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Ao ganhar seu primeiro computador, em torno dos 10 anos de idade, Izaias Pertrelly desmontou o equipamento para entender seu funcionamento interno — um gesto que, apesar de ter preocupado seus pais à época, revelava uma paixão precoce pela tecnologia. Décadas depois, essa curiosidade permitiu que ele se tornasse fundador e CEO da Blue Company, uma healthtech criada com o intuito de redefinir o conceito de plano de saúde no país.
Fundada em Salvador (BA), em 2021, com uma carteira inicial de apenas 3 mil vidas, a Blue hoje ultrapassa o número de 80 mil beneficiários, oferecendo cobertura nacional e acesso a hospitais de referência. O próximo passo é conseguir a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o uso do “Blue 360”, um produto que vai permitir o monitoramento fulltime dos pacientes por meio de sensores adesivos e dispositivos vestíveis.
Em entrevista à MIT Technology Review Brasil, Pertrelly reflete sobre os pilares que impulsionaram o crescimento exponencial da empresa. “Começamos construindo soluções tecnológicas. Em uma operadora tradicional, há muitos andares de análises de documentação. Na Blue, usamos OCR [Reconhecimento Óptico de Caracteres], Inteligência Artificial (IA) e só. É altamente escalável”, afirma.
Além disso, a tecnologia fundamenta o cuidado personalizado, aproximando o beneficiário da empresa e permitindo uma abordagem assistencial mais assertiva, focada na prevenção. “É um planejamento de saúde. Não queremos ser acionados apenas quando a pessoa precisa de um tratamento”, frisa.
A missão de se tornar “um plano de saúde” e não um “plano de doença”, que é um mantra da Blue, é fruto de uma experiência pessoal do CEO. Formado em Publicidade e Propaganda, Izaias voltou sua atenção para a saúde depois que a mãe teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e recebeu um tratamento hospitalar inadequado.
“Infelizmente, o plano de saúde não deu a cobertura. Ela ficou no corredor do hospital sem atendimento, e isso mexeu muito comigo. A partir de então, eu comecei a estudar tudo sobre saúde suplementar, todo o rol de procedimentos, todas as resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), para entender como funcionava tudo.”
No contexto da pandemia da Covid-19, momento em que a digitalização da saúde ganhou fôlego no Brasil, nasceu a Blue. Izaias se uniu ao sócio, Lourival Araújo, que já atuava no segmento de dispositivos médicos, e os dois fundaram a operadora. Certificada pela ANS em fevereiro de 2022, a expectativa da empresa é de um faturamento de R$ 400 milhões em 2024.
MIT Technology Review Brasil: A Blue Company iniciou suas operações durante a pandemia de Covid-19. Foi uma decisão estratégica, considerando o contexto de emergência em saúde e a necessidade de um DNA tecnológico?
Izaias Pertrelly: Na verdade, a gente começou a idealizar a Blue a partir de uma visão tecnológica, porque eu sempre fui apaixonado por tecnologia. Para mim, o principal problema dos planos de saúde convencionais é que eles são muito analógicos, não conseguem aplicar tecnologia suficiente para gerir o próprio processo. A Blue já nasce com um olhar diferente para isso. Começamos construindo soluções tecnológicas. Todo o parque tecnológico da operadora é próprio. Se você analisar uma empresa tão nova, que não teve nenhum fundo de investimento colocando dinheiro no início, e entender que ela construiu a própria tecnologia, é algo fantástico. Comparando com um plano PME [voltado para empresas de pequeno e médio porte] de mercado, uma das operadoras que está entre as maiores do Brasil leva entre 15 e 20 dias para implantar uma proposta empresarial. Na Blue, esse cliente está ativo em três ou quatro horas. Em uma operadora tradicional, há muitos andares de análises de documentação. Na Blue, usamos OCR [Reconhecimento Óptico de Caracteres], IA e só. É altamente escalável. Não importa se eu tenho mil, dois mil ou 50 mil documentos para analisar. O nosso surgimento foi assim. Nós olhamos para o que o mercado oferecia e entendemos a dor que precisava ser melhorada.
MIT TR BR: A Blue Company apresentou um crescimento exponencial em pouco tempo. Esse sucesso pode ser atribuído apenas à tecnologia?
Izaias Pertrelly: Nós começamos pequenos, em Salvador. Nos primeiros seis meses, tínhamos três mil clientes. Fechamos o ano de 2023 com quase 40 mil vidas e estamos chegando a 100 mil. É um crescimento absurdo. Isso acontece, na minha percepção, por conta da velocidade na aplicação de tecnologia nos nossos processos e na agilidade oferecida para o cliente. Mas, além disso, também por conta da personalização. O sucesso vem muito do “boca a boca”. Se um plano de saúde é ruim, as pessoas falam. Na cultura da Blue, nossos clientes são únicos, então eles precisam de um atendimento personalizado, diferente do que o mercado oferece. O que os planos de saúde tradicionais fazem hoje? Eles colocam os pacientes em uma única esteira e tratam todos da mesma forma. Claro, se nós fizéssemos essa personalização apenas com humanos, também teríamos gargalos, então, temos um time de enfermagem muito grande que personaliza o atendimento, mas também contamos com IA. A ferramenta sabe o histórico de consulta, do exame, como é o comportamento do paciente… É um grande desafio, mas só de ver a satisfação do cliente, isso para nós tem um valor muito grande. É o que nos move. O paciente é a principal peça e nós estamos ao redor, construindo o ecossistema dele. A nossa ideia é que, no aplicativo da Blue, o paciente possa ter acesso à sua jornada de saúde da vida inteira, o histórico de tudo que já fez de exames, de consultas, procedimentos. O nosso grande desafio nesse sentido é conseguir que as grandes redes hospitalares abram essas informações para o seu verdadeiro dono, que é o usuário.
