Máquinas que curam: como a robótica está redefinindo a medicina além dos limites humanos
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Máquinas que curam: como a robótica está redefinindo a medicina além dos limites humanos

De cirurgias remotas a exoesqueletos avançados e a aplicação da Inteligência Artificial, os robôs estão prontos para mudar o setor.

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Desde 1920, quando Karel Capek abordou pela primeira vez o conceito de robôs trabalhando para os seres humanos em sua obra de ficção “R.U.R.” (Rossum’s Universal Robots), o imaginário de como essas máquinas poderiam ser utilizadas no mundo real extrapolou diversos conceitos, formas e aplicações. Mais de um século depois, a robótica é uma realidade em praticamente todos os setores da sociedade moderna. Mas na medicina, devido à alta confiabilidade exigida e riscos associados, ela avançou com maior cautela e talvez até mesmo com um pouco de morosidade, pelo receio do uso de tecnologias robóticas para a realização de procedimentos e interações com os seres humanos.

No pós-Segunda Guerra Mundial, o brilhante inventor americano George Devol criou o primeiro manipulador industrial programável utilizado em uma linha de produção industrial, o “Unimate”, e somente 20 anos depois, na década de 1970, foi iniciado o projeto do primeiro manipulador robótico para uso na medicina, o “PUMA 560”, utilizado pela primeira vez em um procedimento cirúrgico somente na década de 1980 para a realização de neurocirurgias precisas, como biópsias cerebrais. Ou seja, foi necessária uma evolução tecnológica de cerca de 30 anos para que o primeiro sistema robótico fosse implementado no setor.

Já imaginou passar por um procedimento cirúrgico no Brasil realizado por um cirurgião que está no Japão ou em qualquer parte do mundo?

Hoje, a realização de procedimentos cirúrgicos remotos já é uma realidade graças ao sistema robótico “Da Vinci Surgical System”. A principal motivação para seu desenvolvimento foi permitir que cirurgiões realizassem procedimentos cirúrgicos remotamente em soldados feridos, por causa disso o projeto foi financiado pelas Forças Armadas americanas. Entretanto, devido às restrições tecnológicas dos sistemas de comunicações disponíveis na década de 1990, o projeto se concentrou em entregar um sistema “Master/Slave” robusto, capaz de replicar nos manipuladores os movimentos do cirurgião com alta precisão, voltado principalmente para a realização de cirurgias laparoscópicas.

A primeira versão comercial do Da Vinci Surgical System foi lançada em 1999, causando verdadeira revolução no setor, com movimentos altamente precisos, feedback de força e permitindo que o procedimento seja muito menos invasivo quando comparado com um método convencional, tudo isso graças aos sistemas de câmeras e visualização 3D. Seu sistema de controle compensa certos desvios e “mãos tremulas”, permitindo que cirurgiões altamente experientes, porém com uma idade avançada, voltassem a realizar os procedimentos com o auxílio do sistema robótico, sendo uma extensão física do cérebro cirurgião.

Em 2001, o objetivo para o desenvolvimento do Da Vinci Surgical System foi alcançado. O cirurgião Jacques Marescaux com sua equipe, em Paris, realizou o procedimento de retirada de uma vesícula biliar de um paciente em Estrasburgo, a 6.200 quilômetros de distância. Foi um marco na história da medicina.

Desde então, o sistema robótico cirúrgico “Da Vinci”, que já está em sua quinta geração, vem sendo amplamente utilizado, inclusive nos principais hospitais do Brasil. Seu custo de aquisição e operação ainda é considerado elevado, mas desde sua criação outros sistemas robóticos cirúrgicos foram desenvolvidos e têm chegado no mercado, como o “ROSA”, “ExcelsiusGPS”, “Senhance” e o “Versius”. Os benefícios do uso dos robôs cirurgiões são diversos: reduzir riscos de infecções, realizar cortes menores e menos invasivos, possibilidade de recuperação mais rápida do paciente no pós-operatório e redução da permanência hospitalar.

Na imagem, o sistema robótico cirúrgico Da Vinci da Intuitive Surgical
Sistema robótico cirúrgico Da Vinci (Intuitive Surgical)

O que podemos esperar das próximas gerações de robôs cirurgiões?

Hoje, o mercado de cirurgias robóticas movimenta cerca de US$4,3 bilhões, com uma previsão de crescimento anual de 9,8% até 2030, o que tem atraído novos players, como a gigante Johnson & Johnson que, em breve, lançará seu sistema robótico cirúrgico “OTTAVA”.

O uso da Inteligência Artificial também vem se consolidando em diversos seguimentos, sendo estudado para ser incorporado nos sistemas robóticos cirúrgicos. O uso da IA pode ser classificado em duas categorias: autonomia robótica e avaliação/feedback cirúrgico. Os avanços em cada uma dessas categorias estão focados na criação de ambientes para a tomada de decisões cirúrgicas seguras baseadas em dados e no aprimoramento da educação cirúrgica visando a capacitação de novos cirurgiões para a utilização das ferramentas.

Robôs 100% autônomos realizando cirurgias ainda é uma realidade distante de ser alcançada, principalmente por questões éticas, mas em breve podemos ter certas rotinas dos procedimentos sendo auxiliadas por IA e realidade aumentada.

Cirurgia invisível para o combate ao câncer

A radiocirurgia estereotáxica teve seu desenvolvimento iniciado entre as décadas de 1940 e 1950, mas foi a partir da década de 1980, com a consolidação dos manipuladores robóticos industriais e com o desenvolvimento do “Da Vinci”, que se deu início o desenvolvimento do “CyberKnife”. Esse sistema robótico consiste em um manipulador contendo uma fonte de raio-x ou de fótons extremamente precisa e altamente focalizada, minimizando os efeitos colaterais em células normais do paciente. O “CyberKnife” realiza procedimentos não invasivos, com efeito terapêutico controlado para o tratamento de tumores não operáveis ou que representam um grande risco para a recuperação do paciente.

