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A vida de John mudou para sempre quando ele terminou com a sua namorada. A separação o levou ao fundo do poço, o que acarretou seu primeiro episódio depressivo quando ele tinha 27 anos. “No começo, parece apenas uma tristeza severa… depois você começa a perder o sono”, diz John (nome fictício), que falou com a MIT Technology Review norte-americana sob condição de anonimato. Ele desenvolveu uma ansiedade incapacitante e experienciou ataques de pânico, além de ter pensamentos sombrios que eventualmente o levaram a tentar acabar com sua própria vida.
Os medicamentos não funcionaram para John. Ele diz que experimentou praticamente todos os antidepressivos, antipsicóticos e sedativos existentes. E enquanto a terapia eletroconvulsiva, um tratamento que consiste na estimulação elétrica de um ou ambos os lados da cabeça de uma pessoa, acabou tirando-o de seu primeiro episódio depressivo, não afetou os sintomas de seu segundo episódio, que começou cerca de cinco anos depois.
Mas, como parte de um ensaio clínico, John se beneficiou de um tratamento experimental que envolvia a inserção de eletrodos profundamente em seu cérebro para enviar pulsos elétricos regulares. A estimulação cerebral profunda já é usada para tratar casos graves de epilepsia e alguns distúrbios do movimento, como o Parkinson. Mas a depressão é mais complicada, em parte porque ainda não entendemos completamente o que está acontecendo no cérebro quando ela ocorre.
“A depressão é um transtorno complexo”, diz Patricio Riva Posse, neurologista da Emory School of Medicine em Atlanta, Geórgia (EUA), que não participou do estudo. “Não é como tentar corrigir um tremor. Há todo um universo de sintomas”. Estes incluem mau-humor, tendências suicidas, incapacidade de sentir prazer e alterações na motivação, sono e apetite.
Os médicos usam eletricidade para tratar distúrbios cerebrais, incluindo depressão, há décadas, e alguns estudos descobriram que eletrodos colocados no fundo do cérebro podem melhorar os sintomas de algumas pessoas. Mas os resultados variam. Os neurocientistas esperam que, ao obter uma ideia melhor do que está acontecendo dentro do cérebro de pessoas com sintomas como os de John, possam tornar o tratamento mais eficaz.
John é uma das cinco pessoas que se ofereceram para ter seus cérebros testados como parte de um ensaio clínico. No início de 2020, ele teve um total de 14 eletrodos implantados em seu cérebro. Por nove dias, ele ficou em um hospital com cabos protuberantes enrolados em sua cabeça, enquanto neurocientistas monitoravam como sua atividade cerebral se correlacionava com seu humor.
Os pesquisadores por trás do teste dizem que desenvolveram um “decodificador de humor”, uma maneira de descobrir como alguém está se sentindo apenas observando a atividade cerebral. Usando o decodificador, os cientistas esperam poder medir a gravidade da depressão de uma pessoa e identificar com mais precisão onde os eletrodos são colocados para otimizar o efeito no humor do paciente. Até agora, eles analisaram os resultados de três voluntários.
O que eles descobriram é extremamente promissor, diz Sameer Sheth, neurocirurgião do Baylor College of Medicine em Houston, Texas (EUA), que está liderando o estudo. Ele e seus colegas não apenas conseguiram vincular a atividade cerebral específica dos voluntários com o humor, mas também encontraram uma maneira de estimular um humor positivo. “Esta é a primeira demonstração de decodificação de humor consistente e bem-sucedida de humanos nessas regiões do cérebro”, diz Sheth. Seu colega Jiayang Xiao apresentou as descobertas na reunião anual da Sociedade de Neurocência em San Diego (EUA) em novembro
Eletrificando depressão
A Estimulação Cerebral Profunda (ECP) geralmente envolve a colocação profunda de um ou dois eletrodos no cérebro para enviar impulsos elétricos a regiões específicas. Pode funcionar muito bem para algumas pessoas com mal de Parkinson, onde é usado para estimular áreas responsáveis pelo controle de movimento. Os pesquisadores estão explorando se também pode ajudar a tratar transtornos psiquiátricos, incluindo o obsessivo-compulsivo, distúrbios alimentares e depressão.
Diversos estudos realizados no início e meados dos anos 2000 sugeriram que o ECP poderia ajudar pessoas com depressão que não respondiam aos tratamentos típicos, como antidepressivos. Mas os resultados iniciais de dois grandes ensaios clínicos foram decepcionantes e os testes foram interrompidos precocemente.
Não está claro por que estes ensaios atuais não obtiveram os mesmos resultados dos estudos anteriores. Mas as taxas variáveis de sucesso podem ter algo a ver com a forma como a estimulação cerebral é realizada. Acredita-se que várias regiões do cérebro desempenhem um papel na depressão. E existem muitas maneiras possíveis de enviar impulsos elétricos. “Não sabemos como realizar o ECP de forma inteligente em todo e qualquer indivíduo [com depressão]”, diz Sheth. “Esta é simplesmente uma terapia muito nova”.
