Game dos clones: os novos lobos da empresa de biotecnologia Colossal são fofos, mas seriam eles terríveis?
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Game dos clones: os novos lobos da empresa de biotecnologia Colossal são fofos, mas seriam eles terríveis?

Companhia afirma ter revivido espécie extinta há treze mil anos, mas cientistas fora da empresa estão céticos.

Em algum lugar do norte dos EUA, drones sobrevoam uma reserva de 800 hectares, protegida por uma cerca de quase três metros construída com padrões de zoológico. Visitantes curiosos, especialmente fãs de fantasias épicas ou criaturas míticas, não são bem-vindos.

O motivo de tanta segurança? Dentro da reserva vagam três lobos brancos impressionantes que, segundo a startup Colossal Biosciences, pertencem a uma espécie extinta há 13 mil anos, agora renascida por meio da biotecnologia.

Há anos a empresa, sediada no Texas, está nas manchetes com planos de recriar mamutes lanosos. Agora, faz uma afirmação ainda mais ousada: teria “desextinto” o lobo terrível.

Isso pode explicar as cercas altas e o local secreto uma forma de evitar críticos da comunidade científica, alguns dos quais já acusam a empresa de ser uma “farsa” promovendo “fantasias elefânticas” e puro “sensacionalismo”.

Lobos-terríveis eram grandes canídeos de mandíbulas poderosas. Mais de 400 crânios foram recuperados nos poços de piche de La Brea, na Califórnia. Foram eventualmente substituídos por parentes menores, como o lobo-cinzento.

A Colossal afirma ter extraído informações genéticas de ossos de lobos terríveis e inserido elementos desse DNA em células de lobos-cinzentos, usando edição genética. Depois, utilizou clonagem para transformar essas células em três animais reais.

Os animais incluem dois machos, Romulus e Remus, nascidos em outubro, e uma fêmea, Khaleesi, referência à série Game of Thrones, em que lobos-terríveis aparecem como companheiros mágicos dos personagens.

Segundo a empresa, cada animal possui 20 modificações genéticas em 14 genes, projetadas para aumentá-los, alterar suas feições e torná-los brancos como a neve.

Alguns cientistas rejeitam a alegação de que esses animais sejam um renascimento da espécie extinta, já que lobos-terríveis e cinzentos são espécies separadas por milhões de anos de evolução e milhões de letras de DNA.

“Eu diria que esse animal não é um lobo terrível, e não é correto afirmar que lobos-terríveis voltaram da extinção. É um lobo-cinzento modificado”, diz Anders Bergström, professor da Universidade de East Anglia. “Vinte alterações não são suficientes. Mas talvez resultem em um lobo-cinzento com aparência estranha.”

Beth Shapiro, especialista em DNA antigo e atual diretora científica da Colossal (em licença da Universidade da Califórnia, Santa Cruz), reconhece que a afirmação causa desconforto.

“Vamos ter aqui um debate filosófico sobre se devemos chamar isso de lobo-terrível ou não”, diz Shapiro. Ao ser questionada diretamente se o animal é um lobo-terrível, hesita, mas confirma.

“É um lobo-terrível”, diz. “Sinto que, ao dizer isso, todos os meus amigos taxonomistas vão me cancelar. Mas não é um lobo-cinzento. Não parece com um lobo-cinzento.”

Terrível ou não, os novos lobos demonstram como a ciência está se tornando mais habilidosa no controle do genoma animal, algo com um potencial impacto na conservação. Como parte do projeto, a Colossal também clonou vários lobos-vermelhos, espécie mais ameaçada dos EUA.

Mas nada disso é tão dramático quanto o suposto renascimento de um animal extinto com grande apelo cultural. “A motivação real é desenvolver ferramentas para impedir que espécies entrem em extinção. Precisamos de DNA antigo para isso? Talvez não”, diz Shapiro. “Mas isso atrai mais atenção e pode entusiasmar as pessoas com o uso da biotecnologia para a conservação.”

Projeto secreto

A Colossal foi fundada em 2021 por Ben Lamm, empresário de software que conheceu George Church, geneticista de Harvard, e seu projeto teórico de recriar mamutes. A ideia é soltá-los em regiões frias, como a Sibéria, para restaurar o equilíbrio ecológico e manter gases do efeito estufa presos no permafrost.