Na imagem, o sistema robótico de radiocirurgia CyberKnife da Accuray
Sistema robótico de radiocirurgia CyberKnife (Accuray)

Outro ponto interessante desta tecnologia é que ela possui um sistema de rastreamento do tumor no paciente. Uma vez que o tumor foi mapeado por meio de uma tomografia, o paciente pode se mover no equipamento que o manipulador robótico irá corrigir precisamente a posição onde o feixe de raio-x ou fótons deverá ser entregue, isso graças a um complexo algoritmo de posicionamento das juntas com uso de Inteligência Artificial.

Um filhote de foca robótico na luta contra a demência

Você não leu errado, é isso mesmo: um filhote de foca robótico foi desenvolvido para ajudar pacientes idosos na luta contra a demência. Desenvolvido por Takanori Shibata, como uma resposta às crescentes necessidades de cuidados para idosos e pacientes com demência, o robô “PARO” simula aparência, sons e movimentos de um filhote de foca. A motivação por trás da criação do “PARO” foi proporcionar uma fonte de interação social e emocionalmente positiva para os pacientes, usando tecnologia robótica avançada. O objetivo era criar um robô que pudesse proporcionar conforto, alegria e estímulo sensorial aos pacientes.

O sistema robótico “PARO” possui sensores táteis, microfones, sensores de luz, acelerômetros e giroscópios, além de um software de controle adaptativo que utiliza IA para interagir com os pacientes de forma semelhante a um animal de estimação real. Seus benefícios foram cientificamente comprovados após uma série de estudos, cujos principais resultados foram alívio do estresse e da ansiedade, estimulação sensorial, melhoria do humor, promoção da socialização e comunicação, e a redução do comportamento de agitação.

Na imagem, o sistema robótico terapêutico PARO da ParoRobots, no formato de uma foca de pelúcia
Sistema robótico terapêutico PARO (ParoRobots)

Como os exoesqueletos robóticos estão mudando a qualidade de vida de pacientes com lesões neurológicas graves

Os exoesqueletos podem ser dispositivos passivos puramente mecânicos, capazes de sustentar o corpo humano reduzindo impactos e carregamentos, ou ativos sendo sistemas robóticos complexos, desenvolvidos para aumentar a força muscular e de sustentação, também possuem autonomia para realizar movimentos nos membros superiores e inferiores.

O mercado global de exoesqueletos é estimado, em 2023, em aproximadamente US$420 milhões e tem previsão de crescimento anual de cerca de 17% até 2030. Metade desse mercado trata-se de exoesqueletos robóticos voltados para o setor médico, principalmente aqueles dedicados à reabilitação de pacientes com graves lesões neurológicas.

Na imagem, o exoesqueleto robótico ReWalk da LifeWard
Exoesqueleto robótico ReWalk (LifeWard)

Os exoesqueletos robóticos para reabilitação representam uma importante inovação no campo da medicina e da tecnologia assistiva. O “ReWalk”, desenvolvido pela LifeWard, foi o primeiro a receber aprovação pela FDA (Food and Drug Administration). Assim como o “EksoGT”, desenvolvido pela Ekso Bionics, o “HAL”, desenvolvido pela Cyberdyne, e o “Indego”, desenvolvido pela Parker Hannifin, são pioneiros na tecnologia, oferecendo uma solução de mobilidade para pacientes com paraplegia, proporcionando suporte de peso e assistência nos movimentos das pernas devido a várias condições neurológicas. Ambos os dispositivos têm o potencial de melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes, e são utilizados no processo fisioterapêutico de reabilitação, permitindo-lhes até mesmo caminhar novamente e recuperar a independência, realizando verdadeiros milagres tecnológicos imaginados décadas atrás somente em obras de ficções cientificas.

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O que esperar dos avanços tecnológicos em sistemas robóticos no setor médico?

No filme Elysium (2013), o uso da robótica no setor médico é amplamente explorado, super exoesqueletos e a “capsula de cura” estão no cerne da trama. Mas será que em breve irão existir avanços tecnológicos como esses, capazes de se aproximar da obra fictícia?

Recentemente, a NVIDIA lançou o superchip “Blackwell B200”, que promete impulsionar o avanço da Inteligência Artificial focado no desenvolvimento de novas tecnologias e um ecossistema de sistemas robóticos que podem ser direcionados para a robótica médica.

Sem entrar no campo da ficção ou em previsões miraculosas para o futuro, o que se pode afirmar é que o avanço da IA terá um grande impacto na otimização, design controle e modelagem de nano robôs e outros sistemas robóticos médicos, permitindo simulações computacionais avançadas para prever o comportamento em diferentes condições e ambientes.

A IA também pode ser usada para otimizar procedimentos cirúrgicos, ajudando os cirurgiões no planejamento e na execução de procedimentos de forma mais eficiente e precisa, otimizando as trajetórias de robôs, pontos de referência anatômicos e realizando análise em tempo real durante a cirurgia. Isso permite uma melhoria contínua no processo, desempenho e na segurança dos sistemas robóticos. O avanço de tecnologias como a da Neuralink levará os exoesqueletos e próteses robóticas para um outro nível, conectando sistemas robóticos complexos diretamente ao cérebro humano. E assim, cada vez mais, os desenvolvimentos tecnológicos modernos se aproximam dos dispositivos imaginados nas obras de ficção.

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