quanto difícil. Quanto mais etapas e necessidades de senhas e validações  durante o uso de um serviço financeiro na busca da segurança total e sem brechas, maior será o tempo que o usuário levará para concluir seu objetivo, o que pode reduzir a fluidez da experiência.  

De forma clara, segurança e agilidade são duas partes que precisam se conectar e equilibrar para que os bancos atendam às expectativas dos seus clientes.  

Como encaixar as duas peças, então? 

A lógica desse quebra-cabeça está fundamentada no uso de tecnologias de ponta como Inteligência Artificial (IA) e em uma cultura baseada em dados e colaboração com o usuário no centro das decisões e mudanças.   

Somente com o investimento em tecnologias como IA, Machine Learning e Cloud é possível usar os dados de clientes a favor da criação de experiências personalizadas em escala e em tempo real. Com a mesma análise comportamental que inclui localização, dispositivo, horário de acesso e outras informações, é possível bloquear transações suspeitas, notificando o consumidor em tempo real.  

 Os recursos tecnológicos não só dos bancos como de parceiros fornecedores também são fundamentais para garantir a segurança contra ciberataques e vazamentos de dados internos. A proteção e a privacidade de informações sensíveis deve ser uma preocupação de todos os envolvidos no sistema financeiro.   

 A colaboração entra na equação na medida em que profissionais de marketing se unem aos de TI, como guardiões dessas informações sensíveis, além de serem os protagonistas que criam um alto nível de personalização capaz de envolver os clientes. 

 A união entre segurança digital e boa usabilidade com o consumidor no centro das decisões também passa pela questão da transparência quanto às políticas de privacidade de dados. Eu, como usuário, preciso saber de forma simplificada para qual fim a empresa está coletando meus dados, onde vai usá-los e se serão compartilhados, principalmente com o avanço do open finance. Esse gerenciamento de consentimento pode fazer da privacidade um diferencial de marca.  

A visão de quem vê o quebra-cabeça montado de perto 

Dados da FEBRABAN apontam que as instituições financeiras já entenderam o cenário, uma vez que o setor bancário brasileiro prevê investir R$ 35,5 bilhões este ano, uma projeção de aumento de 18% na comparação com 2021. Entre as tecnologias prioritárias estão aquelas voltadas para cibersegurança e experiência do cliente.  

Porém, uma pesquisa realizada pela Akamai Technologies entre abril e junho, em parceria com a Cantarino Brasileiro, mostra que o nível de satisfação dos clientes de bancos caiu nos dois últimos anos, mesmo entre as fintechs que conquistaram os usuários pela experiência. O NPS de bancos digitais em 2020, por exemplo, era de 56,6 pontos; em 2021, diminuiu para 44,2; e neste ano reduziu para 33,3.  

Já o NPS dos bancos tradicionais também caiu, ainda que em menor proporção,: em 2020 atingiu 22,5 pontos, no ano seguinte 19,7, e em 2022 17,8. Pela mesma pesquisa é possível entender que os brasileiros ainda estão mais satisfeitos com os serviços prestados pelas fintechs 

 Quem vê o quebra-cabeça montado pelos bancos está ficando mais exigente. O segredo é melhorar o encaixe das peças.  


 *Douglas Montalvão é diretor geral de Enterprise da Adobe Experience Cloud para América Latina 

 

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