Sheth tem tentado descobrir o que pode funcionar melhor. Ele e seus colegas pegaram emprestado uma abordagem de cirurgia cerebral que às vezes é usada para ajudar pessoas com epilepsia que não melhoram com medicamentos.
Nesses casos, os médicos podem implantar eletrodos no cérebro da pessoa para descobrir onde as convulsões estão começando. Uma vez identificadas, essas regiões podem passar a ser estimuladas com eletrodos ou serem totalmente removidas.
A depressão não se origina de um ponto único no cérebro, como acontece com uma convulsão. Mas Sheth e seus colegas estão adotando a mesma abordagem para lidar com ela, implantando temporariamente eletrodos no cérebro para monitorar a atividade cerebral e assim obter informações sobre a condição.
A equipe está particularmente interessada em como os padrões de atividade cerebral diferem quando uma pessoa está se sentindo bem ou especialmente deprimida. Sheth e seus colegas também estão experimentando com a estimulação: que nível, tipo e frequência funcionam melhor para trazer o cérebro de volta a um estado de humor positivo? Munidos com essas informações, os neurocirurgiões estarão muito mais preparados para ajudar as pessoas com depressão, e a estimulação cerebral profunda tem mais chances de funcionar, diz Sheth.
Em entrevista à MIT Technology Review Brasil, Luiz Gustavo Vala Zoldan, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, avalia que a criação de um “decodificador de humor” tem potencial para gerar novos olhares para o tratamento e para a prevenção da depressão. O psiquiatra reforça que iniciativas como essa podem ajudar a contornar o efeito limitado do tratamento farmacoterápico e psicoterápico para o transtorno mental.
“O baixo entendimento dos mecanismos neurobiológicos da depressão é um grave fator que torna a ação médica muito restrita, e a compreensão desses mecanismos se faz cada vez mais relevante para proporcionar novos insumos de pesquisa e inovação. A identificação de padrões eletroencefalográficos ou de regiões mais específicas envolvidas no processo de expressão dos sintomas depressivos pode proporcionar novas formas de abordagem de um problema global de saúde pública”, explica.
Um estudo divulgado pela revista científica The Lancet, em março de 2022, evidencia a estabilidade na prevalência da depressão ao longo das últimas décadas. “Não há evidências convincentes da redução dessas condições em qualquer sociedade, e a maioria das pessoas afetadas por problemas de saúde mental não recebe cuidados apropriados”, informa a publicação citada pelo especialista.
Por outro lado, é preciso ter cautela para preservar os pacientes nesse contexto. “Tangibilizar e medir a intensidade do problema pode ajudar muito a reduzir o estigma e preconceito sobre a depressão, mas é necessário ponderar os riscos. O uso de ferramentas para padronizar e traduzir as vivências internas tira essa experiência do campo do encoberto e tem um enorme potencial de expor as pessoas”, avalia o psiquiatra.
De volta ao normal
John foi o primeiro voluntário experimental a se submeter ao procedimento. Sheth e seus colegas o colocaram sob anestesia geral antes de fazer furos em seu crânio para inserir os eletrodos. A equipe implantou dois eletrodos ECP em cada lado do cérebro de John, em regiões que se acredita estarem envolvidas em sintomas de depressão. Outros cinco eletrodos temporários adicionais foram colocados em cada lado do cérebro para monitorar a atividade de John em regiões ligadas ao humor e à cognição.
Para encontrar o local certo para estimular, a equipe precisou acordar John durante a operação. Ele se lembra de ter sido repetidamente questionado sobre como se sentia enquanto os cirurgiões sondavam seu cérebro com eletrodos. “Então eles atingiram um ponto e eu disse: “Na verdade, parece que eu me sinto de volta ao normal”, diz ele. “A depressão é como um peso constante em sua alma. Quando eles tocaram aquele pequeno ponto perfeito, aquele peso foi removido de mim”.
Ele se lembra de ouvir os médicos rirem e dizerem que haviam encontrado o lugar certo e depois John voltou a dormir.
Algumas horas depois, John acordou “com uma dor de cabeça que nunca sentiu” e passou os nove dias seguintes sendo monitorado de perto por Sheth e seus colegas. A cada poucas horas, a equipe médica fazia perguntas sobre seu humor e como ele estava se sentindo.
No final dos nove dias, a equipe removeu os 10 eletrodos de monitoramento do cérebro de John, mas deixou os quatro eletrodos ECP. Esses eletrodos foram conectados a uma bateria recarregável implantada no peito de John. Nos anos seguintes, os pulsos de estimulação foram ligeiramente ajustados. Seis meses após a operação, a equipe desligou a estimulação sem avisar John. Seus sintomas pioraram imediatamente. “Era óbvio”, diz ele. “Eu disse a eles: ‘Não sei o que vocês fizeram, mas não consigo dormir, estou ansioso… não está funcionando”.
