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Diversidade e inclusão, a esta altura do século 21, já deveria ser um assunto consolidado. Mas não é. Muitas empresas ainda não se deram conta do caráter estratégico do tema, e assim continuam vendo a ampliação da presença de grupos minorizados em suas estruturas como uma espécie de ação social, e não como uma maneira de potencializar a inovação por meio de múltiplos olhares, experiências e vivências.
Várias pesquisas mostram que times mais diversos melhoram os resultados, pois companhias com equipes plurais têm mais condições de estarem antenadas com os desejos de seus consumidores e menos chances de escorregões que custam reputações e até resultam boicotes a produtos e serviços. Sem contar que, apesar da crise geral no mercado de trabalho no Brasil, os melhores profissionais – especialmente na área de tecnologia e mercado digital – podem escolher onde vão exercitar o seu talento. E ninguém quer um sobrenome corporativo que envergonhe o nome civil.
Pesquisas realizadas pela consultoria McKinsey mostram que empresas com maior diversidade de gênero tem lucratividade acima da média. Mais importante: essa diferença vem aumentando. Em 2014, companhias mais diversas tiveram resultados 15% acima da média. Em 2017, a diferença foi de 21%. E, em 2019, as mais diversas tiveram um resultado 25% acima da média. Em comparação com as menos diversas (aquelas que só tem homens brancos de terno escuro na foto), a diferença é de 48%.
Quando se olha para a diversidade étnica e cultural, o ganho é ainda mais expressivo: em 2019, as mais diversas tiveram lucratividade 36% superior às menos diversas.
Embora a pesquisa mais recente seja anterior à pandemia, a McKinsey sustenta que os resultados não só continuam valendo, como foram reforçados. “Diversidade e inclusão são grandes facilitadores de uma melhor performance. Empresas cujos líderes recebem bem talentos diversos e incluem múltiplas perspectivas têm mais chances de sair da crise mais fortes”, diz o relatório.
Se é bom para a sociedade e bom para o balanço, então por que essa prática ainda não é generalizada no mercado? Uma pesquisa da Accenture sobre a cultura de igualdade no trabalho ajuda a explicar. De acordo com o estudo, 68% dos líderes ouvidos acreditam que estão criando um ambiente em que os funcionários podem ser eles mesmos, falar abertamente sobre suas preocupações e inovar sem medo. Entre os colaboradores, apenas 36% têm a mesma avaliação. A diferença é ainda maior quando se fala sobre se sentir incluído e acreditar que é possível contribuir com a organização e crescer profissionalmente: 20% das empresas acham que oferecem um ambiente desse tipo, mas apenas 2% dos empregados concordam. Na prática, a gestão vê um cenário, e os colaboradores veem outro bem diferente.
E por que isso acontece? Para 76% dos líderes, o desempenho financeiro está no topo das prioridades, enquanto a construção de uma cultura mais inclusiva aparece no fim da lista, com 21%. A própria Accenture cita suas metas internas – equilíbrio entre homens e mulheres até 2025 e ter pelo menos 25% dos cargos de liderança ocupados por mulheres no fim de 2020 – e dá a receita: tratar as metas de gênero como qualquer outra prioridade de negócio, cobrar das lideranças, coletar e analisar os dados.
No centro da estratégia
É exatamente essa a visão da KPMG, que começou a trabalhar o pilar de equidade feminina há 15 anos e hoje colhe os frutos: já são 50% de mulheres nos cargos de nível gerencial e 27% na alta gestão. Com 5 mil colaboradores e escritórios em 23 Estados, a empresa tem comitês feminino, de raça, LGBTQIA+ e de PCD (pessoas com deficiência) e busca ainda ter diversidade de origem geográfica, para se beneficiar dos diferentes pontos de vista e da pluralidade do Brasil. “Nós dizemos que na KPMG você pode ser o que é dentro de casa”, diz Luciene Magalhães, Head de Capital Humano, sobre o acolhimento da empresa às diferentes realidades pessoais dos colaboradores.
Ela destaca que diversidade numa companhia não acontece por acaso. É fruto do investimento da organização, que precisa dedicar recursos financeiros para criar programas, treinamentos e projetos específicos para educar os profissionais e prepará-los para esse ambiente, que ainda é novo para muitas pessoas. No caso das mulheres, o desenvolvimento da carreira inclui o apoio da empresa caso queiram ter filhos, para que as novas necessidades pessoais não entrem em conflito com as exigências profissionais. “Hoje, quando a mulher tem filho, na volta da licença maternidade a carteira de clientes é revista e ela passa a atender clientes mais próximos de casa, que não necessitem viagens”, diz Luciene. A KPMG também contratou um médico para orientar as mulheres desde a gravidez e passar a mensagem de que elas serão apoiadas nesse novo momento da vida. A própria Luciene foi promovida a gerente quando teve o filho mais velho, há 27 anos, a equity partner quando teve trigêmeos, há 11 anos, e foi para o board quando os três ainda eram pequenos.
Uma das pioneiras no mercado a investir no tema diversidade e inclusão, a KPMG também auxilia organizações que querem se estruturar para receber equipes mais diversas. E é uma das primeiras empresas do país a ter uma mulher trans entre seus executivos: Danielle Torres, que já tinha reconhecimento profissional no mercado quando fez a transição de gênero e foi apoiada pela empresa. “A diversidade traz agilidade no pensamento. Porque o pensamento é diverso e você fica mais rápido e mais assertivo”, diz Luciene.
