Desde que os lockdowns forçaram os consumidores a transferir suas compras para ambientes online, o comércio eletrônico passou por uma evolução desmedida. O foco esteve em três pilares: inventário (ou o controle eficaz do estoque), pagamento e entrega. Os clientes procuravam produtos por meio de motores de busca, como o Google, e eram direcionados para plataformas onde completavam a compra. A proposta central se baseava em uma palavra: conveniência. Mas isso está mudando. E em ritmo acelerado.
Com o avanço da tecnologia, a experiência do usuário, que antes girava em torno das plataformas, passou a ser feita diretamente com os agentes de Inteligência Artificial, ou AI agents, como são conhecidos. Numa primeira fase, essas soluções surgiram para melhorar a experiência dentro das próprias plataformas e funcionaram como camadas de assistência. Amazon, Booking.com e OLX começaram a incorporar os agentes para personalizar recomendações, facilitar buscas com linguagem natural e antecipar intenções de consumo.
O passo seguinte foi assumir o topo do funil de vendas, fase em que o principal objetivo é despertar o interesse do cliente. Ferramentas como ChatGPT e Perplexity tornaram-se alternativas aos buscadores tradicionais e passaram a processar a intenção da busca, navegar entre opções e apresentar a melhor decisão diretamente, em vez de redirecionar o usuário para um marketplace.
O que isso muda no e-commerce?
Esse movimento é importante porque com ele os e-commerces deixam de ser o ponto de partida para a experiência de compra. A relevância da marca, nesse novo cenário, depende do quanto ela está integrada aos sistemas conectados aos agentes. E o trabalho não se limita a atrair o consumidor: os agentes ajudam a converter o comprador em cliente recorrente. Eles analisam os dados, tomam decisões, executam tarefas e aprendem com os resultados. É um ciclo sem fim de melhorias, com uma agilidade até então inalcançável.
Fica claro quando tomamos como exemplo um restaurante cadastrado na plataforma do iFood. Imagine que ele queira saber detalhes sobre uma recente queda nas vendas. Basta fazer a solicitação por WhatsApp, via Salesforce, para o gerente de contas de IA. A partir daí, esse agente contata o analista de dados de IA, que inspeciona o que está acontecendo, identifica o problema e oferece recomendações. O gerente de contas de IA recebe esses dados, analisa e ajusta as recomendações antes de enviar a resposta ao restaurante e ao gerente de contas do iFood.

Olhando para o futuro
A etapa seguinte da evolução dos agentes está diretamente relacionada à padronização da linguagem. Assim como o HTML foi essencial para a web, o Model Context Protocol (MCP) surge como a infraestrutura que permitirá conectar essa tecnologia a múltiplos marketplaces de forma fluida.
Trata-se de um padrão de código aberto criado para interligar os modelos de IA a fontes de dados, substituindo integrações fragmentadas por um único protocolo. É uma forma mais simples e confiável de fornecer aos sistemas acesso aos dados, tornando-os mais poderosos e escaláveis.
Com o MCP, um agente pode buscar, comparar, transacionar e executar tarefas complexas com fornecedores diferentes sem depender de uma interface específica. A interoperabilidade se torna o novo campo de batalha, substituindo a guerra por tráfego por uma guerra por integração.
Como funciona, na prática
O conceito já virou realidade. A Shopify, uma das principais plataformas de comércio eletrônico do mundo, com mais de um milhão de comerciantes, habilitou o MCP em todas as suas lojas. Nas últimas semanas, a OpenAI e a Stripe lançaram em parceria o Agentic Commerce Protocol (ACP), um protocolo de e-commerce que tem checkout instantâneo, o que permite realizar compras diretamente pelo ChatGPT ou pelo Perplexity.
O usuário pergunta ao ChatGPT sobre um produto e descobre as ofertas mais compatíveis com o seu perfil disponíveis na web, porque o próprio chat sugere as opções, tornando-se uma vitrine. Basta que ele toque no botão “comprar” para que a operação comercial seja feita inteiramente naquela interface, sem redirecionamentos. Neste primeiro momento, o checkout instantâneo está sendo implementado nos Estados Unidos para compras de vendedores dos marketplaces Etsy e Shopify.
Janela de oportunidade
O desenvolvimento de agentes tem sido extremamente rápido, e seu uso já mostra resultados. Segundo pesquisa da McKinsey, as empresas que implementaram agentes de atendimento conseguiram aumentar a resolução de problemas em 14% e reduzir o tempo gasto lidando com eles em 9%. Lembre-se: esses números refletem apenas o pontapé inicial da revolução que está por vir.
