Eles se parecem com pequenos pedaços de obsidiana – lisos e brilhantes. Mas um conjunto de pequenos fragmentos negros encontrados dentro do crânio de um homem que morreu na erupção do Monte Vesúvio, no sul da Itália, no ano 79 d.C., acredita-se serem partes de seu cérebro – transformadas em vidro.
A descoberta, relatada em 2020, foi empolgante porque nunca antes um cérebro humano havia sido encontrado nesse estado. Agora, cientistas que estudam seus restos mortais acreditam ter descoberto mais detalhes sobre como os fragmentos de vidro foram formados: o homem foi exposto a temperaturas superiores a 500 °C, seguidas por um resfriamento rápido. Essas condições também permitiram a preservação de pequenas estruturas e células dentro de seu cérebro.
“É uma descoberta extraordinária”, diz Matteo Borrini, antropólogo forense da Liverpool John Moores University, no Reino Unido, que não esteve envolvido na pesquisa. “Isso nos mostra como a preservação do [cérebro] pode funcionar… condições extremas podem produzir resultados extremos.”
Restos cintilantes
A cidade romana de Herculano esteve coberta por cinzas durante centenas de anos. Escavações realizadas nos últimos séculos revelaram descobertas incríveis de corpos preservados, edifícios, móveis, obras de arte e até alimentos. Esses achados ajudaram os arqueólogos a reconstruir um quadro de como era a vida na Roma Antiga. No entanto, ainda há surpresas sendo reveladas.
Cerca de cinco anos atrás, Pier Paolo Petrone, arqueólogo forense da Universidade de Nápoles Federico II, estava estudando restos mortais originalmente escavados na década de 1960, que se acredita pertencerem a um homem de aproximadamente 20 anos. Ele foi encontrado dentro de um edifício que se supõe ter sido um local de culto. Os arqueólogos acreditam que ele poderia estar guardando o prédio. Seu corpo estava deitado de bruços sobre uma cama de madeira.
Petrone estava documentando os ossos carbonizados do homem sob uma lâmpada quando notou algo incomum. “De repente, vi pequenos restos vítreos cintilando na cinza vulcânica que preenchia o crânio”, contou à MIT Technology Review por e-mail. “Tinha uma aparência negra e superfícies brilhantes, muito semelhantes à obsidiana.” Mas, ele acrescenta, “ao contrário da obsidiana, os restos vítreos eram extremamente frágeis e fáceis de desmanchar.”
Uma análise das proteínas na amostra sugeriu que os restos vítreos eram tecido cerebral preservado. E quando Petrone e seus colegas examinaram partes do material com microscópios, conseguiram até mesmo ver neurônios. “Fiquei muito animado porque entendi que [o cérebro preservado] era algo absolutamente único, nunca visto antes em qualquer outro contexto arqueológico ou forense”, diz ele.
A próxima questão era como o cérebro do homem se transformou em vidro, afirma Guido Giordano, vulcanologista da Universidade Roma Tre, em Roma, que também participou da pesquisa. Para descobrir, ele e seus colegas submeteram pequenos fragmentos do cérebro vítreo – medindo apenas alguns milímetros de largura – a temperaturas extremas no laboratório. O objetivo era identificar seu “estado de transição vítrea” – a temperatura na qual o material muda de frágil para maleável.
Esses experimentos sugerem que o material é de fato vidro e que se formou quando a temperatura caiu de mais de 510 °C para a temperatura ambiente, diz Giordano. “A fase de aquecimento não deve ter durado muito tempo. Caso contrário, o material teria sido… cozido e desaparecido”, afirma ele. Isso, acrescenta, é provavelmente o que aconteceu com os cérebros das outras pessoas cujos restos foram encontrados em Herculano, que não foram preservados.
Os curtos períodos de temperatura extremamente alta podem ter sido causados por gases vulcânicos superaquecidos e por alguns centímetros de cinzas, que cobriram a cidade logo após a erupção e se depositaram. Fluxos piroclásticos mais densos vindos do vulcão provavelmente atingiram o edifício algumas horas depois, possivelmente após o cérebro ter tido a chance de esfriar rapidamente.
“As nuvens de cinzas podem facilmente alcançar 500 ou 600 graus… [mas] elas podem passar rapidamente e desaparecer”, explica Giordano, que, junto com seus colegas, publicou os resultados na revista Scientific Reports na quinta-feira. “Isso forneceria o resfriamento rápido necessário para produzir o vidro.”
Um caso único
Ninguém sabe ao certo por que o cérebro desse jovem foi o único a se transformar em fragmentos de vidro. Pode ter sido porque ele estava abrigado dentro do edifício, diz Giordano. Acredita-se que a maioria dos outros moradores de Herculano tenha corrido para a orla da cidade, na esperança de ser resgatada.
Também não está claro por que o homem foi encontrado de bruços em uma cama. “Não sabemos o que ele estava fazendo”, diz Giordano. Ele pode não ter estado guardando o edifício, afirma Karl Harrison, arqueólogo forense da Universidade de Exeter, no Reino Unido. “Em um incêndio, as pessoas acabam em lugares que não conhecem, porque correm através da fumaça”, explica ele. As condições podem ter sido semelhantes durante a erupção vulcânica. “As pessoas acabam em lugares inesperados”, acrescenta.
De qualquer forma, trata-se de uma descoberta única. Arqueólogos já desenterraram cérebros humanos antigos antes — mais de 4.400 foram encontrados desde meados do século XVII. Mas esses exemplos tendem a ter sido preservados por secagem, congelamento ou por um processo chamado saponificação, no qual os cérebros “efetivamente se transformam em sabão”, diz Harrison. Ele participou de um trabalho em um sítio arqueológico na Turquia, onde foi encontrado um cérebro de 8.000 anos. Esse cérebro parece ter se “carbonizado” e se transformado em um material semelhante ao carvão, segundo ele.
Alguns dos fragmentos vítreos do cérebro permanecem no local em Herculano, mas outros estão sendo mantidos em universidades, onde os cientistas planejam continuar suas pesquisas. Petrone quer estudar mais detalhadamente as proteínas das amostras para entender melhor sua composição.
Segurar os fragmentos é “bastante impressionante”, diz Giordano. “Algumas vezes, eu paro e penso: ‘Estou realmente segurando um pedaço do cérebro de um ser humano’”, afirma ele. “É algo comovente.”