Lamm conseguiu levantar mais de US$ 400 milhões em investimentos e a Forbes avalia a Colossal em US$ 10 bilhões, tornando-o multibilionário no papel.

Com o sucesso na captação, a empresa expandiu seus objetivos para além dos elefantes. Anunciou projetos para recriar o tilacino (lobo-da-tasmânia) e o dodô, esforço que atraiu Shapiro à companhia.

Nenhum desses projetos resultou, até agora, em um animal vivo com genes antigos.

Com os elefantes, o problema é a gestação: dois anos. Com o dodô, ninguém ainda conseguiu modificar geneticamente pombos (parentes próximos). Já o peixe-boi-de-Steller, extinto por volta de 1770, não tem substituto reprodutivo óbvio.

Recriar um lobo, no entanto, era viável. Mais de 1.500 cães já haviam sido clonados, sobretudo por uma empresa da Coreia do Sul. Cientistas asiáticos também já haviam usado óvulos e mães caninas para clonar coiotes e lobos.

“Pensar em uma mãe de aluguel para o lobo terrível… foi como ‘Ah, claro’”, recorda Shapiro.

Mas havia desafios. Faltava uma sequência genômica precisa do lobo-terrível. Um estudo de 2021 rendeu apenas fragmentos. Sem um mapa genético completo, não haveria como determinar quais genes modificar.

Shapiro voltou a museus, como o de História Natural de Idaho, e conseguiu amostras de crânios com 72 mil e 13 mil anos. Ela mesma perfurou um dos dentes para extrair o material.

Dessa vez, o DNA foi mais abundante, permitindo montar um genoma quase completo. Um artigo com a sequência está sendo submetido para publicação. Entre os autores está George R. R. Martin, criador de Game of Thrones.

O novo estudo posiciona melhor os lobos terríveis na árvore genealógica dos canídeos, ligeiramente mais próximos dos lobos-cinzentos do que dos chacais, e estima a separação entre as espécies em 4 a 5 milhões de anos. Foram localizados cerca de 80 genes com diferenças significativas, uma lista inicial para transformações genéticas.

Uivo do lobo

A Colossal então usou edição por base, que é uma técnica mais refinada do que a Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas Regularmente Espaçadas (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, em inglês), para alterar pequenas partes do DNA de células de um lobo-cinzento, esperando que cada modificação os aproximasse um pouco mais do lobo-terrível.

As mudanças foram feitas em potenciadores genéticos, trechos que regulam a intensidade da expressão de certos genes, afetando tamanho corporal e formato da cabeça. Isso é mais seguro do que alterar diretamente os genes codificadores.

Mas havia ainda um impecilho: a pelagem branca. O genoma sugeria que lobos terríveis poderiam ter pelagem clara, mas os genes envolvidos também estão associados a albinismo, surdez e cegueira.

A Colossal optou por um atalho: desativou dois genes que, em outras espécies, resultam em pelagem clara.

O resultado foram fotos dramáticas. “É o que mais chama atenção neles”, diz a paleontóloga Mairin Balisi. Mas ela duvida que os lobos terríveis fossem brancos. “Na região de Los Angeles, onde eles eram comuns, não havia neve nem na Era do Gelo. Mamíferos de lá não são brancos. Fico confusa com essa afirmação de que os lobos-terríveis voltaram.”

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Bergström também é cético. “Duvido que 20 mudanças bastem para transformar um lobo-cinzento em lobo terrível. Provavelmente seriam necessárias centenas ou milhares de alterações. Ninguém sabe ao certo”, afirma. “É uma das grandes questões da biologia: até que ponto pequenas diferenças acumuladas definem uma espécie?”

Alguns genes produzem efeitos visíveis, uma única alteração pode gerar um cão sem pelos. Mas diferenças entre um dogue alemão e um chihuahua podem envolver centenas de pequenos ajustes. E isso é apenas aparência. O comportamento, diz Bergström, é ainda mais misterioso: “Mesmo com um genoma completo, não sabemos como um animal extinto se comportava.”

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