MIT TR BR: Nesse cenário, novas tecnologias como os wearables podem contribuir muito também. Vocês utilizam essas ferramentas?
Izaias Pertrelly: Nós temos uma cabine que representa um avanço na telemedicina, totalmente autônoma para consultas e exames. Temos ainda um produto chamado Blue 360, que apenas algumas pessoas têm acesso, mas ainda não é comercializado, porque a regulamentação não permite. Estamos criando um estudo para apresentar à agência [Anvisa] e buscar a liberação. O Blue 360 permite o monitoramento fulltime por meio de adesivos com sensores de glicemia e smartwatches aprovados pela FDA [agência reguladora norte-americana], capazes de medir pressão arterial e batimentos cardíacos em tempo real.
Minha mãe sofreu um AVC devido a picos de pressão arterial que não apresentavam sintomas. Na época, o problema só era identificado depois das sequelas. Hoje, quando detectamos um aumento na pressão, uma enfermeira entra em contato com o paciente e pergunta se ele tomou a medicação. O mesmo acontece com variações nos níveis de glicemia. A enfermeira entra em contato e pergunta sobre a ingestão de alimentos com muito açúcar, por exemplo. Esse tipo de proximidade, de cobrança, é tudo o que a gente precisa e não tem. Nós entendemos nosso papel enquanto plano de saúde. Costumamos dizer que somos o primeiro “plano de saúde” do país, porque o que existe hoje são “planos de doença”. A própria regulamentação determina isso quando diz que o plano de saúde é mutualista. Isso se aplica para seguro, quando você compra algo para usar só quando precisar, não para planejar o cuidado em saúde. Nosso objetivo é transformar essa lógica.
MIT TR BR: A cabine de telessaúde autônoma já está operando? Como funciona?
Izaias Pertrelly: É uma cabine totalmente autônoma, capaz de realizar consultas e exames sem a necessidade de uma pessoa presente para acompanhar. Atualmente, ela está em operação no Estádio Cícero Pompeu de Toledo, conhecido como Estádio do Morumbi (SP), disponível para colaboradores da Blue e jogadores do São Paulo Futebol Clube, já que somos patrocinadores do time, mas sua inauguração oficial ainda vai acontecer. Temos um orientador no local para auxiliar com o uso do equipamento, já que é algo novo para as pessoas. Ainda assim, o paciente nunca está totalmente sozinho, porque o médico participa da consulta de forma online.
O conceito é simples: o cliente chega ao local, verifica os horários disponíveis, agenda a consulta, destrava a porta da cabine, entra e realiza os exames necessários. A cabine é capaz de executar 18 tipos de exames, incluindo oximetria, audiometria e exames dermatológicos. É um passo a mais na telemedicina, porque a cabine consegue te entregar exames, e o médico, mesmo de maneira remota, consegue fazer uma avaliação mais profunda. Na telemedicina, quando o médico não consegue resolver, o que ele faz? Te manda para o pronto-socorro. Acreditamos que a cabine é uma evolução das clínicas e consegue oferecer serviços hospitalares mais simples. Tem tudo para ser um grande sucesso.
MIT TR BR: Como vocês se veem posicionados no mercado nos próximos cinco a 10 anos?
Izaias Pertrelly: Acreditamos que no próximo ano atingiremos 400 mil vidas, o que já nos colocará entre os dez maiores planos de saúde em termos de número de beneficiários. Esse crescimento vai estar atrelado à expansão das nossas vendas para empresas maiores; hoje, já estamos negociando com empresas que têm 10 mil a 15 mil funcionários. Além disso, nos próximos quatro anos, teremos uma mudança grande no perfil dos consumidores. O público mais jovem, que hoje ainda não consome planos de saúde de forma significativa, vai passar a ser pagante. Ao mesmo tempo, o comportamento das pessoas mais velhas vai mudar, porque elas estão se adaptando às novas tecnologias. Também acreditamos em uma forte transformação digital, com foco em IA e robótica. A China já possui um hospital 100% autônomo, operado por robôs e IA, que atende cerca de três mil pessoas por dia. É uma mudança disruptiva e inevitável. Nós estamos olhando para o futuro, para a tecnologia, e colocando isso em prática no nosso dia a dia. E essa abordagem tem sido reconhecida pelos clientes, que percebem a eficiência de uma empresa tecnológica.