Segundo a empresa global de pesquisa e consultoria Gartner, os agentes estarão à frente da próxima grande onda tecnológica. De acordo com o Hype Cycle for Artificial Intelligence, até 2028, 33% dos aplicativos de software corporativos incluirão IA generativa, com pelo menos 15% das decisões de trabalho diárias tomadas de forma autônoma por meio dos agentes.
Em um cenário mais avançado, esses assistentes não vão apenas interagir com humanos, como também entre si. No futuro, que na verdade está muito mais perto do que costumamos pensar, teremos ecossistemas autônomos, nos quais agentes consumidores e agentes fornecedores negociam, transacionam e otimizam fluxos sem intervenção humana.
Quando os humanos saem de cena
Esse modelo “A2A” (Agent-to-Agent) abre caminho para um novo paradigma de plataformas: elas deixam de ser intermediárias e passam a ser ambientes de execução. O exemplo mais emblemático é o projeto Vend, apresentado pela Anthropic, no qual uma máquina de venda automática foi gerida 100% por um agente, do estoque à precificação, comunicação e aquisição de insumos.
Batizado de Claudius, o agente da Anthropic assumiu o posto de gerente por um mês com a missão de dar lucro, prevendo a demanda, procurando produtos para comprar em atacadistas, definindo os preços repassados aos consumidores e cuidando do atendimento, entre outras tarefas inerentes ao negócio.
O resultado não foi dos melhores: Claudius acertou em alguns pontos, mas pecou em muitos outros. O que importa nessa história é ver que a IA está bem perto de realizar esse tipo de trabalho sem nenhuma supervisão. Não deve demorar para que essa tecnologia seja aperfeiçoada.
Dificuldades pelo caminho
Cabe lembrar que a autonomia desses sistemas traz um importante desafio. Ao interagir com diferentes ambientes e executar tarefas de forma independente, os agentes criam riscos regulatórios associados à tomada de decisão e à capacidade de agir no mundo real. As empresas precisam implementar práticas robustas de criptografia e armazenamento seguro para proteger a privacidade e a segurança dos dados.
E não basta apenas criar uma malha de agentes integrados. É preciso garantir a confiabilidade, entender o que eles podem e não podem fazer e como devem ser governados. Agentes precisam de testes, treinamento e orientação antes de operar de forma independente.
Capacidade e confiança
Novamente tomando como exemplo o iFood, a confiabilidade e a capacidade dos agentes da empresa vêm evoluindo numa taxa previsível e muito acelerada. A cada sete meses, dobra a complexidade de tarefas que os modelos conseguem realizar com sucesso. Como isso é possível? Com estratégia, investimento, cultura e muito teste para avançar degrau por degrau.
A empresa mantém um programa que atingiu a marca de 880 agentes ativos por semana, criados por colaboradores de diferentes áreas. O objetivo é que, até março de 2026, esse número chegue a 7 mil agentes, um por funcionário. Cada colaborador fica no centro do processo, com autonomia para criar assistentes sob medida, que reduzem para segundos o trabalho antes feito em dias.
A nova ordem da internet comercial
A conclusão é clara: para empresas que operam no e-commerce, o valor não estará mais na interface, e sim na capacidade de conectar-se a uma rede de agentes. Isso muda tudo. As prioridades tecnológicas serão outras.
Construir APIs deixará de ser suficiente, e o novo diferencial competitivo será tornar-se “agent-ready”, ou seja, estar pronto para a era da internet em que a Inteligência Artificial conseguirá entender o ambiente, tomar decisões de forma independente, realizar tarefas complexas e se adaptar às necessidades de maneiras que ainda não podemos imaginar. Os colaboradores humanos se tornarão arquitetos desses ecossistemas.
Plataformas que se adaptarem rapidamente a essa realidade, oferecendo interfaces MCP-compliant, dados estruturados e funções transacionais acessíveis, estarão preparadas para prosperar na nova ordem digital. Para as marcas, o jogo também muda. Elas deverão estar atentas a um novo consumidor: softwares autônomos que tomam decisões em nome de outra pessoa.
A revolução dos agentes não é apenas uma evolução tecnológica, mas uma reconfiguração da arquitetura da internet comercial. Do e-commerce baseado em interfaces para o e-commerce baseado em negociação autônoma, estamos migrando de um mundo centrado no usuário para um mundo centrado em IA.
O futuro não será feito de plataformas que disputam nossa atenção, mas de protocolos que brigam por nossa integração.




