O futuro que a automação nos reserva
Humanos e tecnologia

O futuro que a automação nos reserva

Impulsionadas pela convergência de tecnologias, inovações vão redefinir nossas vidas individual e coletivamente

Como você se vê daqui a dez anos?

Tradicionalmente, essa pergunta costuma provocar reflexões sobre carreira, família ou ambições pessoais. Mas, a cada dia, caminhamos mais rápido em direção a um mundo diferente do tradicional – o que nos forçará a reimaginar nossas vidas por completo.

Um dos grandes propulsores dessas mudanças é a automação. Os carros sem motorista, que já vemos circulando em cidades mundo afora, integram uma camada mais visível desse avanço. Nos bastidores, robôs e sistemas inteligentes já permitem montar automóveis em segundos – 76, para ser mais exato, no caso de uma fábrica da Xiaomi.

Os robôs humanoides são outro aspecto, e talvez um dos mais intrigantes. Mais do que realizar processos manuais e repetitivos, como já vemos nas indústrias, essas versões se propõem a interagir com humanos e assumir tarefas mais complexas e subjetivas. O Tesla Optimus, por exemplo, foi apresentado pela Tesla como um potencial assistente em tarefas domésticas ou educacionais. Já o Atlas, da Boston Dynamics, foi projetado para atuar em situações de risco, como desastres.

As expectativas para a disseminação desse tipo de máquina são altas. Em um relatório publicado no ano passado, o Goldman Sachs estimou que o mercado total endereçável para robôs humanoides pode atingir US$ 38 bilhões até 2035, com 1,4 milhão de unidades vendidas. O valor é seis vezes maior do que a instituição havia projetado em 2022, quando calculou que a soma seria de US$ 6 bilhões ou mais dentro de 10 ou 15 anos.

Apesar do aparente otimismo do mercado, talvez você se pergunte quão realista é a perspectiva de vermos robôs nas ruas e em nossas casas em um futuro próximo. Afinal, há décadas os vemos em filmes de ficção científica e algumas tentativas de emplacá-los no mundo real falharam. Um caso emblemático é o robô Pepper, lançado pelo Softbank, em 2014, com a promessa de “ler os sentimentos humanos” e atuar em ambientes como escolas, lojas e hospitais. Em 2021, após produzir apenas 27 mil unidades, o conglomerado japonês encerrou a produção devido à baixa demanda.

Alguns fatores colaboram para que as incursões recentes (e futuras) nessa área sejam mais promissoras do que as anteriores. O Goldman Sachs elenca alguns deles ao justificar a elevação das suas projeções de mercado: avanços da Inteligência Artificial, maior disponibilidade de componentes e investimentos crescentes por empresas e governos no setor. O modo como diferentes tecnologias se combinam e evoluem juntas, como veremos a seguir, também impulsiona essa e outras inovações.

Fusão de mecanismos

Dois conceitos são importantes para entender esse fenômeno: a confluência e a convergência de tecnologias. A primeira ocorre quando diferentes recursos coexistem e interagem, como um celular que combina câmera, GPS e internet. Já a segunda vai além, fundindo tecnologias para criar algo novo, como assistentes virtuais que usam Inteligência Artificial, processamento de voz e aprendizado de máquina para oferecer respostas personalizadas.

Outro exemplo amplamente popular da convergência é o ChatGPT. Suas engrenagens, compostas por redes neurais, processamento por GPUs (Unidades de Processamento Gráfico) e Large Language Models (Modelos de Linguagem de Grande Escala, em português), são capazes de analisar grandes volumes de dados, compreender padrões complexos e aprimorar suas respostas continuamente. No âmbito dos robôs, esse tipo de combinação permite não só desenvolver modelos mais versáteis e eficientes, mas também aprimorar o seu processo de aprendizado.

A Nvidia, por exemplo, desenvolveu um ambiente virtual que simula situações do mundo real para o treinamento de máquinas. Em experimentos próprios, a empresa conseguiu que uma delas aprendesse, em 32 horas, o equivalente a 42 anos de experiência “de vida”. “O cérebro da rede neural aprendeu inteiramente em simulação antes de ser transplantado para controlar um robô no mundo real”, detalha o site da companhia, que hoje fornece esse tipo de recurso para outros players, como a Boston Dymanics.

As empresas de tecnologia, vale ressaltar, não são as únicas atentas a esse tema. Em uma pesquisa conduzida pela Capgemini com 2,5 mil executivos de 17 países e nove diferentes setores, do varejo às telecomunicações, 63% dos entrevistados concordaram que a maioria dos benefícios obtidos com tecnologias virá da sua convergência. Três quartos deles (76%) dizem que esse é um investimento prioritário para suas companhias em 2025.

Segundo estimativas feitas pela ARK Investment em um relatório publicado no ano passado, a convergência de tecnologias disruptivas, como IA e robótica, tem o potencial de acelerar o crescimento do PIB real global de uma média de 3%, nos últimos 125 anos, para mais de 7% nos próximos sete anos.

Além da disponibilidade – e combinação – de tecnologias avançadas, outros fatores são determinantes para que os sistemas autônomos – em especial os robôs – extrapolem as plantas industriais e ganhem espaço nas ruas e nos lares. A redução dos custos de produção é um deles. Em um relatório sobre esse mercado, o Morgan Stanley estima que, hoje, construir um robô humanoide pode custar entre US$ 10 mil e US$ 300 mil, dependendo das suas configurações e aplicações. A instituição acredita, porém, que o ganho de eficiência e escala dessa cadeia tende a reduzir significativamente os custos nos próximos anos.

