Há muito tempo, a humanidade tem procurado transformar a madeira em algo mais previsível. As serrarias fabricam madeira serrada a partir de árvores selecionadas pela consistência. Em seguida, a madeira é serrada em tamanhos padrão e seca em estufas para evitar torções, curvaturas ou rachaduras. Gerações de artesãos empregaram técnicas sofisticadas — como marcenaria em cauda de andorinha, extremidades de tábuas de pão e assoalho de bolso – para evitar que a madeira se distorça em suas peças acabadas.
Mas a madeira é inerentemente imprecisa. Seu grão se inverte e gira. O trauma e a doença se manifestam em cicatrizes e nós.
Em vez de considerar essas tendências naturais como vulnerabilidades, Achim Menges, arquiteto e professor da Universidade de Stuttgart, na Alemanha, as vê como os maiores ativos da madeira.
No Instituto de Design Computacional e Construção, Menges e sua equipe estão descobrindo novas maneiras de construir com o material usando o design computacional — que se baseia em algoritmos e dados para simular e prever como a madeira se comportará em uma estrutura, muito antes de ser construída. Ele espera que esse trabalho permita aos arquitetos criarem edifícios de madeira mais sustentáveis e econômicos, reduzindo a quantidade de madeira necessária.
O trabalho recente de Menges concentrou-se na criação de estruturas de madeira “autoformadas”, como a HygroShell, que estreou na Bienal de Arquitetura de Chicago em 2023.
Construído a partir de painéis pré-fabricados de um material de construção comum conhecido como madeira laminada cruzada, o HygroShell se transformou em um período de cinco dias, desdobrando-se em uma série de folhas entrelaçadas revestidas com telhas semelhantes a escamas de madeira, que se estendiam para cobrir a estrutura à medida que ela se expandia. Sua forma final, projetada como uma prova de conceito, é um dossel delicadamente arqueado que se eleva a quase 10 metros, mas tem apenas uma polegada de espessura. Em um vídeo com lapso de tempo, a estrutura em evolução se assemelha a um pássaro esticando suas asas.
O nome HygroShell vem da higroscopicidade, uma propriedade da madeira que a faz absorver ou perder líquidos com as mudanças de umidade. À medida que o material seca, ele se contrai e tende a se torcer e curvar. Tradicionalmente, os fabricantes de madeira procuram minimizar esses movimentos. Entretanto, por meio do design computacional, a equipe de Menges pode prever as mudanças e estruturar o material para orientá-lo para a forma desejada.
O resultado é um processo previsível e repetível, que cria curvas mais fechadas com menos material do que o que pode ser obtido por meio de técnicas de construção tradicionais. As estruturas curvas existentes feitas de madeira laminada cruzada (também conhecida como madeira maciça) são limitadas a aplicações personalizadas e têm preços elevados, diz Menges. A automodelagem, por outro lado, poderia oferecer produção em escala industrial de estruturas curvas de madeira maciça por um custo muito menor.
Para construir o HygroShell, a equipe criou perfis digitais de centenas de tábuas recém-serradas usando dados sobre o teor de umidade, orientação dos grãos e outros. Esses parâmetros foram inseridos em um software de modelagem que previu como elas poderiam se distorcer enquanto secavam e simulou como organizá-las para obter a estrutura desejada. Em seguida, os pesquisadores usaram fresadoras robóticas para criar as juntas que mantinham os painéis unidos à medida que a peça se desdobrava.
“O que estamos tentando fazer é desenvolver métodos de projeto que sejam tão sofisticados que atendam ou correspondam à sofisticação do material com o qual lidamos”, explica Menges.
Menges considera a “automodelagem”, como chama sua técnica, uma forma de baixo consumo de energia, capaz de criar arquiteturas curvas complexas que, de outra forma, seriam muito difíceis de construir na maioria dos canteiros de obras. Normalmente, a criação de curvas requer usinagem extensiva e muito mais materiais, a um custo considerável. Deixando que as propriedades naturais da madeira façam o trabalho pesado e usando maquinário robótico para pré-fabricar as estruturas, o processo de Menges permite a construção de paredes finas com madeira enquanto economiza material e dinheiro.
Se tivessem forma própria, os elementos curvos poderiam reduzir pela metade os requisitos de material para determinadas características estruturais em um edifício de madeira de vários andares, segundo Menges. “Você economizaria muito material simplesmente porque a curvatura aumenta a rigidez. É por isso que vemos que tudo é curvo na natureza.”
O professor iniciou sua carreira no final da década de 1990, em uma época em que os arquitetos estavam apenas começando a usar novos e poderosos softwares para projetar edifícios. Essa mudança abriu novas possibilidades, mas, muitas vezes, esses projetos digitais entravam em conflito com as restrições físicas do material, reclama ele. Foi a tensão entre o físico e o digital que inspirou Menges a buscar o design computacional.