O dispositivo foi ligado novamente e está funcionando desde então. A equipe de Sheth realizou o mesmo procedimento em outras quatro pessoas até agora, todas com depressão grave e resistentes ao tratamento convencional. Eles planejam estudar 12 pessoas no total.
Apesar dos primeiros sinais de sucesso, Sheth e seus colegas não planejam realizar esse mesmo procedimento de forma mais extensa. A implantação temporária de 10 eletrodos no cérebro fornece informações sobre a depressão de uma pessoa específica, mas não é uma abordagem prática para uma condição que afeta quase 3 milhões de pessoas apenas nos EUA. É um procedimento invasivo, caro, que leva muito tempo e traz riscos.
Em vez disso, Sheth espera encontrar tendências entre seus 12 voluntários e usá-las para desenvolver uma forma aprimorada de ECP que possa ajudar quem precisa. “Esperamos que haja algumas descobertas generalizáveis que possamos aprender disso tudo” diz ele.
Sheth e seus colegas analisaram gravações cerebrais de apenas três pessoas até agora, mas já estão identificando tendências. Nos três voluntários, foi observado que uma região do cérebro chamada córtex cingulado dispara de uma certa maneira quando eles estão de bom humor e mostra o padrão oposto de atividade quando os voluntários estão deprimidos, diz Sheth.
Riva Posse diz que os resultados são “muito encorajadores”. Estamos começando a entender que “existem sinais de depressão que parecem bastante consistentes de forma geral”, diz ele. “Isso vai avançar consideravelmente na compreensão da depressão e ajudar a criar… abordagens de neuroestimulação”.
Ainda assim, continua sendo muito cedo para dizer se essas descobertas abrangerão um grupo maior de pessoas. “São apenas três pacientes”, diz Darin Dougherty, psiquiatra do Mass General Research Institute, em Boston (EUA), especializado em neurocirurgia para depressão.
Dougherty acha que a pesquisa de Sheth é “essencial”. Ele acrescenta: “Espero que eles consigam dados suficientes de um pequeno grupo de pessoas para podermos deixar de [implantar vários eletrodos temporários]”. Ele prevê que a abordagem de Sheth pode identificar uma região do cérebro que valerá a pena focar na maioria das pessoas com depressão resistente ao tratamento, e que varreduras cerebrais não invasivas encontrarão o local exato para implantar o eletrodo.
Medindo o humor
Sheth e seus colegas também encontraram algumas diferenças entre os três voluntários, e o “decodificador de humor” da equipe conseguiu identificar como cada voluntário estava se sentindo com base na atividade cerebral deles.
Ele espera que, no futuro, as novas tecnologias permitam que ele e outros coletem essas informações de forma não invasiva, talvez usando um dispositivo que fique sobre a cabeça de uma pessoa. Tal dispositivo poderia ser usado para medir a gravidade dos sintomas dela, diz ele.
Hoje, uma pessoa com sintomas de depressão geralmente responde a uma série de perguntas para determinar a gravidade de sua condição. Ter algum tipo de medida objetiva, como leituras de uma ressonância magnética, é um objetivo essencial para a psiquiatria, diz Dougherty.
No entanto, isso também pode ser problemático. As varreduras cerebrais podem nunca ser sensíveis o suficiente para explicar as diferenças individuais nos cérebros das pessoas quando se trata de sintomas de depressão, e podem deixar passar sinais em algumas pessoas e superestimá-los em outras. Sheth também reconhece a possibilidade de que, devido a pesquisas como a dele, as varreduras do cérebro possam um dia ser usadas para diagnosticar a depressão em alguém que não está obviamente doente ou revelá-la em alguém que não quer que ela seja descoberta.
John, por exemplo, não quer que outras pessoas, principalmente empregadores em potencial, saibam que ele tem um histórico de depressão. “As pessoas não entendem a depressão e, infelizmente, a veem como uma fraqueza”, diz ele.
“Você não pode argumentar que… não devemos tentar ajudar todas essas milhões e milhões de pessoas com depressão… só porque existe a possibilidade de um uso indevido dessa tecnologia”, diz Sheth. “Temos que encontrar maneiras de ajudar essas pessoas. Depois o resto da sociedade pode nos ajudar a colocar barreiras sobre como ela deve ser usada”.
Os eletrodos de John ainda estão enviando impulsos de estimulação elétrica no fundo de seu cérebro. Ele carrega a bateria embutida em seu peito toda semana. “Pelo que sei, se a estimulação parar, volto à estaca zero”, diz ele. E embora o ECP possa não funcionar para todos na depressão, “salvou minha vida”, afirma.