Outro aspecto é a necessidade de tornar os espaços públicos e privados “robot-friendly”. Será preciso pensar em infraestruturas que as comportem e confiram autonomia, além de garantir a conectividade necessária. Com a popularização dos veículos autônomos, uma parcela desses problemas já precisará ser endereçada. Nesse aspecto, inclusive, o Morgan Stanley aponta que os robôs têm uma vantagem: a possibilidade de serem treinados em ambientes virtuais ou controlados, em vez dos espaços públicos.

Essa série de avanços, porém, tem um preço que não é apenas monetário. Como destaca um artigo da UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), os centros que abrigam servidores de IA são grandes consumidores de recursos, como água e energia. Também produzem grandes quantidades de resíduos eletrônicos e dependem de minerais raros, muitas vezes extraídos de forma prejudicial ao meio ambiente. A entidade destaca que ainda são necessárias políticas e ações mais contundentes para enfrentar esse problema.

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O futuro que vamos projetar

Além das complexidades envolvidas no desenvolvimento dessas tecnologias, há, ainda, desafios de adaptação social, governamental e econômica a esse novo cenário. Em um artigo publicado no site do Fórum Econômico Mundial, Maria J. Alonso, líder do portfólio de sistemas autônomos da organização, elenca três pontos-chave para a construção do que ela chama de “futuro autônomo responsável”: mecanismos de controle e segurança, qualificação da força de trabalho e implantações estratégicas.

O primeiro ponto se refere à gestão dos riscos associados à adoção de dispositivos autônomos. Por seu potencial de causar danos físicos, eles trazem desafios éticos e de governança adicionais aos já observados na Inteligência Artificial. Robôs hospitalares, por exemplo, podem falhar durante um procedimento crítico. Os robôs sociais, como são chamados os modelos mais voltados às interações, podem reproduzir vieses, reforçando a discriminação contra minorias. Há, ainda, as implicações do desenvolvimento de armas autônomas, capazes de escalar conflitos e potenciais de destruição.

Na esfera econômica, será preciso lidar com os impactos da substituição e transformação dos empregos. Baseado em uma metodologia que avalia as características de postos de trabalho nos EUA, como a presença de atividades repetitivas ou perigosas e os custos salariais envolvidos, o Morgan Stanley estima que os robôs humanoides têm potencial de assumir cerca de 8 milhões de postos de trabalho no país até 2040.

Os setores mais expostos a essa mudança, segundo a análise, são transporte e armazenamento, agricultura e mineração, construção, manufatura e saúde. Na avaliação de Alonso, um dos caminhos para minimizar os impactos é o desenvolvimento de programas de capacitação e requalificação, visando preparar a força de trabalho para novas funções. Ela cita, como exemplo, os motoristas de caminhão, que podem assumir funções de supervisão ou manutenção de frotas autônomas.

No campo acadêmico, Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, autores de obras como “A Segunda Era das Máquinas” e “Machine, Platform, Crowd: Harnessing Our Digital Future” (“Máquina, Plataforma, Multidão: Potencializando Nosso Futuro Digital”, em tradução livre), propõem discussões semelhantes. Na visão deles, o avanço tecnológico tem o potencial de gerar prosperidade econômica, mas, se não for acompanhado por políticas adequadas, pode levar ao que chamam de “grande desacoplamento”: enquanto a produtividade e os lucros crescem, o emprego e os salários médios ficam estagnados ou recuam.

Em 2013, McAfee já demonstrava inquietação com o futuro do trabalho diante dos avanços tecnológicos previstos para as décadas seguintes. “Quando todas essas tecnologias de ficção científica forem implantadas, para que precisaremos de todas as pessoas?”, disse, em uma entrevista ao MIT Technology Review. Longe de serem contrários às inovações, ele e Brynjolfsson defendem que a tecnologia é uma ferramenta neutra: seus efeitos dependem, sobretudo, das decisões humanas que a moldam.

Nas esferas pública e coletiva, o caminho para conduzir essas mudanças passa pela união — ou melhor, a convergência – de forças no desenvolvimento e na implantação dessas máquinas, buscando sinergia entre setor privado, poder público e academia. Em um documento elaborado em parceria com a Accenture, o Fórum Econômico Mundial sugere, por exemplo, a oferta de subsídios ou incentivos fiscais para empresas que adotem práticas responsáveis ou desenvolvam iniciativas que busquem usar a inteligência artificial para complementar, em vez de substituir, a mão de obra humana.

Já no âmbito individual, o impacto desses avanços também dependerá de algumas escolhas. Haverá quem decida não ter um robô dedicado às tarefas domésticas, mesmo tendo condições financeiras para tal. E haverá aqueles que abraçarão essa e outras inovações tão logo estiverem disponíveis — os famosos early adopters. Se imaginar a convivência com essas máquinas soa utópico, basta pensar que inovações, como assistentes virtuais e videochamadas, também já foram elementos de sci-fi.

Hoje, talvez, a questão central já não seja se vamos conviver com robôs, mas como – e por quem – essa convivência será moldada. Apesar dos desafios iminentes, há motivos para ser otimista. No livro “Abundância: O Futuro é Melhor do que Você Imagina”, Peter H. Diamandis e Steven Kotler discutem que tecnologias exponenciais, como a IA e a automação, são ferramentas que podem democratizar o acesso a recursos essenciais e ampliar as possibilidades humanas. Eles reconhecem os riscos da transição, mas apostam que, com educação e políticas inclusivas, a automação será um pilar de um futuro de prosperidade compartilhada. Como resumiu Diamandis em um TED Talk, “abundância não é sobre criar uma vida de luxo para todos neste planeta. É sobre criar uma vida de possibilidades.”

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