Oferecido por
Todos os dias os algoritmos conseguem antecipar escolhas, reduzir o tempo entre a procura e a compra de um produto, mapear o comportamento do consumidor. Tudo isso baseado nas várias informações que o próprio indivíduo fornece por meio de múltiplas interações. A evolução dos softwares que aprendem a partir de exemplos, dados e experiências vem revolucionando o mundo, e não só em áreas como comércio e marketing. É possível transpor o uso dessa ferramenta para outros setores, como o da medicina.
Hoje, um algoritmo já pode prever a sua internação hospitalar. E mais: o que a equipe do Hospital Israelita Albert Einstein — que desenvolveu uma Inteligência Artificial (IA) que faz essa predição — tem constatado é que, junto com esse dado, chegam também números relevantes de eficiência operacional.
A base de tudo foi o prontuário eletrônico, implementado em 2017. “A partir dele, nós começamos a ter um repositório de informações sobre os pacientes, para aprender a usar isso e então gerar algoritmos de predição”, conta a diretora de Operações do hospital, Claudia Laselva. Nesse sentido, a primeira inteligência desenvolvida foi utilizada nas unidades de Pronto Atendimento: todo paciente que ingressava tinha seus dados tanto pessoais como de saúde incluídos no sistema, de forma que o algoritmo pudesse calcular a probabilidade de internação e qual tipo de leito ele provavelmente demandaria.
“Antes, eu só tinha visibilidade dos pacientes que iriam ser internados quando o médico dissesse: ‘esse paciente precisa de uma vaga de internação em leito ou UTI’. Com a utilização do algoritmo, isso mudou. Desde o momento zero, quando o prontuário do paciente começa a ser alimentado de dados, temos acesso à probabilidade de que este paciente tenha que ser admitido. Se o risco é baixo, eu sei que a necessidade dele será resolvida sem internação, mas se é de 80%, eu já começo a monitorar esse paciente”, explica Laselva.
Com o tempo, a solução foi ficando mais sofisticada. Hoje, além de prever a internação, o algoritmo foi treinado para quantificar permanência e predizer risco de nova internação após alta. Segundo o cardiologista Leonardo Carvalho, que atua na área de Medicina de Precisão do Einstein, o tempo médio de permanência no hospital é calculado pelo algoritmo fazendo uma associação entre o comportamento do paciente e a condição ou doença que ele apresenta. Para o caso de uma readmissão pós-alta, a análise funciona da seguinte forma: “Nós dividimos a readmissão entre fatores imprevisíveis e previsíveis. Por vezes, pela complexidade da doença, a readmissão é imprevisível, o paciente vai voltar porque precisa e não conseguimos mudar essa história natural. Contudo, entre 10% e 20% dos casos têm retornos previsíveis”, afirma o médico.
Para evitar esses retornos previsíveis, entra em jogo uma segunda ferramenta: redobrar a educação do paciente para o cuidado em casa e realizar o monitoramento virtual. Após a saída do hospital, durante os dez primeiros dias, uma equipe fica responsável pela realização de três atendimentos, no formato de teleconsulta, para checar se o paciente está seguindo as orientações médicas, se há dúvidas etc. A estratégia impacta não só no bem-estar daquele paciente, como no funcionamento de todo o hospital. “Por exemplo, em um mês, eu evitei 13 readmissões. Cada readmissão tem uma média de permanência de sete dias. Então, eu consigo ver o quanto eu liberei de leitos para tratar outros pacientes de maior complexidade”, pontua Laselva.
Do micro ao macro: benefícios para todos
Entre os resultados colhidos com o uso da solução, a diretora de operações destaca a possibilidade de atender mais pacientes. Enquanto o número de leitos cresceu em 2,5% de 2022 até hoje, o volume de internações cresceu 7%. De acordo com ela, acomodar essa demanda só foi possível com o ganho em eficiência operacional adquirida com o algoritmo. “A gente já vem trabalhando há um tempo com uma taxa de ocupação extremamente alta, hoje uma média de 87,6%. E não só nós: é um cenário pós-pandemia geral do que foi reprimido, então trabalhar com predições nos dá margem para atender a essa demanda”, esclarece.
Laselva cita ainda que o tempo de espera do paciente na unidade de primeiro atendimento até a internação reduziu em uma hora, o que está estreitamente relacionado também com uma melhor alocação no setor de internação. “Se eu sei antecipadamente que esse paciente precisa de um leito de ortopedia, e não de cardiologia, eu vou trabalhando internamente no meu sistema para garantir que ele vá para a ortopedia”.
Leonardo Carvalho ressalta que esse grau de assertividade se deve ao fato de que o modelo usando no Einstein foi desenvolvido especificamente para a instituição. Não quer dizer que não possa ser replicado, mas é preciso observar alguns detalhes específicos de cada instituição.
“O número de variáveis preditoras em saúde é muito grande, há diversos fatores na tomada de decisão para um desfecho, então a seleção de características e variáveis preditoras tem que ser feita na própria instituição que vai utilizar a ferramenta. Seria ótimo ter um modelo universal, mas isso dificultaria a customização local. O fluxo de raciocínio pode ser o mesmo, mas os dados precisam ser diferentes”, explica o médico.
IA no centro cirúrgico
Outra área que tem tendência de rapidamente ser favorecida com soluções de IA é a da cirurgia. No Einstein, a experiência no centro cirúrgico é mais recente do que com a operação de leitos e internação, mas já é considerada bem-sucedida pelo diretor médico da rede cirúrgica, Nam Jin Kim.
“Os profissionais trabalham com um sistema de auto-agendamento totalmente integrado com outros setores. A ferramenta disponibiliza um conjunto de recursos que vão além de reservar data, horário, tempo e sala de cirurgia sem a necessidade de intermediários. Foi um processo de entender como tornar esse processo mais efetivo e otimizar nossa capacidade operacional, assim como oferecer a melhor assistência para o paciente”, diz o especialista.
A IA conecta todas as áreas que estão envolvidas na cirurgia. A tecnologia gera ofertas de agendas cirúrgicas nas quais é possível fazer a confirmação instantânea, e a partir da análise do tipo de procedimento, dos equipamentos necessários, das características do paciente e do histórico do médico, o sistema consegue definir a quantidade de horas necessárias para a operação.
É possível também listar materiais, equipamentos, instrumentais e equipes de apoio. Essas informações são transmitidas automaticamente para os departamentos envolvidos, como Farmácia, Materiais Esterilizados e Engenharia Clínica.
“A grande vantagem disso é que esse sistema desencadeia toda uma cascata de suprimentos. Porque ele já sinaliza para a área de suprimentos que o material deve ser retirado do estoque, ou que tenha que ser solicitado com algum tempo de antecedência, fazendo uma alocação mais inteligente de recursos”, complementa. No caso de eventuais pendências para a realização da cirurgia, como falta de um instrumento específico, o próprio dispositivo sinaliza por meio de cores, podendo assim organizar o status de cada procedimento.
Segundo o diretor médico, a ocupação dos leitos cirúrgicos em 2019 era por volta de 70%. Em 2023, esse índice passou para 90%. Esse crescimento foi atribuído, em grande parte, à eficiência operacional gerada pela tecnologia.
O médico ressalta que o uso do algoritmo vale para as cirurgias eletivas, não para os procedimentos de urgência e emergência, contudo estes também se beneficiam. “Com a integração de dados, o sistema consegue fazer uma melhor distribuição de procedimentos, salas e equipamentos. O resultado é a redução de atrasos e consequente melhor acomodação de procedimentos de urgência e emergência”, destaca Nam.