“Desde o início, fui motivado a entender a computação não como algo que divide o mundo físico e o digital, mas que os conecta profundamente”, diz.
Seu interesse em estruturas autoformadoras foi inspirado pelas pinhas, que — muito tempo depois de caírem das árvores — mantêm a programação biológica para abrir e expor suas sementes ao passo que as temperaturas aumentam. “Esse é um movimento da planta que não requer nenhum motor, nem músculos”, associa Menges. “Ele está programado no material.”
As pinhas fizeram com que ele percebesse que, assim como os robôs são programados para executar determinadas ações, materiais como a madeira podem ser manipulados para construir comportamentos específicos, codificados em seu DNA como resposta a um estímulo.
Além do HygroShell, Menges usou técnicas de automodelagem para criar projetos de prova de conceito, como a Urbach Tower, uma estrutura de madeira em espiral de 45 pés (mais de 13 metros) e vista para os campos do Rems Valley, perto de Urbach, na Alemanha. Em vez de usar processos mecânicos que consomem muita energia e exigem maquinário pesado, a equipe pré-fabricou uma dúzia de painéis de madeira curvos e autoformados e os montou no local, reduzindo o tempo que seria necessário para construir uma estrutura desse tipo.
Em 2023, sua equipe trabalhou com pesquisadores da Universidade de Freiburg, também na Alemanha, a fim de desenvolver o livMatS Biomimetic Shell, uma estrutura feita de 127 cassetes de madeira, cada um lembrando o formato de um favo de mel. Menges usou a autoformação ao projetar um sistema de persianas de madeira impressas em 3D, que abriam e fechavam em resposta às mudanças na umidade relativa. Incorporado ao revestimento de madeira está um portão solar que se fecha em climas quentes, sombreando o espaço, e se abre durante os meses mais frios para fornecer aquecimento solar passivo. Em comparação com um edifício de madeira convencional, essa estrutura tem metade do impacto ambiental durante seu ciclo de vida.
O trabalho do arquiteto surge em um momento em que a sustentabilidade dos edifícios de madeira em massa — aqueles com componentes estruturais feitos de madeira projetada em vez de aço ou concreto — está sob escrutínio.
As preocupações vão desde a origem da madeira até o fato de a preservação das florestas capturar mais carbono do que a colheita para a construção de materiais, mesmo que a construção com madeira reduza as emissões em relação à produção de concreto e aço. Também há preocupações sobre o que acontece com todo o insumo deixado para trás durante o processo de extração. As árvores podem ser um recurso renovável, mas levam décadas para amadurecer e já estão ameaçadas pelas mudanças climáticas. Foi isso que levou Menges e outros a defenderem práticas de construção mais eficientes que não desperdiçam madeira.
No entanto, os arquitetos enfrentam um dilema. Os edifícios de madeira maciça podem ser construídos com menos material, contudo, quanto menos material for usado, mais suscetível será a estrutura ao fogo, alerta Michael Green, diretor da Michael Green Architecture em Vancouver, Canadá.
“A maneira como protegemos a madeira é construindo-a em excesso para criar uma espessura resistente a um determinado período de tempo sob fogo”, diz Green. Os padrões dependem do tipo de construção e da variedade de madeira utilizada, mas o diretor costuma acrescentar cerca de 3,6 centímetros (1,4 polegadas) de material extra em suas estruturas para cada hora de queima necessária. Quanto mais pessoas ocuparem um edifício, mais tempo será necessário para resistir ao fogo e, no caso de edifícios de madeira maciça, mais espessa será a estrutura de madeira.
Green vê o trabalho de Menges como uma pesquisa fundamental, algo que pode levar a avanços que influenciarão a arquitetura de madeira nas próximas décadas. Em contrapartida, ele não acredita que a arquitetura autoformada seja amplamente implantada fora das torres e pavilhões que o professor já projetou.
“Isso está nos ensinando menos sobre o que realmente vamos construir nos próximos cinco anos e mais sobre o que precisamos aprender para podermos desenvolver outros produtos que suportem isso”, diz ele.
Mesmo sem a adoção generalizada de técnicas de auto-modelagem, Menges acredita que o design computacional continuará a revelar novas maneiras de construir com madeira. Ele vê um futuro em que os nós, os cantos e os galhos das árvores não serão vistos como defeitos, mas como ferramentas de construção, cada uma com suas propriedades exclusivas.
“Uma árvore não tem um defeito”, argumenta ele.
“É uma característica anatômica. O que precisamos aprender é que tipo de sistemas de construção desenvolvemos para integrar essas características, e não buscar uma homogeneidade que simplesmente não existe.”