No caso da PwC, o tema é visto como algo central para a cultura organizacional. A companhia entende que o ambiente diverso incorpora experiências complementares e pode ser um diferencial competitivo, sendo ao mesmo tempo bom para a sociedade e para os negócios da empresa e dos clientes. Por isso a organização procura “ser um lugar onde as pessoas possam ser plenamente elas mesmas”, segundo documento publicado no site da empresa. A PwC estruturou sua atuação nesse campo a partir de cinco verticais: Gênero, Gerações, LGBTQIA+, Pessoas com deficiência e Raça e Etnia.
Cada uma dessas dimensões se organiza em torno daquilo que a empresa chama de Comunidades de Prática (CoPs), núcleos de profissionais de diferentes áreas, regiões e perfis que – ao lado de um time dedicado de inclusão e diversidade e liderados por um sócio ou sócia engajado em cada uma dessas dimensões – propõem soluções para tornar a empresa mais diversa. “Para cada uma dessas dimensões existe um sócio que encabeça o tema internamente. A gente faz isso para criar um maior accountability e também para que o assunto da diversidade e inclusão esteja mais presente nos negócios”, afirma Renato Souza, Inclusion & Diversity and Corporate Sustainability Sr. Manager da PWC.
Diversidade traz inovação
O vice-presidente de Pessoas e Sustentabilidade do iFood, Gustavo Vitti, também vê a diversidade como uma vantagem para os negócios, especialmente para empresas que querem se comunicar com um público amplo. “O iFood é feito para todas as pessoas e por todas as pessoas. A diversidade que possuímos em todas as áreas nos dá uma grande vantagem competitiva, na medida em que possuímos uma melhor compreensão e conexão com todo o nosso ecossistema, formado por clientes, restaurantes e pessoas entregadoras”, diz Vitti.
E como evitar que barreiras invisíveis e os vieses inconscientes impeçam a diversidade desejada? O primeiro passo é saber que elas existem. Isso envolve examinar todas as etapas do trabalho de recrutamento e se questionar se esses processos não estão deixando de fora bons candidatos por causa de pré-requisitos que podem ser desejáveis, mas não necessários, à função e que poderiam ser adquiridos ao longo da carreira.
Filtros como escola de origem e conhecimento de língua estrangeira, tradicionalmente usados para supostamente selecionar os profissionais mais bem preparados, podem impedir a entrada de pessoas talentosas que não tiveram as mesmas oportunidades de acesso à educação – embora possam se mostrar capazes de aprender. “É preciso reconhecer quais critérios funcionam como uma barreira de exclusão e ser mais consciente na determinação de atributos que são realmente essenciais e não apenas desejáveis, pois assim abre-se um leque maior para pessoas com base no potencial e aceleração interna”, afirma Vitti.
Não delimitar a universidade em que estudou, local de moradia, idade ou conhecimento de inglês foram alguns dos critérios adotados pela TIM para ampliar a diversidade étnica no recrutamento de trainees em 2020. Para os selecionados, a empresa ofereceu o curso de inglês. “Se eu quero mais pessoas na minha força de trabalho representando todas as etnias do povo brasileiro, eu preciso rever os meus critérios de recrutamento”, diz Maria Antonietta Russo, vice-presidente de Recursos Humanos da TIM Brasil, empresa que desde 2019 tem uma política de inclusão e respeito à diversidade que envolve o engajamento de parceiros e fornecedores.
O erro de muitas organizações, diz Maria Antonietta, é pensar que a busca por um ambiente diverso seja um assunto do RH. “Não é. É um tema da agenda estratégica de toda a empresa”, diz ela, que trabalhou com o assunto por 15 anos na TIM Itália e agora, no Brasil, vem liderando projetos para aumentar a diversidade de gênero, orientação sexual, etnia e PDCs. As metas estão nos compromissos ESG divulgados ao mercado: 30% de mulheres na liderança, 40% de negros e digitalização de toda a força de trabalho.
Tecnologia contra a exclusão
Vários estudos mostram que as pessoas podem ser influenciadas por vieses inconscientes, que apenas reforçam o mesmo perfil, sem ampliar o leque de candidatos, desperdiçando o potencial de muitos talentos e os ganhos resultantes de uma equipe mais inovadora. A tecnologia pode acabar reforçando esses vieses. Mas, se bem usada, também pode ajudar na seleção de uma equipe mais diversa, porque leva a empresa a adotar critérios objetivos ao pensar nas habilidades realmente necessários à função, diz Felipe Calbucci, diretor de Vendas do Indeed Brasil, maior site de empregos do mundo, com atuação em 60 países.
“Não é todo trabalho que precisa de um diploma universitário ou dez anos de experiência, por exemplo. Colocar critérios objetivos ajuda as empresas a chegar a um grupo mais diverso de candidatos, alguns que poderiam ser sido dispensados nas primeiras etapas da seleção”, diz ele.
Com cuidados desse tipo, a tecnologia é, sem dúvida, um recurso valioso para as empresas na busca por ambientes plurais e em sintonia com espírito do tempo. Tão ou mais importante que o apoio das ferramentas, no entanto, é de fato conectar a questão da diversidade e da inclusão à cultura organizacional e à estratégia de negócios. Dessa forma, ganha o conjunto da sociedade, que se vê mais representada nas companhias, e ganham as organizações, que se beneficiam do poder de inovação extraordinário que só equipes verdadeiramente diversas e multiculturais podem oferecer.